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Em Terapia

Por Arnaldo Cheixas Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Terapeuta analítico-comportamental e mestre em Neurociências e Comportamento pela USP, Cheixas propõe usar a psicologia na abordagem de temas relevantes sobre a vida na metrópole.
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Relacionamentos virtuais são pura fantasia

E se eles não passam logo para o campo real, quase sempre estão fadados ao fracasso

Por Arnaldo Cheixas
Atualizado em 14 nov 2017, 15h51 - Publicado em 13 nov 2017, 19h45
(Divulgação/Divulgação)
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Quando duas pessoas percebem e combinam um vínculo amoroso por meio eletrônico, temos um relacionamento virtual. Os dois não se conhecem pessoalmente mas usam as redes sociais e as ferramentas de contato eletrônicas para dar um formato de namoro para aquele vínculo. Há diálogo, cumplicidade, fidelidade, ciúme, desentendimentos, planos para o futuro etc.

Talvez o elemento mais importante para se saber sobre os relacionamentos virtuais é que eles pertencem ao campo da fantasia. Relacionamento virtual é pura imaginação. “Mas, Arnaldo… Eu tenho fotos. E ela(e) é linda(o), do jeito que eu gosto!” Ou ainda: “Mas, Arnaldo… Os sentimentos são reais. Ela(e) me ajudou a resolver um problema enorme, importou-se comigo.”. Tudo isso pode ser real. A única coisa que não é real é justamente o relacionamento. Sentimentos efetivos não garantem que um relacionamento exista de fato.

Vejam que interessante. O banco do qual sou cliente tem como estratégia de operação disponibilizar um gerente remoto para administrar a relação com o cliente. Eu não conheço pessoalmente minha gerente mas conversamos frequentemente por meio eletrônico (mensagens de texto, e-mail) e, atualmente, até por telefone e videoconferência. Por que acho esse exemplo interessante? Minha relação com a gerente da minha conta, mesmo sendo virtual, tem implicações muito concretas na minha vida. Uma decisão errada durante nossa interação pode resultar em prejuízo financeiro para mim. O que é real nessa história são as transações bancárias; mas não há um vínculo efetivo entre ela e mim para além desses aspectos práticos do gerenciamento da minha conta bancária.

 

Lamento decepcionar os mais românticos mas um relacionamento virtual difere pouco do relacionamento que eu tenho com a gerente da minha conta. Explico. Eu dizia um pouco acima que, embora os sentimentos possam ser efetivos, a única coisa que não é real no relacionamento virtual é justamente o próprio relacionamento.

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Quando conhecemos alguém no ambiente virtual, nossas fantasias disparam. Quanto menos concreta a relação, mais espaço a fantasia ganha. Imagine conversar com alguém (um crush, para usar o termo da moda) apenas por mensagens de texto. Sem tato, cheiro e nem mesmo fotos ou áudios. A imaginação vai longe. Uma pessoa otimista vai imaginar que do outro lado haja um interlocutor dentro de suas expectativas de beleza, altura, voz, caráter etc. Já uma pessoa com padrão pessimista vai imaginar um interlocutor feio, mentiroso e assim por diante. O fato é que nem um nem outro tem elementos que permitam ter certeza. É só fantasia.

Digamos que depois de um tempo o crush envie um áudio. Pronto. Agora, podendo escutar a voz, as expectativas se ajustam. A voz pode ser sensual, infantilizada, sóbria… A imagem fantasiosa sobre a pessoa deve ser ajustada agora com base na voz. Além da fantasia sobre a própria voz, há todas as características que associamos a cada tipo de voz.

Depois de mais um tempo há o envio de fotos. Mais ajustes da fantasia e assim por diante. A fantasia diminui conforme os elementos concretos vão surgindo. E encontro pessoalmente muitas vezes elimina até a fantasia construída a partir de fotografias. A fotografia não é a realidade mas sim uma leitura sobre ela.

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A chance de uma fantasia sobre o alvo da paixão virtual corresponder à realidade é nula. E dificilmente chega sequer perto do que foi fantasiado. Isso não significa que não se possa conhecer alguém no mundo virtual. Mas é importante saber que os instrumentos da informática apenas possibilitam os primeiros contatos, que são baseados em elementos de afinidade: a conversa, os interesses, a beleza etc. Mas o “amor” virtual, que na verdade é um tipo de projeção de apaixonamento, tem data de validade curta. O tempo é implacável.

A única maneira de um relacionamento virtual dar certo de forma saudável é ele transpor os limites do mundo virtual e mergulhar no real. Você pode me dizer que conhece alguém que está há anos num relacionamento virtual e que está dando certo, e que se amam etc. Meu caro, isso é tudo menos um relacionamento de fato. É pura fantasia.

O que explica nossa dúvida sobre a efetividade do relacionamento virtual é o fato de que há coisas boas nesse tipo de interação. A conversa pode ser maravilhosa. Pode haver até cumplicidade. Pode haver apoio prático na resolução de problemas. Alguém pode até doar um órgão para transplante ao outro e salvar sua vida. Tudo isso é real, menos o relacionamento.

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Os gregos nomeavam com palavras diferentes na antiguidade processos que nós colocamos juntos sob o título de “amor”. Os exemplos que dei acima e que tornam bacana a interação virtual poderiam ser chamados de amor filia (amizade), como o apoio na resolução de um problema, ou amor ágape (amor universal), como doar um órgão para a sobrevivência de outra pessoa. Nenhum deles corresponde ao amor eros, que é o amor conjugal. Ele implica em um pacto completo (emoções, sentimentos, carne e vida) entre duas pessoas que se amam eroticamente (no sentido grego).

Quando uma pessoa fantasia, por meio de um relacionamento virtual, que está vivendo um amor, há certamente algo que merece ser olhado. Ninguém que não possua alguma insatisfação com a vida pessoal pode viver um relacionamento virtual. As pessoas mais propensas a viver uma relação amorosa virtual são aquelas que têm dificuldades em suas vidas e acabam projetando no “pseudo-amor” as expectativas de realização pessoal não concretizadas na sua vida de fato.

Aqui cabe uma observação. O relacionamento virtual é diferente do relacionamento à distância, que se trata de um distanciamento físico posterior normalmente imposto a um casal por algum fator externo à relação, como um emprego em outra cidade ou país. Neste caso o vínculo, mesmo que mantido à distância, é baseado na história prévia do casal, quando podiam se encontrar fisicamente ou mesmo moravam juntos. Ainda assim, o relacionamento à distância costuma ter um caráter provisório até que o fator externo seja equacionado. Do contrário, se não houver solução para a distância, a tendência é que, da mesma forma como acontece com o virtual, aquele relacionamento à distância acabe ou se transforme em um vínculo doentio que não faz bem a nenhum dos dois.

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Um exercício de reflexão interessante sobre o tema é o filme “Ela”, no qual o protagonista se apaixona pela inteligência artificial de um sistema operacional cuja interface é uma sedutora voz feminina. Ele literalmente se apaixona por um sistema. Do ponto de vista prático, um relacionamento virtual com uma pessoa de verdade, na prática, tem pouca diferença para o “relacionamento” experimentado pelo protagonista de “Ela”.

Então, para que não reste dúvidas. Não há nenhuma crítica moral no uso de redes sociais e aplicativos para paquerar. Esses recursos facilitam bastante o que poderia acontecer na festa ou na fila do cinema. Conhecer alguém que desperte sua atenção de alguma maneira. Mas esse é só um passo na construção de um relacionamento. Se você vive um vínculo que não ultrapassou o virtual e mesmo assim mobiliza fortes sentimento e emoções, é importante você saber que os sentimentos que você acredita serem amor são, na verdade, suas angústias mais profundas disfarçadas de amor. O enfrentamento dessas angústias deve ocorrer de outras formas e um amor conjugal efetivo só pode ser vivenciado no real.

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