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Justiça decide que Círculo Militar deve deixar terreno da prefeitura

Segundo o juiz, agremiação não cumpriu as contrapartidas sociais em troca do uso do espaço, que ocupa desde 1957. Situação se repete com outros clubes

Por Hyndara Freitas
Atualizado em 27 Maio 2024, 21h43 - Publicado em 29 jul 2022, 06h00
Vista aérea do Parque Ibirapuera
 (Mario Rodrigues/Veja SP)
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A Justiça determinou que o Clube Círculo Militar deve sair do imóvel que ocupa em frente ao Parque Ibirapuera, uma das áreas nobres da capital, em até noventa dias. A decisão foi motivada por problemas na concessão do terreno pela prefeitura ao clube, que está no local desde 1957. Segundo o juiz, o clube não cumpriu adequadamente as contrapartidas devidas em troca do uso do terreno, como o desenvolvimento de ações sociais, e por isso terá de pagar uma indenização milionária aos cofres públicos.

O Círculo Militar vai recorrer. A ocupação de clubes privados em terras públicas, porém, não é exclusividade da agremiação militar e é prática corriqueira na capital — ocorre há décadas, já foi alvo de Comissão Parlamentar de Inquérito na Câmara Municipal e de ações judiciais, com decisões diferentes. Geralmente, os terrenos são cedidos em troca de contrapartidas sociais, como a liberação das dependências para eventos de escolas municipais e para pessoas de baixa renda.

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Outros exemplos de clubes cujo terreno é cedido pela prefeitura são o Ipê Clube, na Vila Clementino (Zona Sul), o Clube Esperia, em Santana (Norte), e o Clube do Corinthians no Parque São Jorge, no Tatuapé (Leste). São concessões que vêm de décadas, renovadas ao longo do tempo, com base em legislações que também mudaram diversas vezes, mas sempre permitiram o empréstimo de imóveis públicos em troca de contrapartidas sociais — sem necessidade de pagamento de aluguel nem de impostos.

Para o arquiteto e urbanista Nabil Bonduki, as compensações são “apenas formais” e “na verdade há um uso privado de terreno público”, pois quem tem acesso aos clubes são geralmente pessoas de alta renda. “A prefeitura deixa de arrecadar e a gente fica com carência de parques e carência de espaços públicos”, destaca. Quando era vereador, Bonduki compôs a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Áreas Públicas na Câmara Municipal, de 2001, que investigou a cessão de imóveis municipais a entidades privadas. Na ocasião, chegou-se à conclusão de que as contrapartidas dadas por diversos empreendimentos não eram suficientes e foi solicitado que o Executivo fizesse ajustes.

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De lá para cá, houve algumas mudanças, sendo o maior exemplo o Clube de Regatas Tietê, o mais antigo da cidade, que teve de desocupar o terreno emprestado pela prefeitura em 2009, após passar 105 anos no local. Em 2014, foi inaugurado em seu lugar o Centro Esportivo Tietê, administrado pela municipalidade e aberto ao público.

Já o caso do Círculo Militar chegou à Justiça por meio de uma ação civil pública do Ministério Público de São Paulo, ajuizada em 2019, que argumentou que o uso da área de 31 000 metros quadrados entre a Rua Abílio Soares e a Rua Curitiba não respeita o interesse público, que as contrapartidas sociais não são suficientes e que a cidade deixou de arrecadar mais de 11 milhões de reais por ano pela não cobrança de aluguel e de IPTU. O MP ainda ressaltou que, em 2012, o então prefeito Gilberto Kassab havia autorizado a utilização do terreno pela agremiação por tempo indeterminado.

O processo foi julgado procedente pelo juiz Kenichi Koyama em 15 de junho deste ano, que considerou “evidente desvio de finalidade” na cessão do terreno, feita “em benefício de entidade privada e de pequeno contingente de pessoas, associados, militares e crianças estudantes vizinhas, com contrapartidas desconformes e desproporcionais ao valor do patrimônio recebido”. O clube conta com 18 000 sócios, entre militares e civis.

Segundo a decisão, o Círculo Militar ainda deverá indenizar os cofres públicos em 1 milhão de reais por mês, até desocupar o local. No processo, a associação alegou que, em 1957, quando se instalou ali, a região do Ibirapuera era “pouco valorizada, desabitada e inóspita”, que o clube “foi fato gerador para o progresso” da área e que atinge sua função social pois “há anos desenvolve projetos a fim de ajudar a população mais carente, propiciando educação e lazer a ela”.

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Em nota, a instituição ponderou que a decisão ainda é passível de recurso. “Apesar do respeito que mereçam o Ministério Público Bandeirante, autor da ação, e o culto magistrado sentenciante, o clube se reserva o direito constitucional à revisão da sentença. O Círculo Militar valoriza as instituições que compõem nossa democracia e acatará qualquer que seja a decisão, quando definitivamente estabelecida”, acrescentou.

Não muito longe do Círculo Militar fica o Ipê Clube, que ocupa um terreno cedido pela gestão municipal desde 1974. A concessão venceu em dezembro de 2020, e desde 2017 o clube tenta renovar o empréstimo da área por mais noventa anos. Ainda não houve decisão e um processo administrativo tramita na prefeitura. Em junho deste ano, foi publicada a Lei 17.813, que beneficia esse tipo de transferência de uso de terrenos públicos — algo de que o Ipê Clube lança mão para tentar seguir no local regularmente. A recente legislação prevê que as permissões de uso de áreas que pertençam à administração pública deverão ser feitas mediante o pagamento de aluguel, mas excetua dessa regra “agremiações carnavalescas, centros desportivos comunitários, clubes desportivos e sociais ou entidades que prestem relevantes serviços sociais e culturais”.

O Clube Esperia também foi alvo de ação do Ministério Público em 2003. Mas foi somente em 2016 que um juiz determinou a ilegalidade das concessões e que o clube deixasse o imóvel às margens da Marginal Tietê. O Esperia recorreu e, em 2019, o Tribunal de Justiça lhe deu ganho de causa, entendendo que “a instituição privada sempre desenvolveu atividades desportivas a formar atletas participantes de competições nacionais e internacionais e ações de assistência social”, além de fazer obras de melhorias no entorno. O MP recorreu ao Superior Tribunal de Justiça, sem sucesso, e o processo foi finalizado.

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Fim diferente teve uma ação que questionou o uso de terreno público pelo Clube Alto dos Pinheiros, na Zona Oeste. Em 2008, o Tribunal de Justiça considerou ilegal a permissão dada pelo município para o estabelecimento usar uma área de 2 730 metros quadrados na Rua Guerra Junqueiro e determinou a desapropriação. Depois da decisão, a prefeitura fez um novo acordo com o clube e o então prefeito João Doria, em 2017, assinou decreto permitindo a utilização do imóvel pela agremiação, mas mediante o pagamento de 31 000 reais por mês. O decreto segue vigente.

A Secretaria Municipal de Gestão informou, em nota, que as concessões seguem a Lei Orgânica do Município de São Paulo e a Lei 14.652/07 e que dependem “da existência de interesse público, a ser aferido através de processo administrativo”. Em relação ao processo envolvendo o Círculo Militar, a Procuradoria-Geral do Município disse que opôs “recurso de embargos à sentença, para esclarecimento de algumas questões” e “após a decisão dos embargos serão verificadas quais as medidas cabíveis diante da sentença”.

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Publicado em VEJA São Paulo de 3 de agosto de 2022, edição nº 2800

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