Na curva perigosa da quarta idade, estou voltando às aulas. De novo aquela trabalheira toda de mochila, horário, uniforme, material, limpeza…
Sem tardança, explico: minha filha Carolina, aquele bebê, chegou à idade escolar de hoje em dia: 2 aninhos. Crianças não têm mais, nem é seguro ter, como nos meus dias, aquele estar por si, vigiado, aquele aprender impulsionado pela curiosidade, autodidata, aquele câmbio automático engatando marcha após marcha atrás de vontades, o quintal, a rua, o risco que encoraja, e era assim que as crianças se socializavam até os 6, 7 anos, quando começavam de fato as suas obrigações escolares.
Carol, 27 meses de vida, vinte dias de escola, se dá ares de aluna. Pai, estou de volta às aulas quase quarenta anos depois de ter sido frequentador diário de porta de colégio para entregar ou apanhar meus pacotinhos amorosos da época, como faço hoje. Assumo de novo minha parte da trabalheira, a mágica da mãe produz mochila, almoço e lindeza, mas é da lindinha mesmo que vem o toque responsável na porta do elevador: “Papai, vem! Mamãe chamando, escola!”. Madrugada, no meio do sono, chamou aflita, sentando-se no berço, apressando: “Mamãe, mamãe! Camisa, escola”.
Já nasce nela a primeira noção, ainda tímida, de pertencer a alguma coisa mais do que à sua casa, sua família. É o primeiro passo que ela dá fora do castelo, ensaia. Vem junto a primeira noção corporativa: reconhece as cores que identificam o uniforme, a logomarca do colégio, que aponta nos envelopes timbrados, nas roupas, na fachada do prédio, e o faz com uns longes de orgulho: “Minha cola”. Não contabiliza mas vai construindo na cabecinha: seu time, sua turma, os outros, os iguais, os nomes, a Clarinha, a Aninha, o Léo, a Bia, a Marina, “sua” professora — espaços se ampliam. No coração, o medo de crescer, a coragem.
Aprende: o outro nem sempre é confiável, pode vir de lá uma mordida — e vem. A novidade magoa, mas ensina: não pode tomar o brinquedo, tem de pedir, e aceitar se vier um não. É, Carolzinha, a vida em sociedade é dura. Veio um dia da escola falando “eu”. Antes só dizia as frases na terceira pessoa, “Carol fez”, “Carol quer”, “Carol pega”, e convivendo com os outros sacou o eu — para se afirmar? Ainda não é sempre que usa o eu, mas ele fica ali para quando precisar. É complicado, sente que com o eu precisa flexionar o verbo, e vai tateando, “comi”, “peguei”, “quero”. Ela recebe — recebemos — o seu/nosso primeiro dever de casa: ler o livro da lagarta comilona. Avança: depois de ouvir a história algumas vezes, quer ler o livro para nós; é um teatro mágico que faz dela gente grande, crianças somos nós. Pequenos desafios todos os dias. Jantar com os coleguinhas à mesa, sem ajuda, exige concentração, coordenação, não vá fazer feio, Carolina. Vai aceitando sem espantos a imersão no inglês, ó céus, 2 aninhos e aqueles mistérios em palavras. Absorve mais do que aprende. A cada dia se desenvolve o serzinho social: docemente repreendida porque não dividiu o brinquedo, chora com a descoberta de que há autoridade além de mamãe e papai. Obedecer ainda é difícil. No fim da tarde, esgotadas as atividades e brincadeiras, tem um momento sofrido de saudade, quando a limpam, trocam, penteiam, e ela pergunta: “Posso sentar?”, e vai para o banquinho e chora baixinho, à espera — um pequeno momento de cansaço e abandono, cadê mamãe, papai?
No dia seguinte recomeça, animada para novas descobertas. Vai, Carol! O caminho é longo, mas vale a pena.