Onze atores interpretam papéis femininos nos palcos paulistanos
Ao todo são sete espetáculos cômicos, que eles encaram com maquiagem carregada ou de cara limpa
Na Grécia antiga, mulher não pisava na arena. Teatro era coisa exclusiva de homens. E foi assim por muito tempo. Mas, enquanto rapazes se tornavam especialistas em incorporar Julietas e Ofélias nas obras de Shakespeare até o século XVII, os espetáculos da commedia dell’arte italiana e as montagens francesas de Molière começaram a trazer atrizes no elenco. Hoje, a regra virou exceção, ou melhor, um desafio em nome da versatilidade. Pelo menos onze atores interpretam papéis femininos em sete espetáculos em cartaz – todos cômicos. A maioria deles incorporou saltos altos, maquiagem, perucas e trejeitos delicados ao trabalho, em preparativos iniciados, no mínimo, duas horas antes da entrada em cena.
Escrita por Célia Regina Forte para atrizes, a peça Amigas, Pero No Mucho enveredou para o tom farsesco ao colocar quatro homens na pele de quarentonas à beira de um ataque de nervos. “Foi uma sugestão do Marcelo Médici numa leitura do texto há três anos”, conta a autora. Elias Andreato, Eucir de Souza, Leopoldo Pacheco e Romis Ferreira não usam maquiagem e mal disfarçam os pelos. Apostam nas perucas, nos figurinos e nas plataformas altíssimas. “Eu invento um jeito mais rápido de caminhar, um passo miudinho inspirado na Nicette Bruno, que jamais tira o salto”, diz Andreato, o único do quarteto que já havia representado mulheres, nas peças Hello Boy e A Comédia dos Homens. Médici é um especialista no assunto. Sucesso no monólogo Cada um com Seus Pobrema, em que cinco de seus nove tipos são femininos, o ator também interpreta uma dupla de mulheres em O Mistério de Irma Vap, ao lado de Cassio Scapin, que se transforma em outras duas. “Criar a Lady Enid de Irma Vap me oferece possibilidades riquíssimas porque ela é quase uma menina, precisa de muita delicadeza”, afirma Médici, que refaz todas as noites os cachos da peruca e importou maquiagem da Alemanha para esconder as marcas da barba.
Outro que redobrou o cuidado com o visual foi o ator Nilton Bicudo, em cartaz com Uma Mulher de Vestido Preto. “O diretor Roney Facchini exige que eu me barbeie antes de passar a base e subir ao palco”, conta o artista, que meia hora antes calça os sapatos de salto plataforma para treinar o equilíbrio. Bicudo se entusiasmou ao compor tipos como uma perua bêbada, uma beata sessentona e uma cartomante espanhola. “Descobri quanto é possível me transformar, por exemplo, com uma peruca e vou investir mais em tipos femininos.” Um fanático por perucas – tem uma coleção de 48 – é o ator Eduardo Martini, do monólogo I Love Neide. Criada para um quadro do programa televisivo de Hebe Camargo, a personagem Neide Boa Sorte ganhou os palcos há dois anos. Martini perdeu 7 quilos, faz as unhas diariamente e disfarça os ombros com blusas de babado. O ator descarta, porém, a ideia de que homem travestido atraia mais público. “O teatro exige uma comunhão, e a plateia não cai em qualquer tipo de apelo fácil”, acredita.
Na contramão dos colegas estão Davi Taiu e Eduardo Estrela, protagonistas da tragicomédia A Prudência. Para viverem duas senhoras à espera de uma amiga durante os festejos de réveillon, eles dispensam maquiagem ou perucas e adotam um sóbrio conjunto de saia e blazer. “Tenho preguiça só de pensar em um homem vestido de mulher no palco, então fugimos completamente da caricatura”, diz Estrela. “Qualquer pessoa poderia enfrentar a situação da peça.” Menos radical ainda é a transformação de Alberto Guzik em Monólogo da Velha Apresentadora. De calça jeans, camisa branca, tênis e barba rala, o ator recorre apenas a uma peruca e a um leve batom na caracterização da apresentadora de TV sem papas na língua batizada de Febe Camacho. A tênue transformação acontece na frente dos espectadores e virou uma marca da montagem. “A ideia é justamente não mostrar o ator escondido atrás do personagem”, afirma Guzik, que ao interpretar uma mulher no espetáculo A Vida na Praça Roosevelt, em 2005, enfrentava uma hora de preparação.