“A frustração foi ver que a Assembleia é tão governista”, diz Marina Helou
Eleita na onda da “nova política”, em 2018, a deputada estadual fala sobre as ilusões perdidas no Parlamento, o futuro e um assédio sofrido no mandato
Nos corredores assépticos da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), a entrada do gabinete de Marina Helou (Rede), 34 anos, se destaca pelos coloridos Post-its colados na parede, próximos a uma placa em homenagem a Marielle Franco. Avessa à lacração virtual, ela chegou a ser a mais jovem vice-presidente da Comissão de Constituição e Justiça, a mais importante da Casa. A seguir, revela bastidores do Parlamento e fala, pela primeira vez, sobre um assédio sofrido no início do mandato.
A senhora foi eleita em 2018, na onda da “nova política”. Essa onda vai durar até 2022?
A gente achou que a renovação era o principal caminho para melhorar a política. Aprendemos que a renovação, por si só, não basta. Precisa estar acompanhada de qualidade. A renovação é necessária, mas não suficiente. Vimos que qualidade é importante, e acho que essa será a tônica das eleições.
Houve uma frustração com a tal renovação política?
Com certeza. Ao mesmo tempo, os desafios públicos aumentaram com a pandemia. Por isso as pessoas vão buscar políticos que tenham experiência e qualidade na tomada de decisão.
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Será candidata em 2022?
Tenho vontade de colaborar com mais um ciclo na política, antes de dar uma pausa ou ter outras experiências. Mas ainda não decidimos. No momento, avalio concorrer para deputada estadual ou federal.
O que considera a grande vitória de seu mandato até agora?
Não ter perdido o sonho que tinha quando entrei na política. Mais concretamente, foi termos investido em crianças, meio ambiente e qualidade da política. Entregamos coisas concretas nessas três áreas, como leis, editais e projetos legislativos.
Mas qual seria a principal vitória?
A Política Estadual pela Primeira Infância, um marco legal importantíssimo que faltava ao governo do estado. Aprovamos, sancionamos e agora é uma lei estadual.
A senhora disse que não perdeu o sonho. Mas talvez tenha perdido algumas ilusões ao chegar à Alesp…
A Casa tem muitas pessoas comprometidas só com a permanência no poder, ou que tomam decisões baseadas no que traz mais cliques ou likes nas redes sociais, ou deputados que nem leem os projetos discutidos… Mas a grande ilusão perdida é ter percebido que a Assembleia é extremamente governista. A gente tem um regimento que não permite independência do governo do estado. Essa foi a grande decepção. Tem pouca tramitação de projetos, cada deputado aprova em média um projeto por ano. Tem pouca discussão dos projetos do governo. O presidente da Casa decide a pauta.
A senhora foi governista em certas pautas.
A gente se colocou como independente, do que nem a oposição nem o governo gostam, então apanhamos dos dois lados.
Teve uma carreira anterior na Natura. Que comparações faz entre os mundos das empresas e da política?
Ambos os lados têm a aprender com o outro. Sinto falta do mundo corporativo: definição de metas, organização… Mas o impacto no setor público é muito legal. Nosso mandato, por exemplo, incluiu as grávidas como prioridade na vacinação. Com uma iniciativa, atingimos milhares de mulheres.
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Pensa em voltar para o lado privado?
Penso em ter outras atuações na vida, com certeza. Tenho vontade de ter apenas mais uma eleição e depois buscar uma experiência diferente. Experimentar o (Poder) Executivo, talvez trabalhando no governo de alguém. Mas não fecho nenhuma porta. Hoje estou focada no mandato, mas as possibilidades são muitas. Dar aulas, por exemplo…
O que os empresários não entendem sobre a política?
Muitos vêm para o setor público falando em implementar a lógica privada, trazer metas, planejamentos… Cometi esse erro em alguma medida. É preciso outra lógica. Não funciona do mesmo jeito. Setor público precisa de transparência, mais controle, construção coletiva. E faz sentido ser assim.
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Quando saiu candidata a prefeita, em 2020, teve menos votos que para deputada. Por que não deu resultado?
(Sobre o dado) Em 2018, o estado inteiro votou; em 2020, só um município. Mas o resultado eleitoral nunca foi o objetivo daquela campanha. A ideia era apresentar uma visão diferente de política. Tínhamos metas, como estar em primeiro entre os “nanicos”, o que conseguimos cumprir.
“O deputado deu um beijo na minha bochecha e falou: ‘Elegemos você uma das mais bonitas da Casa’”
É relatora do processo contra Frederico d’Avila (PLS, que ofendeu o arcebispo de Aparecida do Norte, após ele criticar Bolsonaro). Qual andamento vai dar à questão?
É uma questão que diz respeito a imunidade parlamentar, código de ética e intolerância religiosa. É isso que vamos discutir. Há uma forte intolerância religiosa na fala.
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D’Avila é bolsonarista. Qual a força do bolsonarismo na Alesp?
Perdeu força. O PLS elegeu quinze deputados, muito pela votação da deputada Janaina (Paschoal). Vários se incorporaram à base de Doria. Tem um pequeno número ainda fiel ao bolsonarismo.
A senhora é coautora de um projeto sobre remédios à base de canabidiol. Até que ponto apoiaria, também, uma descriminalização da Cannabis?
É uma pauta federal, mas acho que a gente tem de ter coragem de discuti-la. A política antidrogas não funciona. Acho que temos de olhá-la com coragem. Tem um espaço importante para a descriminalização.
Tem uma placa da Marielle Franco no seu gabinete. Já teve problemas com algum deputado?
(Fica um tempo em silêncio) Para mim, foi importante colocar desde cedo um limite claro, principalmente sobre a questão de eu ser mulher. Logo no primeiro dia, um deputado me catou de lado, me deu um beijo (leva a mão acintosamente à bochecha) e me disse: “Não precisa se preocupar, a gente fez uma eleição e você é uma das deputadas mais bonitas da Casa e a gente vai fazer com que as coisas deem certo para você”. Não vou dizer o nome dele, porque eu tive uma conversa bem dura e ele nunca mais agiu assim, está cumprindo a parte dele do acordo. É a primeira vez que falo disso. Meu objetivo nunca foi me tornar conhecida na política por esses embates, mas melhorar a qualidade da política. Nunca fui da lacração. Ela afasta a construção de soluções.
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Publicado em VEJA São Paulo de 15 de dezembro de 2021, edição nº 2768