Estudos apontam males dos vapes e enterram o mito de que fumá-los não fazem mal
Além de doenças pulmonares, cigarros eletrônico potencializam transtornos mentais

Colorido, com luz piscante, sabor adocicado e aroma de frutas, o vape, também conhecido como cigarro eletrônico ou pod, chegou para ficar e não é de hoje.
Se por um lado as diversas políticas públicas fizeram a população reduzir o consumo de cigarros convencionais nas últimas décadas, a pulverização dos dispositivos modernos, sobretudo entre o público jovem, pode fazer o país voltar várias casas no combate ao tabagismo.
Entre 2018 e 2023, o número de fumantes desses aparelhos saltou de 500 000 para quase 3 milhões de usuários, segundo uma pesquisa do instituto Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica (Ipec), apesar da proibição da comercialização dos equipamentos em todo o Brasil. Um dos motivos da disseminação dos cigarros eletrônicos por aqui é a (falsa) percepção de que eles são menos nocivos do que os cigarros convencionais.
Um estudo recente, realizado pelo Instituto de Ciência e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista (ICT- Unesp), apontou diversos caminhos nocivos para o consumo dos aparelhos eletrônicos que soltam vapor com nicotina. “Percebemos a diminuição da viscosidade da saliva dos fumantes, causando diminuição do fluxo. Isso está relacionado com a hidratação da mucosa e pode comprometer a sua capacidade de proteção, causando lesões”, afirma a cirurgiã-dentista Janete Dias Almeida, professora titular do Departamento de Biociências e Diagnóstico Bucal da Unesp e coordenadora do estudo.
Além da questão bucal, o estudo também apontou a possibilidade de os usuários adquirirem lesões agudas nos pulmões, doença pulmonar obstrutiva crônica e enfisema pulmonar, entre outras.

Foi o que ocorreu com o publicitário Pedro Ivo Brito, 35. Em 2019, ele ficou uma semana internado no hospital em decorrência de complicações pulmonares. “Quando comecei a fumar, em 2018, estava começando a moda. Era uma coisa legal, mas, depois da internação, eu parei de fumar. Hoje vejo um pessoal mais jovem fumando. Tem aquela coisa: ‘Meu pai não vai saber, não tem cheiro’. Só que é uma farra complicada, pois gera um vício. É um vício silencioso.”
Foi com o argumento de não haver sinais de fumaça que uma estudante de 20 anos que prefere não ser identificada passou a consumir os vapes longe do nariz dos pais. Quando a mãe descobriu o aparelho em sua bolsa, ela concordou em não proibir, pois sabia que a jovem fumaria escondido. Porém, com as notícias de que o dispositivo causa uma série de enfermidades, houve uma nova conversa. “Combinamos de eu não comprar mais, mas continuo fumando os dos meus amigos”, diz a jovem, que passou a ter momentos de ansiedade durante o período de abstinência em casa. “Fico mais irritada, mas, quando volto a fumar, fico mais relaxada e calma.”
As sensações relatadas pela estudante vão ao encontro de outro estudo recente sobre cigarros eletrônicos, realizado pelo Instituto do Coração do Hospital das Clínicas (InCor). Dos 400 entrevistados, 31% relataram possuir distúrbios de ansiedade e depressão. Dados mais alarmantes são em relação à presença da nicotina no organismo. Em 13% das amostras os níveis da substância superam em até seis vezes o valor médio encontrado em fumantes de vinte cigarros convencionais diários.
Em média, enquanto os consumidores tradicionais dão duzentas tragadas por dia, os usuários de dispositivos eletrônicos chegam a dar 1 500. “Cigarro eletrônico faz tão mal quanto o convencional. E a ciência mostra que o uso do cigarro é nocivo. Não faz bem para a saúde e não há nível seguro”, afirma o cardiologista Roberto Kalil Filho, presidente do Conselho Diretor do InCor e coordenador do estudo, juntamente com a diretora do Programa de Tratamento do Tabagismo do instituto, Jaqueline Scholz. “Não adianta vestir a nicotina com roupinha bonitinha, mais elegante, pois a substância presente nos vapes faz mal de qualquer jeito”, diz Kalil.
Presente de forma ilegal no mercado há mais de vinte anos, o cigarro eletrônico chegou a ser visto como uma alternativa menos nociva para os fumantes de cigarros a combustão que pensavam em abandonar o vício. Embora não existam evidências de que os dispositivos eletrônicos sejam causadores de câncer no pulmão, devido ao exíguo tempo de utilização da tecnologia, não se pode falar em situação mais segura.
“Em 1950, as pessoas fumavam loucamente, havia propaganda, era bonito fumar. Os médicos foram descobrir casos de câncer depois de trinta anos, pois o pulmão é difícil de acessar. Quem garante que o mesmo não ocorrerá com os vapes, já que eles provocam inflamação pulmonar, entre outras doenças?”, questiona o médico oncologista Marcelo Corassa, integrante do Instituto Vencer o Câncer. “Não devemos colocar nada no pulmão de forma espontânea além de ar.”
Há cerca de um ano, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) reforçou a proibição da comercialização, fabricação, importação, armazenamento e propaganda dos aparelhos no país. Mesmo assim o acesso aos produtos é praticamente irrestrito. Não adianta só falar que faz mal e proibir a venda, é preciso haver uma proibição de fato, com ampla fiscalização.
Publicado em VEJA São Paulo de 21 de fevereiro de 2025, edição nº 2932.