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Johni Punk, mais uma vítima da selvageria entre gangues paulistanas

Jovem que abraçou o movimento enquanto enfrentava uma dura jornada de tratamento psiquiátrico morre em briga

Por Arthur Guimarães
Atualizado em 1 jun 2017, 18h27 - Publicado em 10 set 2011, 00h50
Punk 2234 - homenagem Johni
Punk 2234 - homenagem Johni (Thiago Teixeira/AE/)
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No último sábado (3), Johni Raoni Falcão Galanciak, de 25 anos, acordou reclamando de uma noite muito maldormida. Fazia sol e, para animar o filho naquele dia, o professor de história Marcos Galanciak, 51 anos, levou-o a um passeio até a região do Paraíso. Ele saiu de casa paramentado, já pensando em engatar ao fim da tarde um outro programa: conferir a apresentação da banda inglesa de punk Cock Sparrer, grupo da década de 70 que se exibiria às 18 horas no Carioca Club, em Pinheiros. Além da calça jeans e da bota preta nos pés, o rapaz vestia a inseparável jaqueta negra com inscrições antinazistas sobre uma camiseta da seleção da Polônia, país natal de seu avô paterno. Quando chegaram às imediações da Avenida Paulista, pai e filho almoçaram juntos num bar. Em seguida, o pai lhe deu 100 reais para comprar o ingresso, custear o transporte até a casa de shows e aparar o topete no estilo moicano. No cabeleireiro, ele raspou as laterais da cabeça para deixar expostos alguns de seus maiores orgulhos: uma tatuagem com o símbolo dos anarquistas e três cicatrizes, herança de brigas do passado. Marcos foi até o salão e, de lá, os dois se despediram. “Valeu, paizão!”, agradeceu. Foi a última vez que se viram.

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Ao chegar acompanhado por amigos ao Carioca Club, por volta das 17 horas, Johni reuniu-se com outros quinze colegas, quase todos eles punks. O tempo por ali fechou com a chegada de seus maiores inimigos nas ruas, uma gangue de skinheads neonazistas. Com cerca de quarenta integrantes, eles apareceram soltando rojões e partiram para cima do grupo menor, segundo testemunhas. O confronto deixou como saldo várias vítimas feridas. Uma delas, Fábio dos Santos Medeiros, 21 anos, foi levado ao Hospital das Clínicas com traumatismo craniano e, até a última quinta (8), encontrava-se internado na UTI. Esfaqueado mais de dez vezes durante a pancadaria, Johni, que era conhecido pela valentia, gabando-se de nunca fugir de uma luta, não resistiu aos ferimentos e morreu dentro da ambulância. Na semana passada, a polícia seguia algumas pistas para tentar chegar ao autor do assassinato. Antes de morrer, Johni teria dito a um amigo o nome de um dos supostos agressores.

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Filho único de dois professores de ensino médio formados pela Universidade de São Paulo (USP), Johni sempre estudou, fez seus deveres escolares e foi um filho dócil, sorridente e amável nas relações familiares. Aos 12 anos, enfrentou com aparente naturalidade a separação dos pais. Mas, aos 15, começaram a surgir indícios de que algo não ia bem com a sua saúde. “Ele sofreu uma crise, ficou atônito, fora do ar”, lembra a mãe, Patrícia Conceição, 48 anos. “Ficava falando sem parar e andando de lá para cá dentro de casa.” Diagnosticado com transtorno bipolar, passou a ser medicado com um arsenal de remédios para controlar a doença. O problema o fez perder uma namorada, tentar o suicídio por mais de uma vez e esquecer os planos universitários e profissionais, já que o coquetel administrado era composto de drogas cujos efeitos colaterais incluíam uma sonolência implacável. Nos últimos tempos, tomava cinco remédios por dia.

Ao mesmo tempo em que caminhava pela difícil jornada do tratamento, Johni mergulhou de cabeça no universo punk. Desde criança, era fascinado pelas histórias do pai, antigo vocalista da banda Excomungados, que chegou a lançar discos nos anos 80 e gozava de prestígio nesse circuito. “Meu filho acabou sendo mais punk do que eu”, conta Marcos. Na conversão ao movimento, além de raspar o cabelo ao estilo dos ídolos, adotou os apelidos de Johni Punk e Johni 38 (segundo a polícia, uma alusão ao calibre do revólver). Ao entrar nesse mundo, começaram a surgir os desafetos e as brigas que empurraram o rapaz a um redemoinho de confusões.

Em seu histórico estão registradas pelo menos dez grandes encrencas. Em 2006, Johni foi sequestrado e esfaqueado na Zona Norte por um grupo de “nazistas” — sem nenhum estofo intelectual, a maioria desses imbecis que saem por aí depredando, batendo e até matando mal conhece as teorias racistas que defende. Em 2007, envolveu-se em uma briga na Avenida Tiradentes e ficou preso quase um ano e meio, acusado de ter participado do espancamento de um líder neonazista. Na cadeia, chegou a ficar em uma cela de evangélicos para ser exorcizado durante um surto. A pedido dos detentos, foi transferido para o Hospital de Custódia de Franco da Rocha. Absolvido por falta de provas, voltou para as ruas. Ele também colecionava participação em protestos. Em 2006, terminou detido quando planejava jogar ovos no prefeito Gilberto Kassab e no então governador eleito José Serra. Há quatro meses, nova passagem pela polícia: dessa vez, por urinar em um carro da Rede Globo e chutá-lo, além de portar bombas caseiras durante a Marcha da Maconha. A despeito das confusões fora de casa, nunca se afastou da família. Em maio, resolveu ser batizado numa igreja católica. Apesar de ser filho de agnósticos, a família deixou que ele escolhesse a religião por conta própria.

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Punk 2234 - Johni com parentes
Punk 2234 – Johni com parentes ()

Seu assassinato ocorreu no vácuo de uma onda que preocupa as autoridades. Segundo a polícia, existem hoje 25 gangues atuando na capital. Esse movimento é monitorado pela Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi). “São jovens unidos por uma ideologia e que se reúnem muitas vezes para brigar”, afirma a delegada Margarette Barreto, titular da área. A investigação está a cargo do Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP). “O crescimento da violência entre eles é preocupante”, diz o delegado Jorge Carrasco, diretor do DHPP. Prova disso é que, nos últimos dias, membros de grupos de intolerância já estavam usando as redes sociais da internet para comemorar a morte do punk e programar novos ataques. “Tudo indica que essa guerra está longe de acabar”, lamenta o pai.

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