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“A convivência na escola é algo tão sério quanto matemática”, diz pesquisadora

Especialista em relações interpessoais, Flávia Vivaldi defende que o bem-estar dos alunos é tão importante quanto as disciplinas regulares no currículo

Por Mattheus Goto
28 abr 2023, 06h00
Convivência democrática na escola: pesquisadora Flávia Vivaldi propõe que temas como a discriminação façam parte da grade curricular
Convivência democrática na escola: pesquisadora Flávia Vivaldi propõe que temas como a discriminação façam parte da grade curricular (Alexandre Moreira/Veja SP)
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A morte da professora Elisabeth Tenreiro, assassinada em 27 de março aos 71 anos por um aluno de 13 na Escola Estadual Thomazia Montoro, na Vila Sônia, Zona Oeste, reforçou um alerta sobre a segurança nos colégios.

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O caso foi o mais recente do levantamento feito por pesquisadores do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral (Gepem), da Unicamp e da Unesp, criado em 2005.

Integrante do grupo há quinze anos, a pesquisadora Flávia Vivaldi, doutora em educação e mestre em psicologia educacional pela Unicamp, desenvolveu seus estudos no âmbito da convivência democrática no ambiente escolar. À Vejinha, explica a origem do movimento de ataques nas escolas e enumera as medidas recomendadas para gestores, professores, pais e poder público.

Do que se trata seu doutorado?

É uma pesquisa de campo de dois anos e meio na Escola Municipal Violeta Doria Lins, localizada em uma região de vulnerabilidade social em Campinas, com movimento de tráfico de drogas. A partir da avaliação do clima escolar, por meio de questionários com estudantes, professores e gestores, foi possível fazer um diagnóstico das fragilidades da instituição. Fizemos um processo formativo com os professores e funcionários e introduzimos uma disciplina, que os próprios alunos chamaram de relações humanas, com o propósito de atuar na resolução de conflitos não muito graves, como acolher colegas excluídos e preparar o ambiente para que todos e todas tenham espaço de participação, de pertencimento.

Qual foi o primeiro caso de ataque no Brasil? E em São Paulo?

Os dados foram levantados a partir de uma pesquisa de mestrado de uma colega do grupo, que trabalha com mapeamento dos casos de violência extrema cometidos por estudantes ou ex-estudantes — não adultos. São atos infracionais violentos de tentativas contra a vida, análogos aos crimes de ódio. Não constam nos dados casos desbaratados, que muitas vezes nem saem na mídia. O primeiro ocorreu em 2002, na Bahia. Desde então, foram identificados 22 casos em 23 escolas — um dos autores foi em duas escolas. Desse número, nove ataques ocorreram entre agosto de 2022 e março de 2023. Em São Paulo, o primeiro foi em 2011.

Por que os casos vêm aumentando?

Há um padrão nesse tipo de ataque. As variáveis estão muito correlacionadas, por isso não existe saída simples para resolver esse problema. A primeira é o aumento da cultura da violência, a ampliação desse discurso social acaba encorajando de forma direta ou indireta os atos. Outro fator é o grupo social ao qual os meninos pertencem. São comunidades que reverberam discriminações, transgressões e o uso da força. Em paralelo, tivemos um período de tentativa de censura na escola de temas que deveriam ter sido trabalhados há muito tempo, sobretudo as discriminações. A discussão na área política compreendia que esse trabalho era partidário. Por fim, tivemos a pandemia, que acabou empurrando todos para uma imersão digital. Isso gerou sofrimento e, muitas vezes, adoecimento mental, numa fase da vida em que a interação entre pares é vital.

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Como os ataques são premeditados?

Pelo levantamento, os meninos têm o perfil de isolamento social muito forte. Há um ressentimento em relação à escola, um sentimento de não pertencimento, por isso acabam procurando outras formas de se sentir pertencentes. Eles formam o que chamamos de comunidades mórbidas, que cultuam as armas e são cheias de preconceitos e ideais nazistas. Eles acham que agem em nome de algo muito maior. Temos acesso a muitas postagens. Não existe nenhum ataque que acontece da noite para o dia. Eles planejam as roupas e as armas que vão usar. Há evidências mostrando que anunciam em postagens no Twitter e no TikTok. Muitas vezes, o anúncio não era levado a sério.

“A escola precisa rever suas relações humanas. Ela reproduz a lógica do século passado, não há espaços de participação efetiva, diálogo e convivência”

Flávia Vivaldi

O que deve ser feito após um ataque?

Quando a escola é atacada, tem o processo de “posvenção”, que é oferecer apoio individualizado a docentes e família das vítimas. São ações humanizadoras de escuta e cuidado. Esse sentimento de reconstrução vem aos poucos. Em uma situação pós-trauma, não tem como garantir que o sujeito não vai ter um gatilho mesmo após meses. Já nos relataram crise de pânico por ouvir uma porta batendo ou um objeto caindo no chão, com a sensação de que era um tiro. O medo existe e fica latente por anos. Só com o tempo e o apoio de profissionais da rede psicossocial — assistentes sociais, psicólogos e psiquiatras — no dia a dia da escola e da comunidade ao redor que se resolve.

Como orientar as crianças?

A ação deve ocorrer de acordo com as demandas que elas trazem. Se a criança diz que está com medo, o caminho é acolher, validar o sentimento e explicar que na escola tem adultos para recebê-la. Na maioria das vezes, a curiosidade da criança sobre os ataques é pequena, não perguntam muito. Os adultos não precisam se antecipar e falar detalhes. Na escola, deve ser criado um ambiente de acolhimento, com jogos para os pequenos expressarem os sentimentos. Com um adolescente, os pais podem ter uma conversa mais reflexiva. As famílias foram se fechando ao diálogo. Foi substituído pelas redes sociais. O diálogo é o antídoto para todo o mal. É por meio dele que se tem a perspectiva do outro.

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Quais são as medidas de prevenção?

A escola precisa rever suas relações humanas. Ela reproduz a lógica do século passado, não há espaços de participação efetiva, diálogo planejado e convivência. Defendemos que haja políticas públicas em nível nacional, para que o avanço aconteça no sistema como um todo. Uma comissão de convivência na escola poderia fazer um diagnóstico contínuo de casos de bullying. São procedimentos que as escolas precisam ter.

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O que cabe agora ao poder público?

Precisamos de protocolos em nível nacional para controle de armas de fogo e responsabilização das plataformas de redes sociais. Além disso, são necessários programas para extremistas se desradicalizarem e se reintegrarem à sociedade. A esfera pública dá prioridade a fatores como aprendizagem e Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), mas, se o clima escolar for bom, a possibilidade de desempenho é muito maior. Isso deve constar nas pretensões do país. O planejamento da convivência deve ser feito com a mesma seriedade com que se planejam as aulas de matemática e português.

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