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Após concessão, problemas em linhas da CPTM rendem multa de 4,3 milhões

Quarenta ocorrências foram registradas nas linhas 8 e 9 desde o dia 27 de janeiro, quando elas começaram a ser operadas pela ViaMobilidade

Por Clayton Freitas
Atualizado em 27 Maio 2024, 22h06 - Publicado em 14 abr 2022, 06h00
Imagem mostra trem com pintura vermelha e escombros na sua frente.
Acidente na estação: condutor não freou. (Arquivo pessoal/Reprodução)
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De tanto enfrentar panes na Linha 8 – Diamante, o comerciário André Mesquita, de 27 anos, diz ter desenvolvido uma fobia de usar o trem para sair de sua casa, em Itapevi (Grande São Paulo), rumo ao centro da capital, onde trabalha. “Eu vou dormir à noite e a única certeza que tenho para o dia seguinte é de que vou ter algum perrengue no trem. Não falha”, diz.

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“Se eu estivesse dentro daquele trem que se espatifou na Estação Júlio Prestes, certamente já teria pedido demissão do trabalho”, afirma. O acidente a que Mesquita se refere ocorreu no dia 10 de março, quando uma composição não parou e invadiu uma barreira de concreto, deixando dois feridos.

Foi constatado depois que o maquinista simplesmente não freou quando deveria, o que gerou a sua demissão. Naquele mesmo dia, horas antes do acidente, um funcionário que fazia a manutenção elétrica do sistema que alimenta os trens da Linha 9 – Esmeralda morreu ao ser eletrocutado. “Eu sou a favor de um Estado mais enxuto, porém a nova administração da Linha 9 me faz sentir saudade da CPTM. Nem precisa de estatística, piorou e muito”, diz o administrador de empresas Moacir Rodrigues Pereira, 36 anos.

Lotação: interrupções no funcionamento.

Os números divulgados pelo próprio governo estadual por meio de alertas da CPTM mostram que foram ao menos quarenta problemas diversos ocorridos desde o dia 27 de janeiro nas duas linhas, 8 e 9, quando elas passaram a ser operadas pela ViaMobilidade. Os transtornos enfrentados por Pereira o levam a repensar o uso do sistema.

“Moro ao lado da Estação Interlagos e o prédio onde trabalho é quase na saí da da Estação Cidade Jardim. É mais rápido e muito barato usar o trem, mas definitivamente não está compensando a dor de cabeça”, explica. As panes provocam transtornos na viagem dos passageiros e ocorrem pela escalada de interrupções temporárias no serviço das duas linhas provocadas por motivos que vão desde furto de fios até panes elétricas, nas composições, na via e nos equipamentos.

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“O aumento da ocorrência de falhas é inaceitável. A concessionária assumiu há poucos meses, e elas podem ser consequência da inexperiência na gestão de trens metropolitanos”, afirma Sergio Ejzenberg, mestre em transportes pela USP e perito em investigação de acidentes.

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A ViaMobilidade opera as duas linhas por ter vencido o leilão realizado em 2021 ao ofertar 980 milhões de reais para operar o serviço por trinta anos. Em contrapartida, terá de realizar investimentos da ordem de 3 bilhões de reais. As várias falhas em pouco mais de dois meses de operação fizeram com que a empresa fosse multada pelo governo estadual em 4,3 milhões de reais e levaram o Ministério Público Estadual a abrir um inquérito para averiguar o que está ocorrendo.

O promotor Silvio Antonio Marques quer explicações não só da ViaMobilidade, mas também da Secretaria de Transportes Metropolitanos e da própria CPTM. Além de exigir explicações a respeito das panes recorrentes, ele quer saber quais medidas foram tomadas para evitar novos transtornos aos passageiros e ainda ordenou que lhe fossem entregues as cópias do contrato de licitação e da concessão das linhas.

Procurada, a ViaMobilidade informou já ter dado início a um plano de ações e antecipação de investimentos para fazer as melhorias necessárias. Elas incluem incremento na manutenção da rede aérea (sistema de transmissão de energia elétrica que alimenta os trens), aumento da equipe de segurança para evitar furtos de fios e vistorias em equipamentos e vias.

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Para Rafael Calabria, coordenador do programa de mobilidade urbana do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), essa lupa que o promotor colocará no edital da licitação e no contrato confirmará algo que os usuários sentem na pele todos os dias: que a qualidade do serviço vem caindo vertiginosamente.

“O contrato de concessão não é feito com foco na melhoria do serviço. A fala dos governantes sempre é no sentido de reduzir custos para que o setor privado se interesse. Não tem princípio nem ambição de qualidade”, diz Calabria. Luiz Carlos Néspoli, superintendente da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP), afirmou que apenas a troca de gestão não é motivo para que esses problemas tenham se intensificado.

“Tem de analisar as falhas e verificar efetivamente as causas”, defende. Ele acompanhou de perto a evolução do sistema da CPTM e explica que, em seu histórico, a companhia se formou a partir da união de empresas diferentes, e que possuíam tecnologias e recursos humanos distintos. “Ouso dizer que durante muito tempo ainda vai precisar corrigir e melhorar; porém a CPTM da década de 90 e a de hoje passaram por uma transformação como se fosse da água para o vinho.”

Essas diferenças na formação dos funcionários novos e o prazo curto para o treinamento de operadores pela concessionária já eram motivo de alerta para o presidente do Sindicato dos Ferroviários da Zona Sorocabana, José Claudinei Messias, antes mesmo do resultado da licitação, ainda em 2020, durante as audiências públicas. “Um maquinista da CPTM tem de oito a dez meses de curso, que inclui a parte teórica. No caso da ViaMobilidade isso foi feito a toque de caixa para assumir o serviço, em cerca de quatro meses”, disse.

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O sindicato também afirma que, além de redução de salário, os funcionários estão cumprindo cargas horárias exaustivas e não têm preparo adequado para lidar com o serviço, o que pode explicar a demora em reparar danos que seriam resolvidos de forma muito mais rápida pelas equipes da CPTM.

Para Sergio Ejzenberg, é fundamental a existência de estudo das causas das falhas feito por uma entidade independente, não ligada à concessionária nem à CPTM. “Não se podem descartar problemas decorrentes de treinamento insuficiente de pessoal, jornada de trabalho exaustiva e mesmo de manutenção inadequada”, afirma.

A Secretaria de Transportes Metropolitanos informou em nota que tem contrato com uma empresa independente que é responsável por avaliar se a ViaMobilidade está cumprindo ou não todas as exigências contratuais. Entretanto, não é de sua competência fiscalizar quem a concessionária contrata para prestar o serviço.

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Publicado em VEJA São Paulo de 20 de abril de 2022, edição nº 2785

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