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Após mais de três anos, caso Paraisópolis tem primeira audiência na Justiça

Policiais militares respondem por homícidio de nove jovens em baile funk

Por Agência Brasil
Atualizado em 22 Maio 2024, 15h48 - Publicado em 25 jul 2023, 11h22
muro grafitado
Beco é grafitado para homenagear os jovens mortos em Paraisópolis  (Rovena Rosa/Agência Brasil/Reprodução)
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A primeira audiência de instrução do julgamento de 12 policiais militares envolvidos no episódio que ficou conhecido como Massacre de Paraisópolis começa nesta terça-feira (25), no Fórum Criminal da Barra Funda, na capital paulista. Os agentes, do 16º Batalhão da Polícia Militar (PM), respondem pelo crime de homicídio de nove jovens durante operação no Baile da DZ7, na Favela de Paraisópolis, na noite de 1º de dezembro de 2019.

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Nesta primeira data, o juiz Ricardo Augusto Ramos irá começar a coletar depoimentos de acusação. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) informou que, ao todo, foram arroladas 52 testemunhas no processo. Após a etapa de instrução, vem a fase de interrogatórios.

As vítimas são Gustavo Cruz Xavier, Denys Henrique Quirino da Silva, Marcos Paulo de Oliveira Santos, Dennys Guilherme dos Santos Franco, Luara Victoria de Oliveira, Eduardo Silva, Gabriel Rogério de Moraes, Bruno Gabriel dos Santos e Mateus dos Santos Costa. Elas tinham entre 14 e 23 anos de idade.

Na época do caso, a PM alegou que os agentes reagiram a um ataque de criminosos que teriam disparado contra as viaturas e corrido em direção ao pancadão, como é chamado o baile funk. A narrativa que a corporação sustenta é a de que as vítimas morreram ao serem pisoteadas, versão que é contestada pelas famílias.

Para as famílias das vítimas, o ocorrido confirma aquilo que os moradores de comunidades da periferia conhecem há muito, que é a violência e a letalidade policiais, algo que abrevia, sobretudo, as vidas de jovens negros.

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Beco grafitado em homenagem aos jovens mortos em Paraisópolis no dia 1º de dezembro de 2019 – Rovena Rosa/Arquivo/Agência Brasil

Mobilizações

Em um manifesto que circula entre movimentos sociais e nas redes sociais, os familiares dos nove jovens afirmam que “19 agentes da segurança pública não foram denunciados ou foram sumariamente inocentados”. Na mensagem, declaram, ainda, que “é preciso afastar a tese de homicídio culposo”, sob argumento de que, dias antes do acontecimento, a Polícia Militar havia começado a ocupar a Favela de Paraisópolis, após a morte de um sargento no local.

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“Moradores relatam que, durante esse período, policiais militares atuaram com extrema brutalidade, invadindo casas, destruindo patrimônio e agredindo física e verbalmente a população. No dia em que esta morte completava um mês, armaram uma operação para sufocar o Baile da DZ7, criando propositadamente um cerco de violência em torno do baile, assumindo o risco por eventuais mortes”, escrevem no manifesto.

“O resultado alcançado com a brutal atuação da PM era previsível e, por isso, agiram com dolo eventual, devendo ser julgados por júri popular. É indispensável a reversão da absolvição de [outros] 19 policiais militares envolvidos na operação. Estes se beneficiaram do entendimento de que, supostamente, não seria possível individualizar suas condutas, quando, na verdade, há provas suficientes para levar todos os envolvidos a julgamento”, acrescentam os familiares.

Para honrar a memória das vítimas e dar visibilidade ao caso, os familiares criaram o perfil Os 9 que perdemos no Instagram. O grupo realizou um ato no final da tarde do último sábado (22), na comunidade de Paraisópolis.

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Em um vídeo veiculado na página, Maria Cristina Quirino, mãe do jovem Denys Henrique Quirino da Silva, comenta que uma das iniciativas tem sido conscientizar o público que vai aos pancadões sobre a truculência da polícia e como podem se proteger.

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“A nossa luta não foi fácil, não será fácil”, afirma. “O Estado não que dar direitos, o Estado viola direitos e a gente tem que lutar contra isso.”

Ministério Público e Defensoria Pública

O Ministério Público de São Paulo (MPSP), autor da denúncia contra os policiais militares que participaram da operação que culminou nas nove mortes, chegou a tomar providências, com o objetivo de arrefecer a tensão entre as forças de segurança e os moradores. Uma das tentativas do MPSP de conseguir com que a polícia desse trégua, anunciada dias depois do massacre, foi assumir uma mediação entre o público que frequenta os bailes funks, os moradores das comunidades e as autoridades.

A Defensoria Pública do Estado de São Paulo publicou um relatório de 187 páginas sobre o caso. No documento, o órgão ressalta que há inconsistências na versão da PM, lembrando que as evidências, obtidas, inclusive, em gravações de vídeo, mostravam que os policiais encurralaram jovens em uma viela da comunidade e que as vítimas morreram por asfixia.

Outro lado

Em entrevista concedida à Agência Brasil, o advogado Fernando Capano, que representa oito policiais acusados, reitera que o que houve foi um alvoroço ocasionado pela chegada de dois criminosos ao baile funk. “Esse tumulto se avolumou. Em razão dessa correria, os jovens sofreram essas mortes trágicas e a Polícia Militar compareceu imediatamente após o tumulto já ter sido iniciado, para acautelar a ocorrência”, afirma ele, que se diz contra a criminalização de bailes funk, expressão cultural, para ele, “legítima”.

Capano representa a tenente Aline Ferreira Inacio, o subtenente Leandro Nonato, o sargento Paulo Roberto Nascimento Severo, João Carlos Messias Miron, Marcelo Viana de Andrade, Matheus Augusto Teixeira, Rodrigo Almeida Silva Lima e José Joaquim Sampaio. Perguntado sobre possíveis afastamentos dos agentes, o advogado informou que alguns foram transferidos de local de trabalho, inclusive havendo casos em que se mudaram para o interior do estado. Segundo o advogado, eles desempenham, atualmente, funções da atividade-meio, ou seja, administrativas, não saindo mais a campo, e têm diferentes tempos de carreira, que variam entre cinco, seis anos a cerca de 30 anos.

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Na visão de Capano, o que sua experiência de 25 anos na área demonstra é que “nenhum policial fica satisfeito quando uma ocorrência resulta direta ou indiretamente na morte de uma pessoa”. “Nenhum policial sai às ruas dizendo ‘Hoje eu vou matar'”, afirma. “Eu fico muito compadecido com a família dessas crianças, desses jovens que perderam a vida, mas também fico muito preocupado quando a gente precisa emplacar uma narrativa de violência policial, que não foi o caso.”

O advogado pontua também que, na sua compreensão, a PM é “um órgão de Estado”, e, com isso, faz valer a lei independentemente de orientações do governo estadual. “Caso a Polícia Militar não tivesse agido dentro do manual e do procedimento padrão para esse tipo de ocorrência, muito complexa, em que a maior parte dos agentes é recebida, inclusive, com hostilidade por uma parcela da população que lá está, nesse panorama e nesse contexto, me parece que a polícia agiu com correção, partindo do pressuposto de que havia um problema gravíssimo instalado naquela situação e que a tragédia poderia ter sido ainda maior do que a que aconteceu. É nisso que acredito que a Polícia Militar, do ponto de vista institucional, e cada um dos policiais acabam por sentir. Estão lá porque são fiéis cumpridores da lei”, acrescenta.

Como sequência da cobertura do caso, a Agência Brasil também noticiou à época que o então governador de São Paulo, João Doria, manteve as operações policiais como estavam, mesmo com a repercussão do Massacre de Paraisópolis.

Apenas três dias depois do episódio de Paraisópolis, descobriu-se que um homem de 34 anos de idade foi assassinado em Heliópolis, em circunstâncias semelhantes. Naquela semana, circulavam vídeos denunciando abusos de policiais, sendo um deles gravado em Paraisópolis, em que há diversos agentes fardados e ao fundo se escuta o som do que parecem ser disparos de armas de fogo, e um grito ameaçando os presentes: “Vai morrer! Vai morrer todo mundo!”.

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Ouvidoria

Em nota encaminhada à Agência Brasil, a Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo informou que segue acompanhando o caso, “buscando sempre impedir que [situações semelhantes] tornem a ocorrer; com ações de monitoramento e formação das forças policiais até a devida responsabilização dos agentes que atuaram irregularmente”. “A Ouvidoria entende que, acima de tudo, está lidando com um tema que transpõe as questões de violência e morte”, afirma.

“Estamos falando de mães que estão privadas de seus filhos. E que a gestão deste sofrimento e do luto inclui questões difíceis de superar como a angústia, a dor da perda ao se deparar com lembranças do filho, até a mudança na atribuição de sentido às coisas da vida, entre outras tantas e igualmente dolorosas”, completa.

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