Os Santaners: a paixão pelos botecos, os comércios centenários e os moradores conservadores do centro da Zona Norte
Prédios de alto padrão, variedade de negócios e gerações da mesma família: Santana absorve outros bairros e segue crescendo
É meio-dia de um sábado na Rua Alferes Magalhães. Valter Francisco Ribeiro, 63, se senta em uma das cadeiras do Famoso Bar do Justo, típicas de um boteco, quando começa a apontar para o entorno: “ali, a barbearia, desde a década de 50. Na esquina, outro bar da mesma época. Santana é assim”. Com uma camisa azul abotoada até o meio do peito e a voz grossa do cigarro, ele trabalha ali desde 1969: é o terceiro dono do estabelecimento, aberto no mesmo local em 1946. “É um bairro muito religioso, família e conservador”, resume.
Morar há cinquenta anos ou mais no mesmo CEP, como é o caso de Valter, conhecer todos os vizinhos e estar antenado nas fofocas do bairro são até comuns por ali. Os santaners não dão um esbarrão sem devolver um animado “olá” em resposta e reconhecem quando o visitante é forasteiro. São 13 quilômetros quadrados que começam nas margens da Marginal Tietê e acabam na Avenida Engenheiro Caetano Álvares, a 4 quilômetros do Horto Florestal, no sopé da Serra da Cantareira. Para ser exato, 137 920 pessoas em 54 000 domicílios, de acordo com a consultoria Cognatis, pouco menor que São Caetano do Sul.
“A entrada da Zona Norte é a Ponte das Bandeiras. Passou, entrou no Anhembi, já está no território de Santana”, explica o padre José Roberto de Mattos, 51, da Basílica de Sant’Ana. O índice de desenvolvimento humano do pedaço fica na casa dos 0,847, de acordo com a consultoria Urbit. Maior do que a mais diversa Bela Vista, com 0,829 (quanto mais perto de 1, melhor). Em 2020, o valor do metro quadrado para lançamentos residenciais em Santana foi de 9 026 reais, segundo o Secovi-SP. Para comparação, em Pinheiros o valor era 16 336 reais e nos Jardins, 21 037.
Nascer, estudar, trabalhar, se aposentar e morrer no pedaço não é lenda: é quase regra. E a família, claro, é sagrada: as construtoras captaram o recado. O CEO da Sabel Incorporadora e da Labat Construtora, Abel Rocha, 56, explica que o que não pode faltar nos condomínios da região é uma área para as reuniões de família. “Precisa ter espaço de festa generoso”, explica. “Tem bairro que a gente coloca churrasqueira elétrica e a pessoa até prefere. Mas em Santana, eles gostam que seja carvão”, explica o diretor comercial da construtora Cyrela, Orlando Pereira.
“Meu pai nasceu em Santana. Ele precisou convencer a minha mãe a vir para cá, ela vivia em Pinheiros. Sorte que não precisei fazer isso com a minha esposa, porque ia ser um problema”, diz Pedro Vergueiro, 29, que mora no pedaço desde que nasceu. Ele e Thais, que residia no Piqueri, se mudaram para o apartamento próprio em 2018.
“Somos muito bairristas. É Zona Norte como um todo, mas o maior bairro é Santana”, explica Nanci Toledo, 45, publicitária que criou o Guia ZN, com mais de 43 000 seguidores no Instagram. Outros clichês santaners incluem uma aversão a precisar “atravessar o rio”, ir para o outro lado do Tietê (apesar de muitos fazerem isso todo dia para trabalhar). “A gente não sai daqui para nada. Não tem necessidade! Tem tudo”, explica Alessandra Carvalho, 50, que toca uma loja de itens de costura que funciona no bairro desde 1904, a Agulha de Ouro, na Rua Salete. A Rua Voluntários da Pátria serve como um bom resumo. A via corta Santana praticamente ao meio em seus quase 6 quilômetros de extensão, conta com uma grande variedade de comércios populares próximos ao metrô e, conforme vai subindo em direção à região mais alta, ganha academias, supermercados, hospitais e prédios residenciais de alto padrão.
10 790 reais por mês é a renda média mensal das famílias santaners. Maior que os vizinhos Casa Verde (6 591) e Mandaqui (7 071). Na capital paulista como um todo o valor é 6 631 reais
Dados da base de informações GEOpop, da Cognatis, consultoria de geomarketing e big data
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São em vias como essa que moram as famílias que vivem ali desde o começo do século passado. É o caso dos Almeida. Há quatro gerações todos estudam na mesma escola: o Salesiano, na Rua Dom Henrique Mourão. Tudo começou com João Bosco Almeida, 82, casado com Maria Candida, 84. Ele estudou na instituição e teve um filho, Antonio, 59, que conheceu a futura esposa ali: Denise, 60. Pedro, 31, é filho do casal e sua filha, Lígia, de pouco mais de 1 aninho, também vai estudar por lá. A história se repete em muitas outras famílias.
Santana acaba absorvendo outras “nacionalidades” da Zona Norte. “Quando eu morava no Lauzane Paulista, fui celebrar um casamento fora da região e me perguntaram de onde eu era. Falei Santana! E, mesmo assim, tinha gente que não conhecia”, diz o padre José. O fenômeno se repete com outros bairros: Imirim, Mandaqui, Água Fria. Se perguntar, moram em Santana, o centro da ZN. “Meu Deus, se você não conhece Santana, não conhece São Paulo!”
79% da população do bairro é branca; 11% são pardos; 5%, negros e 5%, orientais
Valéria Rottger, 58, veio para o bairro com 11 anos de idade, quando o irmão ingressou na Aeronáutica. No Aeroporto Campo de Marte, a Força Aérea mantém um hospital militar e um parque de manutenções de aeronaves. “Aos 22 anos me casei com um militar, que servia ali. E ficamos 21 anos juntos. Meu ex-marido é carioca, mas mora em Santana até hoje”, explica. O fenômeno é tanto no ar quanto em terra.
“É um bairro excepcional! Nós temos oficiais da reserva que vêm para cá e depois não querem sair”, diz o coronel do Exército Maurício Máximo de Andrade, 51. Ele é o comandante do Centro de Preparações de Oficiais da Reserva na Rua Alfredo Pujol, que recebe anualmente 175 jovens, que ali fazem um curso com duração de um ano para se especializar em áreas como infantaria e artilharia. Desde 2019 funciona no mesmo complexo o Colégio Militar de São Paulo, com 165 alunos.
Com a presença das Forças Armadas, é bem comum caminhar por Santana e cruzar com um ou outro fardado e também encontrar clubes de tiro espalhados pelo pedaço. Ao menos três deles funcionam na região. Apesar de não haver estimativas de quantos moradores militares há, a força dos quepes e coturnos também é refletida em outro aspecto bem característico: o conservadorismo.
Na Rua Doutor Guilherme Cristofel, por exemplo, os prédios exibem bandeiras do Brasil penduradas nas portarias dos edifícios: o presidente Jair Bolsonaro teve em Santana a sua segunda vitória mais expressiva na capital em 2018: 75,47% dos votos na zona eleitoral da região (perdendo apenas para Indianópolis, com 76,15%). A devoção a Bolsonaro foi, assim, bem retribuída: em um de seus primeiros atos como presidente, ele anunciou a construção de um novo colégio militar no Campo de Marte, com previsão de abertura para 2023, ao custo previsto de 139 milhões de reais. A promessa de um parque no local, assinada entre seu antecessor Michel Temer e o então prefeito João Doria, foi engavetada.
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Para quem está fora das convenções, o bairro decepciona. “Não tem muita opção voltada para o público LGBT”, relata Lillian Mendes, 29. Ela se mudou para a Rua Conselheiro Moreira de Barros com a esposa Carol Cairo, 27, que nasceu no bairro e trouxe Lillian para a região depois de um ano no centro. Juntas há seis anos, Lillian e Carol conheciam bem Santana antes da mudança. “Não é bairro para a gente ficar muito próxima (na rua), diz Carol. “Tem bares aqui tão conservadores que eu não me sinto confortável de ir”, relata Lillian.
Um movimento dos anos 70, que clamava pelo fim do comunismo, era contra o divórcio e a “pornografia” da televisão era encabeçado por mulheres do bairro: as senhoras de Santana. Décadas depois, elas ainda são lembradas e a expressão é piada no pedaço. “Virou chacota! Quando a pessoa fala demais, dizem: essa pertence às senhoras de Santana”, explica Valter Alves, 63, da centenária loja Agulha de Ouro.
“O pessoal é muito conservador até no quesito bar”, diz Pedro Fargetti, 34. Ele é um dos quatro sócios do Degrau Bar, de 2017, voltado para a coquetelaria. “A gente também teve de ser flexível, sem fugir da nossa meta, o drinque. Mas colocamos cerveja de 600 mililitros e porções que remetem a um boteco: coxinha, dado de tapioca. O importante (para quem mora em Santana) é o copo americano na mão”, resume.
O advogado Rogério Barbieri, 45 anos, faz um contraponto sobre o bairro. “Pela geografia, estamos mesmo isolados e entendemos que isso pode deixar o desenvolvimento da região mais lenta, com serviços que são mais resistentes a vir”, diz ele que estudou no Colégio Salesiano, onde conheceu a mulher, Cristiane. A filha do casal, Giovanna, de 23 anos e estudante de arquitetura, lembra que para ir às baladas, precisa sair da região. Ela diz não se incomodar tanto com isso. “Tem algumas festas por aqui de faculdade, mas considero a Zona Sul o lugar das baladas e aqui, a minha casa, onde eu descanso”, conta.
Já Barbieri afirma que a cada saída da moça é mais uma preocupação na cabeça. “Quando ela vai para a Vila Madalena, fico bem apreensivo. Ela tem de ir, se divertir, mas esse trajeto à noite eu fico sem dormir”, diz. “Por Santana ter esse aspecto de interior, tem pontos bons e ruins”, diz. “Aqui não tem uma galeria de arte”, observa também Pedro Fargetti.
588 076 reais é o valor médio de um apartamento no bairro. Mais barato que Pinheiros ( 1,06 milhão) e mais caro que Santa Cecília (534 120)
Novidade no pedaço é o restaurante italiano Lassù, na Rua Conselheiro Saraiva. Do alto do Edifício K1, no 28º andar, o espaço oferece uma rara vista panorâmica da capital e tem reservas esgotadas até abril. “40% do nosso público vem de outros bairros. A gente está tão feliz com o negócio que vamos fazer outro restaurante no prédio, inaugura em 2 meses”, diz Ricardo Trevisani, um dos sócios, também dono do Ristorantino, nos Jardins. A novidade será o Ristô Street Food, com investimento de 2 milhões de reais, com sanduíches, massas e pizzas em um espaço de 250 metros quadrados. Melhor ainda, dali não se vê a arquitetura pouco inspirada do próprio K1.
Ainda nos comes e bebes, em uma pegada completamente diferente, na Avenida Luiz Dumont Villares, senhores de cabeça branca e jovens entre 20 e 30 anos convivem em uma interessante mistura. Pagode ao vivo para os mais novos e samba de raiz aos sessentões. Na ruas do entorno, como na Lucas de Freitas Azevedo, as esquinas mostram uma harmonia rara: de um lado, o Loirão Bar, tocando um estrondoso hit do cantor Thiaguinho, cheio de rapazes que não se furtam de cantar a melodia enquanto olham maliciosamente para alguma moça que passa ao lado. Do outro, o restaurante Fulô Cozinha Regional, de comida brasileira, abrigando dezenas de famílias em jantares animados.
E não dá para falar do bairro sem mencionar o Bar do Luiz Fernandes, “boteco raiz desde 1970”, como a própria casa diz. “É bacana ir no bar que meu pai frequentava quando jovem”, diz Pedro Vergueiro. A paixão santaner, no entanto, já fugiu dos olhos de Luiz Eduardo Fernandes, 55, à frente do bar. Apesar da imensa maioria dos admiradores do estabelecimento cravarem que o empreendimento fica em Santana, ele se esquiva. “A gente levanta a bandeira Mandaqui. Santana morreu, perdeu a identidade. É muito mais louvável falar que você mora em um bairro em que todo mundo conhece todo mundo, não aquele megacomércio, virou um Brás”, diz Luiz Eduardo.
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Talvez a crítica seja mais destinada à região conhecida como centro de Santana. Próximo do metrô que leva o nome do bairro e do Parque da Juventude, a área lembra uma 25 de Março, com dezenas de lojas de comércio popular. Outra marca dali é a presença de moradores de rua, principalmente embaixo do viaduto da Avenida Cruzeiro do Sul (sim, Santana não é tão diferente do resto da capital). “Em média mais de 500 moradores de rua tomam café aqui todo dia. Na pandemia, o número chegou a 800 e houve dia em que foi preciso partir o pão ao meio. Não sabia o que fazer para dar de comer para esse povo todo”, diz o padre José Roberto de Mattos. Ele conta que o café é servido às 8h para evitar atritos com os comerciantes, que abrem as lojas às 9h. José Roberto relata ainda que pouco vê a atuação do poder público.
Em nota, a prefeitura afirmou que realizou 1 117 encaminhamentos para centros de acolhida na região da Cruzeiro do Sul em janeiro deste ano. Ainda de acordo com a gestão, 1 034 pessoas estão em situação de rua na área da subprefeitura de Santana/Tucuruvi.
“O prefeito precisa cuidar um pouquinho mais da Zona Norte. Não olhar só para a (Avenida) Braz Leme, mas também para a Voluntários da Pátria”, diz o padre. A diferença é um fato. “Tivemos dois movimentos importantes na região da Braz Leme. Um nas décadas de 80 e 90, quando vários prédios foram executados. E outro por volta de 2010”, conta o arquiteto Abel Rocha. A região virou lar de empreendimentos de alto padrão nos últimos anos: em 2012 foi entregue o The Point, com 61 apartamentos de 297 a 472 metros quadrados. Outro lançamento fica na Rua Soror Angélica, o Village de France (sic), para 2023, com 103 unidades que variam entre 22 e 135 m²: um apartamento de 80 m² custa cerca de 1,1 milhão. O kitsch do nome do prédio, infelizmente, se estende à arquitetura.
“A Braz Leme tem canteiro central e conta com muitos empreendimentos, tem também um shopping novo vindo por aí”, diz Reinaldo Kalil, da construtora Lopes-Kalil. O Brás Leme Mall, da Pelosi Empreendimentos, terá 6 000 m⇢ de área locável para lojas e deve ser inaugurado ainda no primeiro semestre. Mas, para a região decolar, falta um grande entrave: a geração de empregos. Mesmo com o bairrismo, uma grande parte dos santaners precisa atravessar o rio diariamente. A verticalização residencial não foi acompanhada pelo surgimento de centros empresariais (um problema similar ao vivido no Jardim Anália Franco). Vários serviços e entretenimento ainda estão ao sul da Marginal.
O zoneamento atual, de 2016, determina um gabarito (a altura máxima de um prédio) de no máximo nove andares em boa parte do entorno do Campo de Marte, mais restritivo que os cerca de catorze andares permitidos pela Aeronáutica. O metro quadrado ficou caro e a densidade é baixa mesmo ao redor dos parques da região e do metrô (Santana tem menos da metade da população de Perdizes por quilômetro quadrado). Segundo o Secovi, apenas 3 000 apês foram entregues no bairro entre 2014 e 2020.
Embora não tenha o ar mais puro da cidade, como alguns moradores gostam de clamar, pela proximidade com a Serra da Cantareira (sofre com a poluição em proporções iguais ao resto da cidade, de acordo com a Cetesb), o orgulho da Zona Norte tem, sim, um clima diferente.
O Aeroclube de São Paulo, no Campo de Marte, é o destino para quem quer se tornar piloto de avião. “80% dos alunos querem ingressar na aviação profissional, outros 20% estão ali por hobby”, explica Fernando Barros, 46, diretor da instituição. Não é uma brincadeira barata: cada hora de voo custa ao menos 400 reais e para se tornar piloto comercial, apto a atuar em companhias áreas, é preciso acumular ao menos 150 horas de pilotagem. Com a pandemia, a instituição perdeu cerca de 50% dos alunos e conta com 150 matriculados. Barros é um dos que ingressaram nos ares por hobby: durante a semana, pega o metrô rumo à Paulista, onde é advogado. Aos finais de semana cuida da gestão do Aeroclube e também passeia pelo céu em uma das 15 aeronaves da instituição. “Isso aqui faz parte da história de Santana!”, explica ele, que mora no bairro desde que nasceu. Um programa diferente no bairro é um passeio de avião pela cidade: custa 380 reais, basta agendar com a secretaria.
O Colégio Imperatriz Leopoldina foi construído para atender parte da colônia alemã que havia se instalado na Zona Norte da capital, em 1923. “Antes, para estudar, tinha de ir para o centro, no Porto Seguro, que era o único alemão”, conta Elvira Beck, de 85 anos. Nascida e criada em Santana, ela estudou na escola na década de 40. “Eu me lembro que, na época da Segunda Guerra, não podíamos falar a língua na frente da escola, com medo de que batessem na gente.” Conheceu o marido, João Ricardo Beck, por causa do CIL (apelido que os alunos deram à instituição), quando ele, morador da Zona Sul, fez um passeio por lá para divulgar os trabalhos do grêmio estudantil da comunidade. Beck, o patriarca, se tornou diretor da mantenedora do colégio nos anos 60 e foi o principal responsável pela expansão do espaço — de noventa alunos passou a 1 200. A filha Elvira, 55 anos, foi uma das primeiras alunas a entrar no colegial recém-formado (hoje ensino médio) e a linhagem se manteve. Ellen, a neta, ingressou nos anos 80 e agora, são seus filhos, Erick, de 7 anos, e Vivian, de 4, que correm pelos corredores. Segundo elas, a comunidade da área sempre ajudou muito na manutenção e desenvolvimento da instituição. “São sempre festas bem animadas. Tempos atrás, tinha até chope para os pais. Hoje já não podemos mais.”
Foi na escola que a estudante de moda Isabela Caritás, 21 anos, na foto abaixo, começou sua empreitada nos negócios. Quando tinha 14, decidiu revender roupas de marcas para as amigas do colégio Salesiano. “Antes, eu ia à Rua 25 de Março, comprava muitas coisas e oferecia para as meninas de Santana porque sabia que elas não iriam para lá”, conta. Primeiro ocupou um armário do quarto. Depois, optou por fazer uma confecção com as suas próprias criações e as peças passaram a dominar mais de uma área da casa. Logo, veio a decisão de abrir um estoque que também virou seu showroom. “As meninas queriam vir aqui experimentar, não adiantava ter só as vendas pela internet.”
Segundo ela, 70% das clientes, em sua maioria com idades entre 14 e 25 anos, que marcam horário para visitá-la são do bairro. Para Isabela, quem é “Santana raiz” prefere consumir pela Zona Norte e arregala os olhos se tiver de atravessar a ponte. “Eu pretendo abrir showroom nos Jardins, mas não deixo aqui por nada. Eu comecei por causa dessas meninas.” O empresário Guilherme Falconi, 24 anos, também não pensa em montar sua hamburgueria, a Vegas Burger Beer, em outro local. Só se for uma nova unidade. Da Freguesia do Ó, o rapaz ouviu dos tios, moradores de Santana, que haveria um público para ele. “Fui várias vezes aos Estados Unidos e queria trazer um ambiente inspirado no interior do Tennessee”, conta. Há quatro anos à frente do empreendimento, além dos sanduíches, ele atraiu a turma fiel ao restaurante pelas lembranças. Instalou máquina de pinball e jukebox. Uma dificuldade para ele é a inovação, principalmente no cardápio. “São clientes que prezam pela tradição. Às vezes eu quero mudar um ingrediente, que não vai alterar o hambúrguer, mas que fica mais bonito em uma foto de Instagram, e não posso porque vão reclamar”, diverte-se. “Foi assim quando eu tirei a maionese branca das mesas, porque estava sendo muito desperdiçada.”
O Campo de Marte foi fundado em 1929, e a prefeitura disputa na Justiça desde 1958 sua devolução, tomado em 1932 na ditadura Vargas. Cerca de metade do complexo é de administração do Comando da Aeronáutica e a outra parte, da Infraero: são 2,1 milhões de metros quadrados. Na área da Infraero, onde estão empresas de aviação executiva, podem pousar e levantar voo helicópteros de pequeno porte e jatinhos (o maior modelo autorizado é uma avião de 22 metros de envergadura. Um Airbus A380, fartamente usado pelas companhias aéreas, tem 79 metros). Segundo o órgão federal, apenas 75 153 passageiros circularam por ali em 2020, cerca de 206 por dia, e 96 735 em 2019, média de 265 por dia, um público irrisório mesmo pré-pandemia. O espaço conta com 23 hangares para locação, sendo que dois estão vazios. A média de aluguel de um espaço do tipo é na faixa dos 50 000 reais por mês. Há três anos, o então prefeito João Doria assinou um acordo com o ex-presidente Michel Temer para que um quinto do terreno, ou seja, 400 000 metros quadrados, fosse transformado em parque. O acerto não foi adiante no governo Bolsonaro.
A partir da década de 1920, os armênios começaram a construir sua comunidade pela capital, depois de fugir do genocídio provocado pelos vizinhos turcos. “No início, se instalaram perto do Mercado Municipal e no Imirim, onde tinha a única igreja para os colonos na época”, conta o editor do portal Estação Armênia, Armen Pamboukdjian. Segundo ele, a comunidade se desenvolveu por ali e aqueles com melhores condições financeiras se espalharam por Santana, em regiões como Alto de Santana e Santa Terezinha. “Eles queriam continuar por perto, mas em uma área mais nobre.” Na Zona Norte como um todo, organizaram uma “pequena Armênia”, com escolas, confecção de sapatos, tradição antiga dos armênios que se manteve por aqui, e gastronomia. Yeran Habibian, de 55 anos, morava na Síria, para onde sua família se mudou com a diáspora. Conheceu seu marido, Hagop, e se casou em quinze dias. Duas semanas depois, estava em Santana. Já são 35 anos no bairro. “Não sabia nada daqui. Mas quando cheguei a comunidade inteira me ajudou, até para aprender a língua”, diz. “Aqui, todos são considerados primos. Tem ‘ian’ no nome é armênio.” Foi com essa família que iniciou na gastronomia. “Comecei atendendo amigos em casa e esses foram chamando outros e mais outros. Quando me dei conta, tinha 50 pessoas na minha sala”, diz. O espaço, Yeran Culinária Armênia, veio em seguida. “Os clientes são fieis, a gente senta para conversar, faz festa. Todo mundo se conhece e é uma delícia.”
Inaugurada em 1904 a loja de aviamentos Agulha de Ouro é o estabe- lecimento mais antigo em atividade no bairro. Há 15 anos na Rua Salete, funcionou durante um século na Voluntários da Pátria. A arquiteta Alessandra Carvalho, 50, na foto, toca o endereço, que é da família do marido, Valter Alves, 63. A esposa é quem tomou as rédeas do endereço, já que Valter enfrenta problemas de saúde. Engenheiro agrônomo, ele começou a se dedicar exclusivamente ao comércio há 18 anos, quando sua mãe se aposentou do negócio da família. “Eu falei: não pode acabar, tem de continuar”, lembra. “Meu público é todo idoso. Elas vão para bater-papo”, diz Alessandra. “É gente que chega e fala que fez ali o enxoval da neta, bisneta. Tudo com coisas compradas na Agulha de Ouro”, se orgulha a arquiteta.
1- Avenida Engenheiro Caetano Álvares
A área é a mais desvalorizada, com o valor do metro quadrado de 7 024 reais. “Muda completamente de perfil, é como se tivesse uma barreira invisível.” De acordo com Constantino, o baixo número de edificações e o trecho pouco plano são fatores que reduzem o preço do terreno.
2- Rua Pedro Doll
De um modo geral, é a área que abriga prédios de alto padrão. “Estas localidades têm um mercado bastante pungente no bairro”, diz Constantino. Há colégios de qualidade e tradicionais, serviços como academias, restaurantes e mercados, e hospitais.
3- Rua Alfredo Pujol
Segundo Constantino, a diferença aqui em relação à Marginal Tietê é o perfil da área, com maior concentração do comércio local popular. “Não é ruim. Por se tratar de um bairro bastante residencial, esses trechos costumam ter os estabelecimentos de serviços e os moradores preferem morar ao redor desses espaços.
4- Marginal Tietê
Alguns elementos contribuem para o valor mais baixo da área, como a poluição e o trânsito, além de construções degradadas, muitos estacionamentos e o comércio bem popular. “Se a área tivesse prédios, o cenário poderia mudar”, diz Constantino.
5- Estação Carandiru
A mobilidade é um atributo importante e faz a área ter o valor mais alto, de 9 014 reais. “Estar perto do metrô, com uma grande área comercial e muito acesso, é o que faz ser um trecho concorrido”, explica Edivaldo Constantino, economista do DataZap. Outra característica que influencia é a proximidade com o Parque da Juventude.
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Publicado em VEJA São Paulo de 17 de fevereiro de 2021, edição nº 2725