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“Todos esses incêndios são criminosos”, diz Araquém Alcântara

O maior fotógrafo de natureza do país fala sobre as queimadas que viu na Amazônia e no Pantanal, seus próximos livros e suas ideias para o futuro do planeta

Por Tomás Novaes
Atualizado em 18 out 2024, 09h48 - Publicado em 18 out 2024, 06h15
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O fotógrafo e a sua câmera, na mata: 54 anos de carreira (Roberto Setton/Veja SP)
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Araquém Alcântara não escolheria um lugar qualquer para morar em São Paulo. O mais importante fotógrafo de natureza do Brasil, que já percorreu o país inteiro registrando a nossa gente e os nossos biomas, reside próximo ao Parque Burle Marx, um oásis verde na capital paulista.

Lá, o catarinense, que cresceu em Santos, guiou a reportagem de VEJA SÃO PAULO por uma curta trilha por dentro da vegetação.

No dia 13 de novembro, ele inaugura a nova galeria do Senac Santo Amaro com uma retrospectiva, e prepara o lançamento de quatro livros para 2025, incluindo um sobre queimadas e secas, com cenas de terror registradas nos últimos meses na Amazônia e no Pantanal.

Com 54 anos de carreira e mais de sessenta livros publicados, o andarilho conta no papo a seguir o que viu e o que ainda quer ver no seu país.

Você vive em São Paulo há quatro décadas. Já pensou em morar mais perto do mato?

Gostaria muito, mas acredito que o meu fazer tem de ser feito aqui. Porque, na floresta, vou cuidar muito mais de mim do que espalhar os benefícios. E fui me acostumando, mas aqui escolhi um lugar em que eu pudesse ver as árvores.

Fotografar a Amazônia está se tornando mais perigoso?

Sim. Nos territórios sem lei, se você chega com colete e câmera, você sente que é melhor sair logo. Usar colete hoje na Amazônia não é recomendável, lembra a Polícia Federal. Camuflagem também. A melhor coisa é não se vestir como fotógrafo. Onde você esteve nos últimos meses? Em julho fui para Corumbá (Mato Grosso do Sul). Foi uma devastação inacreditável, pela queimada. Depois, subi para a Serra do Amolar. Então fui para o Xingu, que estava queimando, em agosto. No dia 21 (segunda), parto para o Rio Negro, Rio Solimões e Rio Tapajós.

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Nessas expedições recentes, qual a sua visão sobre o avanço da destruição no Pantanal e na Amazônia?

Nunca houve nada igual no Brasil. A maior seca, o nível mais baixo do rio. Este é um ano emblemático, de rios que não secavam, como Madeira e Tapajós, chegando a esse ponto. Deveríamos ter aprendido em 2019, com a grande queima. Todos esses incêndios, com raríssimas exceções, são criminosos. O fogo não se alastra nessa proporção se não for colocado em vários pontos, os satélites comprovaram que são dentro de propriedades que queriam aumentar os seus pastos. Precisamos de punição exemplar. A cada ano piora, e mais rápido. Me surpreende não ver indignação da população, dos políticos. É uma sociedade fraca, vejo uma grande letargia. É difícil dar a dimensão (do estrago), mas a fotografia, o cinema, acho que têm esse poder. As fotos podem desempoeirar consciências — mostrar o belo é uma coisa benigna. Agora, é preciso mostrar os horrores cometidos. O que nós estamos fazendo é um crime de lesa- humanidade contra a natureza. Me dói muito ser um cronista do extermínio.

“Nunca houve nada igual no Brasil. A maior seca, o nível mais baixo do rio. Este é um ano emblemático, de rios que não secavam, como Madeira e Tapajós, chegando a esse ponto”

Você acredita que eventos extremos, como a fumaça que pairou sobre São Paulo em agosto, podem despertar a sociedade?

Sou movido pelo otimismo, mas acho que vamos precisar de muitos eventos catastróficos para começar a colocar a ecologia no nosso dia a dia. É preciso uma nova consciência, que começa com educação, não tem jeito. Como você pode despertar o amor pela Amazônia, um lugar que está lá longe? Tem que ir lá. O seu filho tem que tocar a Amazônia. A maior aula de ecologia é sentir a floresta, ali você percebe que aquilo é divino.

Que medidas você acredita que podem mudar esse cenário?

A nova narrativa é plantar e educar as crianças. Temos que fazer a transição energética, urgente. Tem que parar o desmatamento, imediatamente. Tem que replantar o país, reflorestar. O grande barato é dar uma nova seiva a este país, com educação, movimento governamental, ajuda internacional. Não tem investimento, porque não temos lideranças com visão. Infelizmente, os nossos políticos não entenderam que a floresta é vida, e os povos originários cuidam disso. Estamos cometendo um genocídio incrível. O Brasil precisa recuperar as áreas que estão arrasadas e podem ser reflorestadas. Querem explorar petróleo na foz do Amazonas e asfaltar a BR-319 (Manaus-Porto Velho), o que vai trazer uma grande destruição. Se começo a falar dessas mazelas, fico um cara triste, mas eu não sou. Sou um guerreiro.

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Em setembro, você foi o fotógrafo oficial da Semana da Amazônia, mostra simultânea em Berlim, Bruxelas e Paris. Qual a importância de levar suas fotos para o exterior?

Ultimamente, isso tem sido uma constante (produzir trabalhos em outros países). Está na cara que a gente fez muito pouco pelo movimento geopolítico mundial. Temos uma infinita possibilidade na mão, e o dever moral de proteger a Amazônia e sermos líderes nisso.

Você tem a esperança de que vamos recuperar o estrago nos biomas?

Para mim, uma árvore deveria ser um patrimônio sagrado da humanidade. Se o cara cortou uma, ou ele tem que ir preso no ato, ou plantar duas. O futuro é terrível, mas é possível mitigar, ter uma outra narrativa. Se eu não fosse otimista, não faria essa produção. Eu acredito no homem, na possibilidade de transformação e que é possível contribuir para uma nova consciência com a minha linguagem.

Na sua fotografia, como alinhar a contemplação da natureza com a decisão de fotografar um momento?

É um exercício difícil, mas, com o tempo, você pode ser simultâneo, o teu sentir com o clicar. Por isso a fotografia, para mim, é um exercício de paciência e contemplação. Eu sou um voyeur. Você desenvolve um xamanismo natural, e começa a ver e atrair mais. Costumo dizer que, na mata, perco 99% das fotos. Mas, para mim, quando consigo esse 1%, rejuvenesço. O meu olhar fotográfico não foi contaminado pelo dinheiro, pela ganância, pelo lucro, pelo mercantilismo. Faço poemas visuais. É resumir tudo, às vezes, em uma imagem. A verdadeira fotografia é síntese.

Quais os seus próximos projetos?

Tenho novos livros previstos para o ano que vem, começando com Araquém Alcântara 50 Anos de Fotografia, pela minha editora (TerraBrasil). O segundo será sobre queimadas e a seca. Outro livro será sobre a fauna brasileira, e ainda terá mais um com fotos e pequenas histórias de crianças brasileiras.

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Publicado em VEJA São Paulo de 18 de outubro de 2024, edição nº 2915

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