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Cidade Matarazzo começa série de inaugurações com hotel seis-estrelas

Projeto instalado numa maternidade tombada e com investimento de R$ 2,7 bilhões tem à frente o empresário francês Alexandre Allard

Por Humberto Abdo
Atualizado em 27 Maio 2024, 19h01 - Publicado em 17 dez 2021, 06h00
Alexandre Allard em frente a um prédio restaurado do Complexo Matarazzo. Ele está num terraço e dá para ver um pedaço do céu
O empresário em frente ao prédio remodelado e à torre desenhada por Jean Nouvel: conclusão de todas as obras em 2023 (Leo Martins/Veja SP)
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Pular o muro de quase 2 metros foi o primeiro passo de Alexandre Allard para conceber o novo Cidade Matarazzo. Após três anos de procura, um terreno próximo à Avenida Paulista foi descoberto pela equipe do empresário francês, que veio às pressas a São Paulo para conferir com os próprios olhos (e pernas) o espaço, que se encontrava fechado. Estava diante dele uma área arborizada de 27 419 metros quadrados onde funcionou o antigo e tombado Hospital Umberto I, desativado desde 1993.

Fachada da maternidade que abriga novo hotel. Há plantas na frente
Oliveiras do Uruguai na entrada da maternidade onde está instalada a rede Rosewood: obra do visionário Allard (Gabriel Matarazzo/@gabbavisuals/Divulgação)

Com investimento estimado de 2,7 bilhões de reais, em sociedade com a empresa familiar chinesa CTF, Allard está transformando o lugar num complexo de hospedagem, gastronomia, lojas e centro cultural, que dá início a uma série de inaugurações realizadas em etapas até 2023. A estreante entre elas é a primeira unidade brasileira da rede seis-estrelas Rosewood São Paulo, na qual podem ser frequentados dois bares, o Le Jardin e o Rabo di Galo, que atendem o público desde a última quarta (15). As 46 suítes instaladas na antiga Maternidade Condessa Filomena Matarazzo, porém, passam a receber hóspedes somente a partir de 10 de janeiro.

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Alexandre Allard está sentado e posando em o que parece ser uma biblioteca
Visionário Alexandre Allard (Leo Martins/Veja SP)

O conjunto hoteleiro não acaba aí. Estende-se pela Torre Mata Atlântica, assinada pelo francês Jean Nouvel, ganhador do Prêmio Pritzker, o “Nobel” da arquitetura. Localizada bem atrás da antiga maternidade, deve abrir as portas em março do ano que vem, assim como o centro de eventos e mais três espaços gastronômicos. Para maio, está previsto o edifício corporativo Ayahuasca, e um cinema subterrâneo será finalizado no segundo semestre. Para completar, a renovação no antigo Umberto I vai ficar para o início de 2023, com uma vila comercial com mais de 300 marcas e a Casa Bradesco da Criatividade, que terá exposições e um teatro com capacidade para 565 pessoas. Haverá ainda um mercado de orgânicos.

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Foto aérea mostra um edifício que tem seus andares todos arborizados e com muitas plantas. Dá para ver outras dezenas de prédios ao fundo, além do céu
A arborizada Torre Mata Atlântica: cobertura com quatro andares e piscina de borda infinita (Gabriel Matarazzo/@gabbavisuals/Divulgação)

Foi preciso cavar fundo para conseguir tirar os planos do papel. Com os edifícios protegidos como patrimônio histórico, a solução encontrada por Allard para ganhar espaço foi perfurar o subsolo — hoje com oito andares e 86 metros de profundidade — e erguer o prédio de escritórios e a torre do hotel, que inclui residências, ao mesmo tempo que restaurava a propriedade histórica. Após o fechamento recente do quase vizinho Maksoud Plaza, o público dos pousos de luxo da capital logo poderá migrar para a Rua Itapeva, onde uma pista interna de carros dá acesso ao lobby, sem nem sequer precisar pisar na rua — comodidade que talvez sirva como medida de segurança, pois minutos antes de chegar a pé para a entrevista no último dia 8, Allard havia tido seu celular roubado na mesma via enquanto a reportagem de VEJA SÃO PAULO o aguardava. “Ganhei esse bom-dia de presente, mas ficou tudo bem.”

O aumento de casos de violência como esse na cidade não inibe os planos megalomaníacos de expansão do empresário, que obteve a concessão privada de dois parques na Avenida Paulista, o Trianon e o Mario Covas, respectivamente a 600 e 300 metros do Cidade Matarazzo — a promessa é de revitalizar aquele trecho da cidade. Como parte desse domínio, ainda estava previsto um túnel de 100 metros de extensão que passaria por baixo da Rua São Carlos do Pinhal e criaria assim um calçadão numa das laterais do complexo, mas a proposta foi barrada pela Justiça após processo aberto por duas associações de moradores. Desde então, um novo formato começou a ser pensado para promover intervenções urbanas no trecho e acolher melhor os pedestres.

Se depender de Allard, as áreas abertas do Matarazzo, como o jardim de oliveiras trazidas do Uruguai e a recém-inaugurada Capela Santa Luzia, ficarão livres para o público. “Esse conceito exclusivo, que diz ‘eu tenho e pertenço, você não’, não faz parte das raízes do luxo. Meu objetivo é mostrar que existe um luxo brasileiro, celebrando unicamente o que é feito aqui no país.”

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O interior de um restaurante. Teto e prateleiras de madeira. Há mesas e sofás de couro
Restaurante Blaise: com espaço para 53 pessoas e culinária franco-suíça (Leo Martins/Veja SP)
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Após o visitante passar entre poltronas de couro, paredes em madeira itaúba e estantes com livros de arte no lobby da antiga maternidade, um longo tapete assinado por Regina Silveira conduz ao Le Jardin, bar posicionado bem no centro do empreendimento. Opção cada vez mais rara na capital, será o único aberto 24 horas por lá. À esquerda fica o Rabo di Galo, decorado com uma pintura no teto feita pelo artista plástico Cabelo e com instrumentos musicais como tamborim, cavaquinho e pandeiro, pendurados entre as mesas — todas as noites, jazz e música ao vivo serão destaque. Do lado oposto, o restaurante Blaise, ainda sem funcionar, ganhou clima de chalé fino com as fileiras de pedras verdes cravadas nas paredes de madeira. O menu com mistura de culinárias francesa e suíça será uma homenagem ao novelista franco-suíço Blaise Cendrars, que influenciou artistas e escritores do modernismo paulista durante visita ao país na década de 20.

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Interior do bar Rabo di Galo. Há mesas, ao fundo, um bar e o teto tem pinturas
Rabo di Galo: bar com música ao vivo todas as noites (Leo Martins/Veja SP)

No primeiro trimestre de 2022, serão mais três lugares dedicados aos prazeres da mesa: os restaurantes Taraz, de pratos sul-americanos, e o Emerald Garden, salão de lanches e petiscos à beira da piscina, mais o bar Belavista, no terraço com vista panorâmica e outra piscina. “Esse rooftop será exclusivo para hóspedes que procuram mais privacidade na semana”, antecipa Guilherme Reis, diretor de alimentos e bebidas. “Às sextas e aos sábados abriremos ao público com DJs e atmosfera mais descontraída.”

“Nossa área de produção fornecerá para todos esses locais e temos capacidade para até 100 cozinheiros no total”, complementa Felipe Rodrigues, chef que deu expediente no concorrente Palácio Tangará e assume a operação. Uma das novidades será a cozinha kosher, com cardápio próprio preparado em local reservado de acordo com determinações da religião judaica, incluindo louças especiais e supervisão de rabinos.

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Um chef de avental posa em uma cozinha de restaurante
Felipe Rodrigues, chef executivo dos restaurantes (Leo Martins/Veja SP)

Se os salgados estão nas mãos de Rodrigues, a mestra Saiko Izawa é quem cuida das sobremesas e planeja incluir doces em calda, macarons e outras receitas clássicas na lista de guloseimas. Não é a primeira vez, aliás, que a confeiteira passa por esse endereço. “Meu filho nasceu aqui, em 1987”, revela durante uma das visitas feitas com exclusividade pela Vejinha. Hoje a sala onde ela e muitas outras mães deram à luz virou uma das suítes de luxo com diárias de 6 950 reais. Os quartos mais baratos custam 2 800 reais.

O valor do mais caro, porém, ainda não foi definido. Trata-se da cobertura no topo da Torre Mata Atlântica — com cerca de 200 árvores como jabuticabeiras e pitangueiras distribuídas em seus terraços —, erguida bem atrás da maternidade. “Quando eu e meu time conversamos sobre essa penthouse, só se fala em fazer festas lá”, diverte-se Edouard Grosmangin, gerente-geral do hotel.

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A confeiteira asiática posa apoiada em um balcão de uma cozinha de restaurante
A maestra Saiko Izawa: responsável pela confeitaria (Leo Martins/Veja SP)
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Serão 860 metros quadrados, ainda em obras, com quatro suítes, área de mordomos, bar e piscina de borda infinita. O arrojado prédio de 25 andares terá 114 suítes para hospedagem, além de 100 unidades residenciais — a influenciadora Lala Trussardi Rudge e o diretor Jayme Monjardim já compraram as suas, à venda por 60 000 reais o metro quadrado, em média. “Morar na torre é um presente que me dei para montar minha casa e escritório no lugar onde estão as minhas origens”, diz Monjardim, bisneto de Francesco Matarazzo. “É um motivo de inspiração.”

Nos corredores, cada andar exibe estilos diferentes. Assim como nas áreas comuns, todos os quartos receberam peças de arte brasileira — são 450 obras de nomes como Ananda Nahu, Daniel Senise e Laura Vinci. E cada acomodação tem um violão assinado por Gilberto Gil ou Caetano Veloso, disponível para o serviço de apresentações musicais. “É possível receber em meia hora um estudante de filarmônica da cidade para tocar por 1 200 reais, mais a gorjeta. O Edouard que vai ter de se virar com o barulho depois!”, desafia Allard.

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Foto mostra um quarto de hotel. Uma cama branca é o centro da foto. Paredes escuras e com obras penduradas
Arte e materiais brasileiros: o conceito faz parte de todos os quartos da rede hoteleira (Leo Martins/Veja SP)

Por enquanto, os ruídos são mais altos embaixo da terra, onde continuam os preparos para o salão de eventos, com 1 000 metros quadrados, a cozinha de banquetes (para celebrações e festas de casamento) e um spa — ou “centro de bemes tar”, nos termos da rede hoteleira, com tratamentos de beleza e terapias holísticas. A pausa e o relaxamento dos funcionários também acontecem no subsolo, em um grande refeitório com setor de rouparia, cozinha própria e dois fliperamas. “Fiquei jogando até de madrugada outro dia”, conta Grosmangin.

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Um homem de terno posa em frente a uma escultura. Foto dentro de um hotel
Grosmangin, diretor-geral do Rosewood: “Sonho com festas na penthouse” (Leo Martins/Veja SP)

Numa das cenas mais impactantes de toda a obra, a capela voltada para a Alameda Rio Claro se manteve suspensa a 30 metros de altura e em cima de oito pilares enquanto a estrutura subterrânea ficava pronta. Assim como o complexo hospitalar, o templo erguido em 1922 passou duas décadas abandonado antes do início dos restauros e era um dos espaços mais degradados. Por ser tombada como patrimônio artístico e cultural, em 1986, a fachada neoclássica, que imita mármore, manteve as características originais e o interior exibe os afrescos encontrados após várias raspagens das camadas de tinta.

O elemento mais novo é o vitral redondo de Santa Luzia criado por Vik Muniz, liberado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat) porque uma pesquisa bibliográfica revelou a abertura para uma rosácea que acabou não sendo instalada na época da construção. Com a reinauguração em novembro, casamentos já começam a ser agendados e missas serão organizadas às quartas e aos domingos, assim que a arquidiocese de São Paulo definir os horários.

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Foto mostra lances de escada e uma capela listrada em laranja e branco
Capela Santa Luzia: o templo restaurado (Leo Martins/Veja SP)
Foto mostra uma capela pendurada por diversas estruturas e ferros de construção
Capela Santa Luzia: a estrutura suspensa em 2018 (Alexandre Battibugli/Veja SP)
Foto mostra um vitral arredondado de uma igreja. Imagem é de Maria
Capela Santa Luzia: vitral de Vik Muniz (Leo Martins/Veja SP)

Enquanto o restante do complexo não é concluído, Allard prefere manter segredo de quais nomes e marcas farão parte da área de vendas e exposições. “Só as que forem comprometidas com nossa proposta de sustentabilidade urbana”, resume o empresário, cuja hiperatividade ainda não lhe reservou tempo suficiente para apreciar toda a parte pronta do projeto. “Preciso aprender a aproveitar os momentos de realização, porque ainda há muito trabalho a ser feito e os desafios são constantes. Chego aqui correndo e só vou ver o resultado quando postarem nas redes sociais.”

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Publicado em VEJA São Paulo de 22 de dezembro de 2021, edição nº 2769

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