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AACD: sessenta anos e referência no tratamento de lesão e deficiência

Entidade foi criada para auxiliar as vítimas de poliomielite

Por Mariana Barros
Atualizado em 1 jun 2017, 18h43 - Publicado em 13 ago 2010, 22h30
AACD - Matheus Dimitri da Silva Cavalcanti_2178
AACD - Matheus Dimitri da Silva Cavalcanti_2178 (Mario Rodrigues/)
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O senhor alto e grisalho abre a porta da escolinha e depara com um grupo de crianças de 5 ou 6 anos rindo e falando alto no corredor. Fingindo estar furioso, esbraveja: “O que vocês estão fazendo fora da sala de aula? E ainda mais sem os dentes!”. A criançada, a maioria banguela devido à perda dos dentes de leite, cai na risada. Estar temporariamente desdentada é, certamente, o menor de seus problemas: todas as crianças ali enfrentam algum tipo de deficiência física, como a falta de uma perna, uma coluna em forma de “s” ou uma medula incompleta que as impede de andar.

Elas fazem parte dos 2 500 pacientes que a Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD) atende diariamente em sua sede, na Avenida Prof. Ascendino Reis, no Ibirapuera. Já a figura simpática que circula pelo edifício empenhada em alegrar e relativizar as dificuldades da meninada é Eduardo Carneiro, diretor-presidente da instituição. “Deficiência aqui é como cárie para um dentista: quase todo paciente que entra tem”, diz, acrescentando que o que muita gente enxerga como tabu é, dentro do universo da AACD, tema trivial. Pelos corredores, é intenso o tráfego de cadeiras de rodas coloridas com Barbies e Mickeys a bordo e muletas ou andadores decorados com selinhos brilhantes. As crianças correspondem a 70% dos atendimentos, embora adolescentes, adultos e idosos também recorram à entidade.

Superpoderoso

Criada para auxiliar as vítimas de poliomielite, mais conhecida como paralisia infantil, a AACD chega aos sessenta anos, comemorados neste mês, vendo o perfil de seus pacientes se transformar. Com a pólio praticamente erradicada pelas campanhas de vacinação, suas portas se abriram a outros casos. Paralisia cerebral, que, ao contrário do que possa parecer, é uma deficiência física, e não mental, corresponde hoje a 41% dos casos. Esses pacientes compreendem tudo o que se passa, mas não controlam seus movimentos, dando a falsa impressão de estarem alheios. Lesões encefálica e medular também estão entre os casos mais frequentes.

Seis anos de espera

AACD - Pedro Gabriel da Silva_2178
AACD – Pedro Gabriel da Silva_2178 ()

Vítimas de acidentes de trânsito, de armas de fogo e de quedas lideram as principais causas de danos à medula. Com o passar dos anos, de centro especializado em pólio, a associação se transformou em uma das principais referências do país no tratamento de deficiências físicas. Dez mil pessoas aguardam para ser atendidas na Grande São Paulo (outras 8 000 no país), formando uma fila de espera em que apenas risco de vida iminente justifica que um paciente passe à frente dos demais.— em média, os tratamentos infantis duram seis anos consecutivos.

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Ao contrário de boa parte das ONGs, a AACD criou mecanismos próprios de arrecadação de dinheiro. Os custos da maioria dos atendimentos são bancados por ela. “É o projeto Robin Hood: cobramos dos que podem pagar para cobrir o tratamento dos que não podem”, diz Carneiro. Há nove anos na instituição, desde 2006 na presidência, ele é um dos 1 360 voluntários. Sem experiência médica, lançou mão dos conhecimentos administrativos que adquiriu no mercado imobiliário para incorporar novas formas de criar receitas e buscar mais eficiência operacional na AACD.

Por causa de um celular

AACD - Rodrigo Aparecido da Silva_2178
AACD – Rodrigo Aparecido da Silva_2178 ()

Hoje, 70% do orçamento de 190 milhões de reais provém da própria entidade, principalmente do Hospital Abreu Sodré, referência em ortopedia, e da oficina de próteses; 17% vêm do Sistema Único de Saúde (SUS); e 13% são doações de pessoas físicas e jurídicas (o Instituto Votorantim e os bancos Itaú Unibanco e Bradesco estão entre os maiores colaboradores). Carneiro fez com que médicos passassem a pensar não só no atendimento, mas nos seus gastos implícitos. Exigente, foi jocosamente apelidado pela equipe de “homem de lata”. A fama de durão, porém, é logo desmentida pelas lágrimas que lhe vêm aos olhos quando conta as histórias dos heróis atendidos ali.

Quem consegue uma vaga, seja para terapias, seja para procedimento hospitalar, costuma agarrar a oportunidade e desafiar suas limitações na árdua rotina de atividades. O garotinho da capa, Matheus Dimitri Cavalcanti, de 5 anos, que na última terça-feira (10) escolheu a fantasia do Super-Homem para fazer seus exercícios, frequenta há um ano a AACD. Ele e a mãe vieram de Manaus, no Amazonas, e se instalaram numa casa de apoio em São Paulo. Dimitri, como é chamado, sofre de mielomeningocele, o que significa que parte do sistema nervoso central contido em sua coluna vertebral não se formou completamente. Tem também hidrocefalia, um acúmulo de líquido na cabeça que é drenado por válvulas. Nada disso, porém, o impede de ser um dos pacientes mais espevitados. Até ajustar as fivelas, prender todas as tiras de velcro e se assegurar de que o andador não vai apertar a pele do filho, Darcley Santos da Silva leva dez minutos.

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Para retirar, são outros dez. Isso tudo sem que ele pare de se mexer por nenhum minuto. Durante essa operação de monta e desmonta, qualquer belisco faz com que o garoto reclame. Isso, porém, em vez de chateação, é motivo de comemoração. Ao nascer, Dimitri não tinha sensibilidade nas pernas. Brincando, chegou a arrancar uma unha do pé sem nem se dar conta, já que não sentia dor. A conquista é resultado de sete cirurgias e uma rotina intensa de terapias, que hoje lhe permitem sair em disparada assim que se apoia no aparelho.

Caminhada automática

AACD - Maria Elisa Vuolo_2178
AACD – Maria Elisa Vuolo_2178 ()

No edifício-sede, há piscinas, máquinas para praticar a locomoção e salas especiais, como a de música, onde os pacientes utilizam os instrumentos para treinar concentração e coordenação motora. Na porta em frente, entre pincéis, tesouras, telas e tintas, reinam as artes plásticas. É ali que há seis anos a voluntária Enny Pacco auxilia os pacientes nas tarefas artísticas. Trata-se de sua segunda passagem pela AACD; a primeira ocorreu há 35 anos, quando a maioria dos atendidos era vítima de pólio. Alguns pernoitavam na própria instituição e, nos fins de semana, eram levados para passeios organizados pelos voluntários. “Fretávamos um ônibus e íamos todos à praia”, relembra Enny.

Cada voluntário se dedica por cerca de quatro horas a atividades como levar os pacientes ao banheiro e ajudar em tarefas administrativas e na recepção. Médicos, terapeutas e gestores que compõem o quadro de 2 077 funcionários são remunerados, o que garante um serviço profissionalizado.

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Boneca de cristal

AACD - Luara Crystal Ribeiro_2178
AACD – Luara Crystal Ribeiro_2178 ()

A dona de casa Sônia Pires dos Santos Silva derrete-se em elogios à equipe que cuidou de seu neto, Pedro Gabriel da Silva, de 12 anos. Internado desde a semana passada, ele viveu no último dia 6 um momento pelo qual esperou por seis anos: uma operação para corrigir uma escoliose acentuadíssima. A demora deveu-se principalmente ao preço de 30 000 reais da cirurgia. Há quatro anos, o valor era ainda maior, em torno de 60 000 reais, e transcorriam nove anos até se chegar à mesa de operações.

Hóspede e paciente

AACD - Waldo Costa Dobes_2178
AACD – Waldo Costa Dobes_2178 ()

Além da sede, a AACD possui duas unidades na Grande São Paulo, na Mooca e em Osasco, e se prepara para inaugurar no ano que vem outras duas, em Santana e Campo Limpo. Fora da região metropolitana de São Paulo, conta ainda com quatro unidades, no Recife (PE), Uberlândia (MG), Porto Alegre (RS) e Nova Iguaçu (RJ), e mais duas filiadas, uma em Joinville (SC) e outra em São José do Rio Preto (SP).

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Essa expansão tem sido bancada pelo montante arrecadado anualmente pelo Teleton, mutirão de solidariedade transmitido pelo SBT, que em novembro chega à sua 13ª edição. Durante 24 horas, artistas vão ao ar pedir doações que, ao fim do programa, somam 20 milhões de reais. O valor é suficiente para construir um hospital, o que consome cerca de 3 milhões de reais, e permitir seu funcionamento por três anos. Isoladamente, no entanto, o evento não garante autonomia financeira à entidade, o que Carneiro promete conquistar nos próximos anos. Mais um desafio entre os milhares vividos diariamente ali.

 

Que tipo de problema têm os pacientes tratados pela AACD (em %)

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