Clube de Regatas Tietê perde direito ao terreno onde está há 102 anos
Decadência do clube acompanhou a poluição do rio que leva seu nome - prefeitura não vai renovar contrato
Localizados no bairro da Ponte Pequena, os 64 000 metros quadrados do Clube de Regatas Tietê, que completou 102 anos em junho, devem ganhar novos visitantes em breve. Proprietária da área, a prefeitura anunciou que não renovará o contrato de comodato vencido na quarta passada (28) e vai transformá-la em Clube Escola. A última renovação ocorreu há quarenta anos. Este pode ser o capítulo final da história de uma associação que viveu tempos de requinte e prestígio mas teve seu brilho ofuscado pela poluição do rio que a batizou. Até os anos 70, o Regatas Tietê era frequentado por integrantes de famílias paulistanas tradicionais, que praticavam ali natação, esgrima, balé, judô e atletismo. João Senna, avô do piloto Ayrton, remava nas então límpidas águas do Tietê. O presidente de honra da Fifa, João Havelange, e a primeira atleta sul-americana a disputar uma Olimpíada, a nadadora Maria Lenk, começaram a dar suas braçadas ali. Das quadras de tênis saiu Maria Esther Bueno, vencedora do torneio de Wimbledon em 1959, 1960 e 1964.
Mas as glórias do passado ficaram na memória. Há uma década, o clube reunia 30 000 sócios. Hoje, restaram 3 312, dos quais apenas 800 são pagantes regulares. A mensalidade cobrada é de 35 reais. Com o objetivo de aumentar a receita, a administração aluga suas dependências para a realização de casamentos, festas de aniversário e baladas. O valor cobrado varia entre 12 000 e 30 000 reais. Somadas, as arrecadações dão, em média, 170 000 reais por mês. Mesmo assim, o clube amarga 30 milhões de reais em dívidas – especialmente oriundas de ações trabalhistas. ‘ A prefeitura poderia nos dar mais um voto de confiança ‘, afirma Edson Oliveira Rocha, esgrimista e presidente da entidade. ‘ Vou entrar na Justiça para impedir que nos tirem esse espaço.
Segundo Walter Feldman, secretário municipal de Esportes, Lazer e Recreação, a decisão é irreversível. ‘ Entendo o descontentamento da atual gestão, mas as administrações passadas afundaram o lugar ‘, diz. Instalados parcial ou totalmente em terrenos municipais, clubes como Palmeiras, Corinthians, Portuguesa e Espéria não enfrentam a mesma ameaça. ‘ Essa devolução é restrita ao Tietê. Não dá para um terreno gigante ficar na mão de tão poucos. ‘ Nesta semana, o secretário vai discutir a transição da área. Criado em 2007, o projeto Clube Escola consumiu 114 milhões de reais dos cofres municipais para a realização de obras em 320 espaços (entram na lista campos de futebol de várzea e quadras poliesportivas). Em sua nova destinação, o complexo, que conta com sete quadras de tênis, cinco piscinas, cinco quadras externas, cinco ginásios fechados, um campo de futebol oficial e uma pista de atletismo, pode abrir as portas ao público já a partir do ano que vem. O corpo conselheiro do Tietê se sente injustiçado. No início do ano, Feldman e o ministro dos Esportes, Orlando Silva, pediram ao clube que aceitasse a instalação da Faculdade Zumbi dos Palmares no local (veja o quadro abaixo). ‘ Fomos enganados, pois disseram que assim renovariam nossa concessão ‘, afirma Sally Palmeiro, integrante do grupo.
João Batista Jr.
Bom Retiro, Luz, Barra Funda, Ponte Pequena…
Em seis anos, a Faculdade Zumbi dos Palmares está em seu quarto endereço
Criada em 2003 pela ONG Afrobras, a Faculdade Zumbi dos Palmares nasceu com o objetivo de ter metade de suas vagas ocupadas por alunos autodeclarados negros. Hoje, 87% dos 1 800 estudantes de seus quatro cursos, que pagam em média 295 reais de mensalidade, se enquadram nessa proposta. Mesmo em expansão – em 2010, terá graduação em publicidade e pós-graduação em gestão estratégica de negócios, gestão financeira e gestão de recursos humanos -, teve de cumprir ordem de despejo em dezembro passado. O motivo? Atraso de pagamento do aluguel de 225 000 reais, referente ao imóvel de 15 000 metros quadrados que ocupou na Barra Funda por três anos. Assim, instalou-se às pressas em um prédio que fica no Clube de Regatas Tietê. Acertou de repassar apenas 40 000 reais mensais ao clube para os custos de água, luz e manutenção. ‘ Até hoje não recebemos nenhum centavo ‘, afirma o presidente do clube, Edson Oliveira Rocha. A faculdade nega. ‘ Pagamos nossas contas, sim, diz a diretora financeira e vice-presidente Raquel Costa. O secretário Walter Feldman não pensa em tirar a Zumbi dos Palmares dali. ‘ Mas ela terá de arcar com suas despesas. ‘ O anúncio é um alívio para os alunos. Antes de mudar da Barra Funda para a Ponte Pequena, a faculdade já havia passado pelo Bom Retiro e pela Luz.