Na primeira vez que meu saudoso pai, Garry, veio a São Paulo, tive de deixá-lo com os familiares para acompanhar o parto do meu filho, Lucas, no pequeno e simpático Hospital Adventista, no bairro da Liberdade. O Lucas demorou a chegar. Fiquei lá no hospital uns dois dias. A comida era deliciosa, mas à base de pão integral, melancia e suco de uva. De vez em quando eu era obrigado pelo nervosismo a descer ao boteco da esquina e devorar um x-salada. Entendera já a essa altura que x = cheese = queijo, uma das equações básicas para quem, de fora, quiser entender a cultura brasileira, tal como E = mc2 está para a física, por exemplo.
Enquanto isso, meu pai, que nada falava de português, aprontava. Nós o mandamos, com minha mãe, meu irmãozinho, Mitch, e meu avô Wesley, que só saía em São Paulo de botas de caubói de cano altíssimo, com detalhamento de cenas do Velho Oeste, a um restaurante refinado. Eles estavam de férias, afinal. Queria eu que tivessem uma boa impressão da nossa cidade. Já haviam se divertido para valer no Rio de Janeiro. Por eles ficariam por lá, andando de táxi. Aventura maior não havia, concordavam todos.
Corria o ano de 1984. Como pouca gente falava inglês em São Paulo na época, eles enfrentaram dificuldades para decifrar o cardápio no restaurante bacanudo. Na versão deles, monoglotas americanos, o garçom era antipático e metido. Não se dispôs a ajudar. Minha mãe entendia um pouco de espanhol, no entanto, e chegaram à conclusão de que havia três pratos na carta: uma carne, uma pasta e um frango. Cada um apontou no cardápio com o dedo o prato escolhido até chegar a vez de meu pai. Para fazer o pedido, ele pulou da cadeira e começou a dançar pelo salão batendo os braços, como se fossem asas, em imitação a uma galinha. Queria se comunicar.
Dias depois, levei meu pai à feira de sábado da Vila Madalena, na Rua Mourato Coelho. Meu pai gostava de gente. A feira estava vibrante, com a chegada das festas de fim de ano. As frutas, exuberantes. Lembraram meu pai os seus tempos de missionário mórmon no Havaí durante a década de 50. Eu não sabia disso, até então, mas ele amava manga. Só a comera no ano em que viveu no Havaí. A globalização das frutas ainda não tinha acontecido em 1984. Não existia manga decente na Califórnia, onde ele morava. Hoje tem.
Carregamos sacolas de mangas para casa, com destaque para as corações-de-boi, enormes. Deixei as compras e os americanos em casa e fui cuidar de alguma tarefa na rua. Sei que demorei, e quando voltei meu pai estava passando mal. A cara dele me preocupou. Só o vira daquele jeito na nossa última viagem familiar de carro, ao México, em 1977. Estava verde, do tom da camisa do Palmeiras. Perguntei à minha mãe o que acontecera. “Seu pai deve ter chupado umas dez mangas, nem sei quantas. Não para de ir ao banheiro”, disse ela, com o tom de “ninguém me ouve nesta casa”. Conclusão dos familiares brasileiros: manga solta.
Garry veio mais uma vez a São Paulo, anos mais tarde, para participar do batismo do Lucas e da minha filha, Maria, na Igreja Nossa Senhora do Rosário de Fátima, na Avenida Doutor Arnaldo. Por uma ironia do destino, meu pai, ex-mórmon e agnóstico militante, só tivera, até aquele momento, netos católicos. Poucas semanas antes assistira ao batismo de Toby e Tatum (T. Shirts), filhos do meu irmão caçula, em uma igreja católica em San Diego, na Califórnia. O batismo dos meus filhos foi animado. Havia criança correndo e gritando por todo lado. Estava lotado de gente. A missa em San Diego fora solene. Estive presente. Perguntei ao meu pai qual era a principal diferença do batismo na Igreja Católica nos Estados Unidos e no Brasil. Ele pensou um pouco e saiu-se com esta: “É como a diferença entre água sem gás e água com gás. Uma delas é efervescente”.
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