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Sobrecarregados pelo confinamento de milhões de paulistanos, síndicos recebem atribuições extras e lidam com diferentes conflitos

Aumentam as divergências com gestores e funcionários, que relatam casos de agressão e reclamam de omissão do poder público

Por Sérgio Quintella Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 27 Maio 2024, 20h23 - Publicado em 16 abr 2021, 01h15
Os dois homens, de roupas casuais. A foto é vista de baixo para cima. Os dois estão de pé em cima de um banco de concreto, com um prédio ao fundo
Fogaça (à frente) e o subsíndico Ignácio Aronovich: vizinho surtou (Alexandre Battibugli/Veja SP)
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De brigas de vizinhos a agressões domésticas, passando por desrespeitos pessoais, surtos e descumprimento de regras de convivência e sanitária, sem falar nas crianças “despachadas” para as áreas comuns por pais em home office eterno, os mais de 21 000 condomínios da metrópole, que abrigam mais de 4,4 milhões de pessoas, estão deixando os síndicos e demais funcionários exauridos como não se via no início da pandemia (qualquer coisa é “chama o síndico!”).

Juntos, eles controlam a vida de uma população maior que a das cidades de Guarulhos, Campinas, São Bernardo do Campo, São José dos Campos e Santo André juntas. “Com a pandemia, os moradores ficaram mais críticos e chatos. Muitos nunca pararam para olhar onde vivem e de um dia para outro querem reformas urgentes de jardins e elevadores”, afirma o advogado Marcio Rachkorsky, síndico profissional de cerca de 200 condomínios, com 100 000 pessoas vivendo neles. “Elas veem papel no chão e, em vez de recolher, tiram foto e me mandam. Até foto de cocô de cachorro eu já recebi. Estamos muito mais sobrecarregados.”

Rachkorsky, de roupa social e em pé, em frente da portaria de um prédio.
Rachkorsky e seus 100 000 moradores: foto de cocô de cachorro (Alexandre Battibugli/Veja SP)

Se fossem só as reclamações e discussões de convivência extras, os síndicos, habituados a mediar conflitos, absorveriam o aumento da demanda. “Mas de repente viramos referência para tudo. Os decretos municipais nunca foram claros quanto ao que pode e ao que não pode nos condomínios durante a pandemia, e o abacaxi caiu na nossa mão”, afirma a síndica profissional Ligia Ramos Volpi, 56, com vinte condomínios (“vinte problemas”) para administrar. “Quando ele fecha as áreas úteis, como piscina e academia, é ditador, tirano e está privando os moradores do direito à liberdade. Quando abre, é um irresponsável. Fui chamada de genocida, acredita? No WhatsApp as pessoas são valentonas e muitas estão fora do normal. Já tive de bloquear morador que mandou áudio agressivo. A pessoa nessas condições vira uma bomba-relógio.”

Atualmente, uma das preocupações de Ligia é com reclamações contra uma moradora de um dos prédios que foi flagrada por vizinhos e câmeras de segurança na academia vestindo trajes tão íntimos quanto ínfimos. De top e calcinha, ela também não usava máscara. O caso foi parar na polícia.

Ligia, em um corredor arborizado em um dos condomínio. Ela está de pé e há palmeiras em volta.
Ligia, em um dos vinte condomínios problema: nudez na academia (Alexandre Battibugli/Veja SP)

As queixas dos síndicos, profissionais ou não, são refletidas em uma pesquisa feita pela Lello Condomínios, que administra 2 000 prédios na cidade. Dos 296 gestores entrevistados, 47% acham que falta compreensão dos moradores sobre as decisões tomadas. Para 40% deles, a (falta de) orientação dada pelos governos aos condomínios deixou a desejar. Conflito de vizinhos e fechamento de áreas comuns também aparecem no levantamento.

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Gráfico com o título de
Fonte: Lello Condomínios. Entrevista feita com 296 síndicos entre os dias 5 e 12 de abril de 2021. (Arte/Veja SP)

 

Gráfico com o título:
Fonte: Lello Condomínios. Entrevista feita com 296 síndicos entre os dias 5 e 12 de abril de 2021. (Arte/Veja SP)

 

Síndico de um dos mais emblemáticos edifícios da Avenida Paulista, o chef Henrique Fogaça está acostumado a confusões e barracos desde antes de tomar posse como administrador do Baronesa de Arary. Na eleição que o conduziu ao cargo, em 2019, houve quebra-pau e a polícia chegou a ser chamada. Finda a balbúrdia e iniciado um processo de reestruturação do condomínio, que chegou a ser interditado pela prefeitura nos anos 90 por falta de segurança, vieram a pandemia, as pessoas dentro de casa por muito mais tempo e outros problemas para ele e o subsíndico resolverem.

Sem áreas comuns, tão comuns de gerar conflitos, as queixas ali foram reduzidas às 540 unidades, mas algumas extrapolaram os limites da porta para dentro. “Um morador surtou e saiu gritando, arrancou câmeras, deu marteladas nas paredes e ameaçou os funcionários”, diz Fogaça. “É um cara que sempre dá problema, mora em um apartamento sem documentação e não paga condomínio, mas antes da pandemia ele até que estava bem. Seus transtornos foram potencializados com a quarentena.”

A mais de 30 quilômetros dali, o síndico de um condomínio com sessenta apartamentos em Cidade Tiradentes tem nas mais de trinta crianças do pedaço seu maior motivo para arrancar os cabelos. “Não temos parquinho e estamos com algumas obras no térreo. Eu separei uma parte do nosso prédio para elas brincarem e pedi aos pais que não as deixassem nos corredores e outras áreas, mas ninguém respeita”, desabafa o administrador de empresas Rodrigo Cassimiro dos Santos, 41, conhecido entre a molecada como o “proibidão”.

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Santos conta com a ajuda de uma funcionária, que faz as vezes de bedel, mas a turma também não dá muita bola para a moça. “E, quando ela vai embora, é aí que o negócio pega fogo”, relata o síndico, que já ouviu desaforos de pais e mães ao pedir para a molecada maneirar na bagunça. “Já vieram para cima de mim quando souberam que chamei a atenção de um de seus filhos.” A situação melhorou com a volta às aulas, a partir da segunda passada (12).

Rodrigo olhando para câmera, que está observando de baixo. Ele está sentado em um banco de madeira.
Rodrigo dos Santos, em Cidade Tiradentes: o “proibidão” (Alexandre Battibugli/Veja SP)

Situações piores sofreu o zelador Winder Pereira Santos, 43, que trabalha há cinco anos em um condomínio com três torres na Vila Leopoldina. Depois de uma reclamação de barulho, uma moradora foi ao seu escritório tirar satisfações. “Ela chegou e começou a bater na mesa. Eu pedi a ela para se acalmar, mas foi em vão. Saí da sala e a mulher veio atrás. Depois disse que eu a agredi. Mas ainda bem que temos câmeras que comprovaram que não fiz nada”, relata.

A situação fez com que Santos pedisse demissão, mas o síndico o fez mudar de ideia. “Já fui alvo de preconceito inúmeras vezes. As pessoas perguntam como eu chego até lá, se eu pego ônibus cheio e se posso levar o coronavírus para lá. Falo que vou de moto e me cuido, mas mesmo assim me olham torto. Muitos também me culpam pelo fechamento de áreas sociais, como piscina e salões.”

A proibição da utilização de locais de uso comum, muitas vezes alvo de discórdia, foi a solução encontrada pelo síndico Vagner Moreiras do Nascimento, 37, de São Bernardo do Campo, para conter um dos campeões de reclamações: obras em unidades cujos vizinhos estão trabalhando de casa. “Transformamos nossos três salões de festas em coworking. Sempre que alguém interfona reclamando dos barulhos, falamos para ela pegar uma das chaves e ir trabalhar nos espaços. Instalamos internet e resolvemos boa parte dos nossos problemas.”

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A outra é em relação a casos de violência doméstica. Foram seis no último ano, contra nenhum em períodos anteriores. “Chegamos a chamar a polícia em três ocasiões.”

Vagner sentando em uma cadeira, com o braço apoiado numa mesa e há também um notebook desligado.
Vagner do Nascimento, em São Bernardo: das viaturas à solução em coworking improvisado (Alexandre Battibugli/Veja SP)

Além da polícia, há situações em que outras autoridades podem entrar nos condomínios, a despeito da falta de regulamentação específica para os espaços. Desde março do ano passado, a Vigilância Sanitária estadual autuou 280 condomínios da cidade por descumprimento de normas sanitárias, como falta de distanciamento social nas áreas comuns.

“Encontramos centenas de piscinas lotadas e pessoas sem máscara”, diz Cristina Megid, diretora do Centro de Vigilância Sanitária do estado.

Apesar de tantos problemas e transtornos causados pelo confinamento de parte significativa da população, a quarentena trouxe aspectos positivos para os prédios da cidade. “Conseguimos realizar mais de 4 000 assembleias virtuais, com mais de 150 000 pessoas. Antes da pandemia, a média de participação ficava sempre abaixo de 30% e agora mais do que dobramos as presenças”, diz Angélica Arbex, diretora de marketing e inovação da Lello e responsável pelo desenvolvimento do novo sistema.

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Outro ponto positivo foi a união dos condôminos para causas sociais e de auxílio mútuo. Hoje, muitos dos grupos de WhatsApp deixaram de concentrar fofocas e discussões políticas para fomentar negócios internos. Uma evolução e tanto.

 

Proibido x Permitido

O advogado Marcio Rachkorsky diz o que pode e o que não pode durante a pandemia

Posso fazer qualquer barulho entre 8h e 22h?

Com certeza, não. Após as 22h, o silêncio tem de ser absoluto, mas até esse horário você não pode escutar som no último volume, por exemplo. O barulho até as 22h é mais corriqueiro, tolerável, não um liberou geral.

Estou em home office, e o vizinho de cima está com reforma. Posso reclamar do barulho?

Se o barulho for dentro do horário permitido (cada prédio tem suas normas), a palavra não é reclamar. Você pode entrar em contato com o vizinho e pedir para ele maneirar.

O síndico pode proibir a entrada de visitantes e prestadores de serviço?

De forma deliberada, não. Agora, se ele ou a portaria perceber que está chegando um grande número de visitantes para uma festa, neste momento da pandemia, pode acionar a polícia.

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A piscina do meu prédio reabriu. Eu e minha família temos de tomar sol de máscara?

Pode tomar sem máscara, mas não pode aglomerar com os demais e precisa respeitar o distanciamento.

Preciso fazer exercícios físicos por recomendação médica. Um professor pode me acompanhar na academia do prédio, seguindo regras e com prazo estabelecido?

Na fase emergencial, alguns prédios permitiram academia aberta, mas sem personal. Na fase atual, a vermelha, a recomendação é reabrir com reserva de horário e limitação do número de pessoas. Quem precisa pode pedir para liberar personal, mas tomando todos os cuidados.

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Publicado em VEJA São Paulo de 21 de abril de 2021, edição nº 2734

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