Passei a infância ouvindo elogios destinados ao meu irmão mais velho. Seu cabelo loiro e os olhos azul-esverdeados exerciam um poder de atração quase sobrenatural em vizinhas, amigas e conhecidas de mamãe. Mal o viam, gorjeavam:
– Que menino lindo!
Em seguida, miravam em minha direção:
– Esse aí também é seu?
Eu me sentia um pardal perto de um canário, com meu cabelo castanho e olhos idem. Ainda por cima, óculos enormes, fundo de garrafa, que uso desde os 10 anos. E roupas um tanto folgadas, pois eram herdadas do primogênito.
Cresci desejando um cabelo incrível. Deixei crescer na adolescência. Queria adotar um estilo desgrenhado. Inútil. É liso e na testa cresce para a frente. Caía nos meus olhos. Eu ficava com a aparência de um cachorro lulu. Pior. Se chovia, tinha de abrir os cabelos molhados sobre os óculos como se fossem cortinas!
Uma amiga me aconselhou:
– Se quer ter reflexos bonitos, faça um banho com chá de cebola antes de dormir.
No dia seguinte, um colega de trabalho comentou:
– Você está com cheiro de salada!
Dali a alguns anos, radicalizei. Passei a máquina. Era ótimo. Tomava banho e não tinha de me pentear. (Sou muito preguiçoso para as pequenas vaidades cotidianas.) Mas ganhei peso. Assustei-me quando um amigo foi me visitar. Comentou:
– Você engordou um pouquinho, não é?
– Já perdi uns 200 gramas na semana passada!
– O seu rosto está redondo. Parece um Buda!
– O quê, um Buda? Estou tão gordo assim?
– Acalme-se! Buda era muito bonito. A cara redonda fica muito bem em você!
Eu poderia ter culpado os churrascos, as pizzas e as cervejas. Acusei o cabelo curto. Deixei crescer. À medida que os fios se alongavam, a surpresa. No período, eu ganhara alguns grisalhos. Esparsos como flocos caídos aleatoriamente. Fui ao cabeleireiro:
– Quero uns reflexos grisalhos, para ficar homogêneo.
Passei pela tortura de ter uma touquinha enfiada na cabeça e os fios puxados um a um pelas raízes. Fui colocado embaixo de um secador durante um tempo enorme. Agora eu sei como se sente um frango de padaria! No fim da provação, adquiri uma aparência grisalha e distinta. Um senhor.
Os meses passaram. Chegou a hora de realizar o ritual outra vez. Tinha uma palestra importantíssima, organizada pelo meu chefe, às 18h30. Fui ao cabeleireiro uma hora e meia antes. Perguntei se havia tempo.
– Claro! – ele sorriu.
Botou a touquinha. Puxou os fios. Passou a tintura. Ligou o secador. De tempo em tempo examinava.
– Ainda não chegou ao tom!
Às 18h30, meu chefe ligou para saber se eu estava a caminho.
– Preciso ir!
– Mais uns minutinhos.
Às 18h45 ouvi um rugido pelo celular.
– Tenho de terminar, há cinqüenta pessoas me esperando!
O algoz declarou.
– Se você sair agora, fica loiro.
Brigar com o chefe ou virar loiro? Virei loiro. Corri para a porta. O cabeleireiro me entregou um xampu especial.
– Passe e deixe dez minutos todos os dias que ele chega à cor grisalha.
Dei a palestra inteiramente loiro, sob o olhar espantado da chefia. Há uma semana ando ouvindo os comentários mais disparatados. Meu terapeuta se recusa a acreditar que fui vítima das circunstâncias.
Hoje tomei coragem. Passei o xampu e… surpresa! Estou com a cabeça azul-marinho! Aterrorizado, lembrei-me de que há um ano fui responsável por um contratempo profissional do cabeleireiro. Quando enxaguar, virá a revelação.
Amanhã posso estar mais loiro ainda. Grisalho. Ou até careca! Ah, que saudade do meu cabelo castanho!