Futurista Sabina Deweik fala como a nova geração vê o mercado de trabalho
Especialista em captar tendências realiza estudos para entender como os jovens pensam
Marcada por acontecimentos políticos, sociais, econômicos, culturais, tecnológicos, entre muitos outros, cada geração compartilha determinados traços de comportamento. Se a turma que já passou dos 60 anos (os chamados baby boomers) valoriza a estabilidade financeira e uma disciplina de horários no trabalho, aqueles com idade entre 13 e 29 anos (identificados como geração Z — veja mais no quadro abaixo) são reconhecidos por ser multifocais e adquirir conhecimentos por diversos meios, quase um tudo-ao-mesmo-tempo-agora.
Essa divisão de grupos foi criada não apenas para definir as faixas etárias, mas para auxiliar a sociedade a compreender o passado, o presente e, claro, o futuro, quase sempre com o objetivo de evitar conflitos geracionais, o que nem sempre é fácil. “Há muitos líderes de empresas mais velhos que trabalham com pessoas mais jovens, mas não conseguem entender a forma como elas pensam”, afirma Sabina Deweik, especialista em captar mudanças de comportamento, uma “caçadora de tendências”, como se define.
“Esses profissionais mais antigos chegam a classificar questões de saúde mental como mimimi.” No entanto, a preocupação da juventude com o bem-estar, muitas vezes incompreendida, tem sido objeto de estudos. Uma pesquisa realizada recentemente pela consultoria McKinsey aponta que 25% da geração Z diz sentir estresse emocional.
No Brasil, esse público, nascido entre 1997 e 2010, representa 30 milhões de pessoas e está entrando ou acabou de entrar no mercado profissional. Se, por um lado, muitos dos mais maduros não possuem habilidades para compreender o universo dos mais novos, o oposto também ocorre. “Quando entram no emprego, muitos começam a contestar os modelos, pois boa parte das empresas funciona de um jeito mais conservador que eles. Expediente das 8h às 20h, em ambiente presencial, é algo impensável. Eles entendem que podem trabalhar de qualquer lugar”, diz Sabina.
Outras questões, como dificuldade em aceitar hierarquias e fugir de tarefas burocráticas, também fazem parte do cotidiano desse grupo. Além da atenção à segurança emocional e da nova visão sobre a rotina de trabalho, as pessoas nascidas entre o fim do século passado e a primeira década do novo milênio também se diferenciam das anteriores quando o assunto é sexualidade. “Existe uma grande fluidez quanto à experimentação das relações. Menos de 50% da geração Z se dizem 100% heterossexuais, por exemplo. Sabem que existem outras maneiras de se relacionar”, aponta a pesquisadora.
Ultraconectados, os indivíduos que já nasceram usando a ponta do dedo indicador para passar à próxima foto no celular têm posicionamentos claros sobre outras questões, tanto próprias quanto coletivas. “Depois de sofrerem com a pandemia, eles já estão se preparando para outros eventos marcantes, como a questão ambiental. Tanto que já se fala em uma síndrome de ansiedade climática. A minha geração, por exemplo, não tinha esse tipo de preocupação. Para a atual, no entanto, as dúvidas sobre o futuro do planeta geram muita ansiedade”, diz Sabina, que nasceu em 1973, dentro da era dos X.
O resultado da inquietação com o meio ambiente pode trazer bons panoramas para o horizonte não só delas. Engajadas, mesmo que digitalmente, essas pessoas de até 30 anos podem estimular novos hábitos e influenciar outros públicos. Diante de mudanças tão significativas entre gerações relativamente próximas, a boa convivência entre elas requer compreensão de ambas as partes.
Quando o assunto é o relacionamento dentro de um lar envolvendo adolescentes, porém, Sabina alerta, o diálogo deve necessariamente partir dos mais velhos. E o terreno precisa ser pavimentado com antecedência. “É preciso criar pontes antes que atinjam essa fase. É importante estar próximo, estabelecer uma comunicação e mostrar que você, quando estava na mesma idade, era diferente. Muitas vezes são os filhos que te ensinam, falam que tal termo é atualmente considerado preconceituoso”, aconselha ela, que é mãe de dois adolescentes.
Além de caçadora de tendências, a paulistana de 50 anos, moradora do Pacaembu, na Zona Oeste, é uma futurista. “Eu trabalho na transformação da mentalidade e procuro mostrar os contextos que existem hoje para criar futuros desejáveis”, diz. Entre outras demandas, sua atuação consiste em verificar as tendências de mercado para mostrar como uma determinada empresa pode se preparar para obstáculos imprevisíveis adiante.
Na pandemia, por exemplo, muitas companhias que não se prepararam para a digitalização de processos precisaram correr atrás de alternativas imediatas. “É provável que tenhamos um grande desastre em relação ao clima. Como podemos nos preparar diante dos inúmeros sinais que recebemos nos últimos tempos?”, questiona. Nesse sentido, a geração Z, que será o futuro do planeta, parece já ter saído na frente.
Publicado em VEJA São Paulo de 8 de março de 2024, edição nº 2883