O Itaquerão chegou lá
Conheça os detalhes do projeto e a rotina dos operários responsáveis por erguer o lugar escolhido para a abertura do Mundial
Todos os dias, por volta das 7h30, o time repete o mesmo ritual. Reunida em torno de um círculo, a equipe de 300 homens, a maioria deles vinda de cidades do Norte e do Nordeste, ouve atentamente o chefe anunciar as tarefas, como se fossem jogadores de futebol numa preleção com o técnico antes de uma partida decisiva. Na manhã fria e nublada da última segunda (17), havia um grande clima de expectativa no canteiro de obras da Zona Leste. “Esta semana será decisiva, pois saberemos se vamos ou não sediar a Copa do Mundo”, dizia Frederico Barbosa, gerente operacional da Odebrecht, construtora responsável pelos trabalhos, segurando uma bola assinada pelos craques do Corinthians. Depois disso, os homens rezaram um pai-nosso. Terminada a oração, uma fila indiana se formou. Vestidos de botas pretas de borracha, calça e camisa azul, protetores para os ouvidos e capacete, entraram em campo para prosseguir na epopeia de pôr de pé o novo estádio de São Paulo, o “Itaquerão”.
No início da tarde da quinta passada (20), uma festa interrompeu a rotina do local para comemorar a confirmação do campo como o palco de abertura do Mundial de 2014. Um telão foi instalado especialmente para convidados como o governador Geraldo Alckmin, o prefeito Gilberto Kassab e o ex-artilheiro Ronaldo verem ao vivo o secretário-geral da Fifa, Jérôme Valcke, anunciar a decisão. Além da primeira partida da competição, o estádio vai abrigar outros cinco jogos, incluindo uma das semifinais.
O evento em Zurique, na Suíça, representou o fim de uma grande novela, que começou em maio de 2010, com o veto do Morumbi, o estádio do São Paulo, como a sede do estado para a Copa. O Corinthians apresentou como alternativa a construção de uma arena no bairro de Itaquera e se dedicou a viabilizar o projeto, desde o início cercado de confusões e polêmicas. Pouco mais da metade do custo da obra, orçada em 820 milhões de reais, será bancada por incentivos fiscais concedidos pela prefeitura, o que rende até hoje discussões sobre a conveniência do uso de dinheiro público na empreitada. Depois de cinco meses de atraso, no fim de maio as máquinas e os operários começaram a trabalhar, com a previsão de deixar tudo pronto até o fim de 2013. “Provamos que tínhamos capacidade”, comemorava, eufórico, o presidente do clube, Andrés Sanchez.
No momento, a gigantesca obra está sendo tocada por 502 trabalhadores, contingente que deve quadruplicar até dezembro de 2012. Eles chegam por volta das 7 da manhã e, depois do desjejum com café, pão recheado com frios e fatias de bolo, dão início à jornada, que, de segunda a sábado, termina às 18 horas. Após quatro meses, a tropa concluiu 60% da terraplenagem e começou a instalar as fundações. Um dos capitães do time, Francisco das Chagas Lopes, de 60 anos, é conhecido como Pará, apesar de ter nascido em Sousa, na Paraíba. Ele utiliza suas mais de quatro décadas de experiência na área para comandar os colegas. Depois de uma semana quase inteira de chuva, mostrava-se irritado com São Pedro. “Esse tempo feio atrapalhou muito o andamento, estamos colocando as bombas para tirar o excesso de água, que provocou alagamento em uma parte do nosso canteiro”, dizia, apontando para um grupo de homens que se embrenham na lama avermelhada por um salário de aproximadamente 1.500 reais por mês. Vindos da Bahia, Josenilton Silva Souza, de 32 anos, e Hélio Santos da Costa, de 29, integram a equipe dos marteleteiros, composta por vinte trabalhadores. Cabe a eles a função de arrasamento das 1.151 estacas fincadas no terreno. “A gente faz com carinho, porque merece um estádio bem bonito”, conta Hélio, que, assim como o colega, é corintiano desde o berço.
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Recentemente, organizou-se por ali uma pelada logo após a marcação do espaço onde será o gramado. Autor do que seria o primeiro gol do Itaquerão, o operador de bate-estaca Benício Pereira dos Santos, de 30 anos, narra o lance com emoção: “A bola veio de uma cobrança de escanteio, foi desviada por outro jogador e caiu aqui no meu pé direito. Peguei de primeira e fiz um golaço”. Recém-chegado de Salvador, torce pelo Vitória, mas já está quase se convertendo ao credo alvinegro. Santista fervoroso, Wellington da Paz Lopez, de 31 anos, não se incomoda com as provocações dos outros companheiros. “Sou profissional e vou caprichar, mas jamais me sentarei nessas arquibancadas”, jura. Outra pessoa que destoa no ambiente é a engenheira Mariana Alves Godoi, de 29 anos, uma das poucas mulheres da equipe. “A turma me respeita e não me sinto deslocada”, afirma.
O projeto, assinado pelo arquiteto Aníbal Coutinho, prevê acomodações para 68.000 torcedores e uma infraestrutura que inclui um estacionamento com capacidade para 3.700 veículos e 59 estabelecimentos diversos, entre restaurantes, lojas e bares. A nação corintiana fiscaliza tudo de perto. Uma câmera colocada a 300 metros do terreno filma o andamento dos trabalhos 24 horas por dia. “Tenho muitos parentes que moram em outros estados e eles viviam me pedindo fotos e imagens do estádio”, diz Pedro Lima Salomão, de 15 anos, que teve a ideia de fazer a página na internet https://www.itaqueraoaovivo.com.br . Nela, ele registra toda a movimentação dos operários. No primeiro sábado de cada mês, a Gaviões da Fiel, a maior torcida organizada do clube, faz um churrascão para comemorar os avanços dos trabalhos. Em setembro, o encontro contou com a presença do ex-presidente Lula, notório corintiano e um dos principais articuladores do projeto.
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De olho na valorização do bairro, moradores da Cohab Padre Manoel da Nóbrega, colada ao campo, relevam o barulho e a poeira levantada pelas obras pensando nas vantagens futuras. Desde o início dos trabalhos, os preços já subiram 30% na região. “A vizinhança está otimista, torcendo para que o bairro receba melhorias”, afirma Vitor Guedes, do programa Pra Toda Obra, um boletim da BandNews FM que vai ao ar às segundas, quartas e sextas falando do progresso da construção e de seu impacto nas redondezas. Há quatro meses, o comerciante Ronaldo Corrêa abriu por ali um restaurante por quilo. “Vou aumentar o número de funcionários em cinco vezes durante o Mundial e colocarei atendentes bilíngues”, planeja.
Apesar do entusiasmo, há enormes desafios ainda a ser enfrentados, por conta do pouco tempo até a Copa. “Projetos desse porte estão sujeitos a contratempos”, afirma o professor de planejamento urbano Eduardo Nobre, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. A reforma do Maracanã, por exemplo, já enfrentou duas greves de operários no período de um mês, a última delas com duração de dezenove dias. Para facilitar o acesso à arena na Zona Leste paulistana, serão necessárias uma série de melhorias no transporte público e a realização de obras viárias como o alargamento da Radial Leste, a principal via de acesso ao bairro.
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Alheios na maior parte do tempo ao movimento que ocorre fora da obra, engenheiros e operários procuram se concentrar na gigantesca tarefa de erguer a arena para a festa de 2014. “Já enfrentamos prazos ainda mais apertados e vai dar tudo certo”, confia Frederico Barbosa, da Odebrecht. Em meio ao movimento dos bate-estacas, dos caminhões e tratores na terra vermelha, os peões mais humildes comungam da mesma esperança. “Saio de casa às 3 da manhã para chegar a tempo, mas tenho orgulho de fazer parte da obra do meu time do coração”, diz o marteleteiro Josenilton Silva Souza. “Quando isso aqui estiver pronto, não terá preço que pague o orgulho que sentirei do nosso campo.”
O GIGANTE DA ZONA LESTE
Os principais números da nova casa do Corinthians
820 MILHÕES DE REAIS — Investimento necessário para a obra. É o segundo projeto mais caro da Copa 2014, atrás apenas da reforma do Maracanã
200.000 METROS QUADRADOS — Tamanho do terreno, área equivalente à de três estádios do Morumbi
43 MÁQUINAS — Seis bate-estacas hidráulicos, quatro retroescavadeiras, três tratores e dois guindastes, entre outros equipamentos, estão sendo utilizados para que a construção fique pronta no prazo
640.000 SACOS DE CIMENTO — Quantidade de material suficiente para construir 6.400 casas populares
68.000 PESSOAS — Capacidade de público. Após o Mundial, será reduzida para 48.000 lugares, com a retirada dos assentos removíveis
2.000 OPERÁRIOS — Mão de obra que estará em ação no mês de dezembro de 2012, momento de pico da construção. Hoje, cerca de 500 trabalhadores fazem terraplenagem e constroem as fundações
3.700 VAGAS — Previsão de capacidade para o estacionamento. O Itaquerão terá ainda dois restaurantes grandes, uma praça de alimentação com fast-foods, mais um conjunto de bares e lojas
2013 — Ano de conclusão da obra. O contrato da construtora Odebrecht vence em 31 de dezembro