Procura por congelamento de óvulos quase dobra em clínicas da capital
Mulheres acima dos 30 anos pagam até 25 000 para prolongar a fertilidade e adiar a gravidez
Na infância, a gerente de produtos Luana Burkhart Inocentes costumava dar nome a suas bonecas preferidas, e o faz de conta da brincadeira ajudou a embalar desde cedo o desejo da maternidade. A vida profissional, porém, acabou adiando o plano. No auge da fertilidade, por volta dos 25 anos, sua prioridade era a carreira, em plena ascensão. Casou-se aos 31 e decidiu esperar mais um pouco.
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Quando começou a chegar perto da idade-limite para realizar o sonho, o relacionamento já estava no fim. Aos 37 anos e divorciada desde maio, ela não desistiu do projeto: investiu 16 000 reais no congelamento de oito óvulos na tentativa de esticar o prazo para ser mãe. Dessa forma, pode aumentar as chances de vir a ter filhos por meio da fertilização in vitro. Luana batizou cada um dos óvulos com um nome. Assim, Marianna, Joaquim, Guilhermina, Lucas, Isabella, Vitória, Maria Alice e Lorenzo estão estocados em uma clínica da capital para ser usados no futuro. “É como se eu tivesse parado os ponteiros do relógio biológico”, diz a gerente.
Casos assim são cada vez mais comuns nos endereços especializados na técnica na capital. Nos últimos dois anos, o número de pacientes que recorreram aos consultórios para guardar seus óvulos praticamente dobrou. Somente em 2014, 834 pessoas realizaram o procedimento nas treze principais clínicas do tipo na metrópole. O aumento é de 80% em relação a 2013. Em alguns locais, no entanto, a procura foi maior.
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Trata- se do caso da Fertility, nos Jardins, com o crescimento mais expressivo entre a amostragem da revista: saltou de 53 congelamentos, em 2013, para 187, em 2014, uma evolução de mais de 200%. Apenas nos primeiros seis meses de 2015, 478 mulheres depositaram suas esperanças em pequenos tubos identificados com letras e números, mergulhados em uma solução de nitrogênio líquido à temperatura de 196 graus negativos. “Há mais gente determinada a fazer um backup biológico”, afirma o médico Edson Borges, da Fertility.
A ideia é driblar o natural envelhecimento dos gametas. Após os 35 anos de idade, a quantidade e a qualidade dos óvulos caem exponencialmente, o que derruba a capacidade reprodutiva feminina. Aos 45, a chance de a mulher engravidar naturalmente é de 1% ao mês. Alterações cromossômicas, responsáveis por síndromes genéticas como a de Down, também se tornam mais comuns. Ao serem armazenados a baixas temperaturas, os óvulos mantêm as características da idade em que foram conservados.
Antes um recurso indicado apenas a pacientes com câncer, sob o risco de perderem a capacidade de gerar filhos, a preservaçãoda fertilidade passou a ser uma opção cada vez mais comum para as paulistanas acima dos 30 anos, geralmente no auge profissional e sem parceiro estável. Nas clínicas, as chamadas justificativas sociais já correspondem a 90% dos casos.
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O congelamento de óvulos se tornou possível em 1986, mas não foi muito popular durante duas décadas por causa da baixa taxa de sucesso, em torno de 1%. O processo era realizado lentamente, durava pelo menos uma hora e levava à formação de cristais, que danificavam a célula. “Conseguir engravidar dessa forma era um ato heroico, na prática não adiantava nada”, lembra o médico Raul Nakano, da Ferticlin.
Nos últimos tempos, no entanto, o método evoluiu. A partir de 2005, passou a ser utilizada a vitrificação, espécie de esfriamento rápido, em no máximo cinco minutos, que mantém as células intactas e aumenta a taxa de aproveitamento para mais de 90%. A técnica ganhou o aval das sociedades americana e europeia de medicina reprodutiva há três anos. “Depois disso, ampliou-se a oferta do procedimento no Brasil, e as clínicas daqui ganharam experiência”, explica o médico Daniel Suslik Zylbersztejn, do Serviço de Reprodução Humana do Hospital São Paulo, ligado à Unifesp.
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Em outubro de 2014, a notícia de que o Facebook e a Apple pagavam para que suas funcionárias americanas congelassem óvulos ajudou a trazer mais visibilidade à prática. Nos consultórios, ginecologistas passaram a lembrar suas pacientes de que, embora o processo de fertilização in vitro tenha avançado, não há como evitar o envelhecimento dos gametas no corpo humano. “As mulheres de hoje se cuidam bastante, mas para óvulo não há Botox”, diz Arnaldo Cambiaghi, coordenador do Centro de Reprodução Humana do Instituto Paulista de Ginecologia e Obstetrícia.
Durante uma consulta de rotina, a economista Rina Cunha, de 37 anos, foi alertada para o fato de seu prazo estar chegando ao limite. Solteira, recolheu dezesseis óvulos há três meses. “Isso ajuda a diminuir a pressão emocional de ver o tempo escapando”, entende. Mesmo quem está em um relacionamento estável tem buscado o procedimento. “Pretendo tentar a gravidez naturalmente daqui a três anos, mas o congelamento é como um seguro”, afirma a estilista Verusca Brito, de 34 anos, que está namorando há dois anos e meio.
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O negócio não representa 100% de garantia, pois depende do sucesso da fertilização in vitro. Além disso, o valor da “apólice” é alto. A coleta da célula e o processo de vitrificação saem por um preço entre 7 000 e 15 000 reais. As injeções de hormônios, necessárias durante o tratamento, podem custar até 8 000 reais. Também é preciso pagar um “aluguel” para manter os óvulos armazenados nos laboratórios, com taxa que varia de 700 a 1 000 reais por ano. Fora o procedimento da fertilização in vitro (8 000 a 12 000 reais por tentativa) quando decidir fazer o descongelamento.
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De acordo com as características da paciente, o gasto total pode ser ainda maior. “É caro, mas não quero terminar a vida sem filho”, admite a estudante de direito Carolina Junqueira, de 37 anos, que desembolsou 35 000 reais após realizar duas coletas e preservar vinte óvulos (especialistas recomendam guardar no mínimo quinze para aumentar a chance de fecundação).
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Quem chegou ao fim do processo garante que o custo compensa. Em 2007, aos 36 anos e casada, a gerente de projeto Érika Ikeda não pretendia ter filhos. Optou pelo congelamento de dezesseis células e, três anos depois, usou parte da leva para engravidar dos gêmeos Erick e Danilo, hoje com 5 anos. “Tenho mais oito armazenadas, mas não sei ao certo se vou utilizá-las”, afirma.
Se há uma “idade ideal” para engravidar — o auge da fertilidade feminina é em torno dos 25 anos —, o mesmo ocorre com o congelamento, que funciona melhor quando é feito antes dos 38. O útero não perde a capacidade de gerar até a menopausa, por volta dos 50, quando há a interrupção dos ciclos menstruais. “O grande limitador é a idade do óvulo, que interfere na qualidade do embrião”, explica a médica Claudia Gomes Padilla, da Huntington Medicina Reprodutiva.
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Uma pesquisa recente com 112 mulheres de sua clínica apontou que a fertilização com óvulos congelados e “frescos” tem o mesmo índice de sucesso: para uma mulher de 35 anos, ele gira em torno de 50%. Por mais que os prognósticos sejam positivos, ainda há incógnitas. Uma delas diz respeito ao limite de tempo de armazenamento do material.
“Como é um processo novo, ainda não temos a certeza de como será descongelar um óvulo dez anos de pois”, afirma o médico Newton Eduardo Busso, diretor da Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de São Paulo. Apesar de a tecnologia ser bem-vinda, os especialistas também sugerem que é sempre melhor respeitar a natureza. “Se a mulher já está casada e tem um parceiro estável, não há motivo para guardar o óvulo. Ter filho naturalmente é de graça”, diz o médico Raul Nakano.
A popularização do congelamento de óvulos está sendo comparada, com certo exagero, ao advento do anticoncepcional, que incendiou a revolução sexual nos anos 60. “A pílula ajudou a mulher a escolher se queria engravidar ou não”, opina Claudia Gomes Padilla. “Agora ela pode decidir quando se reproduzir.”
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Essa liberdade inclui até a possibilidade de uma produção independente. Além de preservarem suas células reprodutoras, algumas mulheres estão recorrendo a bancos de sêmen para realizar o sonho da maternidade. “Estou preparada para dizer a meu filho que ele é fruto do amor só da mãe”, diz a engenheira Charlana Rodrigues, de 38 anos, que tem sete células vitrificadas e estuda usar um serviço especializado.
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Em São Paulo, existem duas empresas que fornecem material genético masculino, por até 3 500 reais. Cerca de 25% das compradoras são solteiras. Criado em 2007, o ProSeed trabalha apenas com esperma de brasileiros. Conta com 130 doadores cadastrados, em cuja ficha há informações desde o tipo sanguíneo até a religião.
Já o Fairfax Cryobank, aberto há um ano, facilitou a importação de sêmen de americanos. Hoje ocorrem por volta de quinze compras ao mês. Em seu site, a empresa oferece busca mais refinada, como por signo e animal preferido. Mediante um pagamento extra de 500 reais, é possível ver a foto do doador quando era criança. “Apesar de todo o avanço da tecnologia e da medicina, as expectativas e os sonhos continuam os mesmos: as mulheres ainda estão em busca do homem perfeito”, afirma a psicanalista Marina Massi.
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