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“Ginásio do Ibirapuera sofre com interesses ideológicos e oportunistas”

Adriana Levisky está por trás do novo Ginásio do Ibirapuera e do Parque das Flores, ambos travados na Justiça, e diz que arquitetos têm postura negativa

Por Pedro Carvalho
Atualizado em 27 Maio 2024, 16h45 - Publicado em 25 dez 2020, 08h51
Adriana Levisky em seu escritório
Em seu escritório, no bairro do Caxingui: início de carreira com Lina Bo Bardi (Alexandre Battibugli/Veja SP)
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Como ficará a concessão do Ginásio do Ibirapuera após uma liminar ter barrado o processo no dia 18?

Vai ser preciso uma interlocução com o Judiciário. O teor (da liminar) me causa surpresa. O texto se baseia na premissa de que vamos retirar uma atividade esportiva do local para fazer um shopping center.

Onde estaria o erro dessa afirmação?

Ainda está em andamento, junto à municipalidade, a aprovação de um PIU (Projeto de Intervenção Urbana) para regular o uso da área. É esse instrumento que vai determinar os parâmetros urbanísticos que a concessão terá de seguir. Aquela é uma zona especial, não existe um regramento previamente estabelecido.

Mas o projeto final será feito pelo concessionário. O PIU vai impedir a construção de um shopping que seja um “caixotão”, por exemplo?

Provavelmente, sim. Ainda vai ter mais uma audiência pública e outros ritos.

Por que estádios como o Morumbi e o Pacaembu foram tombados, mas decidiu-se de forma diferente com o Ginásio do Ibirapuera?

Houve um posicionamento (contrário ao tombamento) do órgão responsável (o Condephaat).

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O posicionamento foi criticado porque o governador João Doria mudou a composição do conselho.

Existe um histórico de uma série de intervenções no ginásio que nunca motivou um pedido de tombamento. O que me causa surpresa é que essa solicitação aconteça no momento da concessão. Só pode ser por interesses ideológicos e oportunistas. Há uma postura muito negativa na categoria dos arquitetos (eles formam o grupo que votou majoritariamente a favor do tombamento no Condephaat) em relação às concessões. Mas é um modelo de financiamento que permite requalificações urbanas de evidente interesse público.

A senhora, como arquiteta, o que acha de um shopping center ali?

Gostaria de usar um termo diferente de “shopping”, que pode ser entendido como uma caixa fechada, sem integração. O terreno fica ao lado de regiões residenciais absolutamente carentes de serviços e comércios. Vias como a Pedro Álvares Cabral, a Manoel da Nóbrega e a República do Líbano não têm um lugar onde se possa ir comer, tomar um chope. Não sou contra (a concessão ter) serviços que atendam a essa necessidade, vejo com muito bons olhos. A estrutura atual deu as costas para a população. Quantas pessoas têm o hábito de frequentar o complexo do Ibirapuera?

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O local tem uma função importante na formação de atletas. O projeto repassa ao governo, e não ao concessionário, a obrigação de oferecer essa prática em outro lugar.

Não há demérito em levar programas de políticas públicas a lugares diferentes. Uma série de cidades ao redor do mundo mudou esses lugares de treinamento esportivo de áreas centrais para outras mais periféricas. São movimentos legítimos.

O projeto apresentado pelo governo para ilustrar a área foi criticado, entre outras coisas, por deixar o ginásio parecido com uma privada. Não seria razoável fazer um concurso de arquitetura para esse caso?

A única função daquela modelagem urbanística apresentada é respaldar tecnicamente as regras da concessão. Ela não tem nenhuma função de determinar ou influenciar o projeto real, que ficará por conta do concessionário. Sobre concursos de arquitetura, os que foram feitos no Brasil nunca tiveram viabilidade financeira. Aqui, os concursos morrem no papel. São inócuos. Ou a gente encara a requalificação da cidade de forma realista, ou é uma grande demagogia.

“O complexo do Ibirapuera virou as costas para a população. Quantas pessoas frequentam o ginásio? A região tem carência de serviços”

A senhora também fez o projeto do Parque das Flores, que ligaria a Avenida Paulista à futura Cidade Matarazzo. Duas associações de moradores barraram a proposta na Justiça. Eles poderiam ser prejudicados?

A liminar não critica o projeto em si, mas uma suposta falta de diálogo. O que é de estranhar. Houve cinco eventos públicos para discutir a proposta. Não é difícil O Allard afirma que os órgãos de patrimônio são lentos no Brasil. Você concorda? Na França é mais rápido?que existem interesses difusos. Essas associações têm um desconforto com a Paulista Aberta (aos domingos). O que elas tentam é ganhar projeção, nessa questão do Parque das Flores, para depois brigar por essa outra demanda. O resultado é que a cidade vai perder um parque, que é o que tende a acontecer.

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A senhora disse que o parque seria “um presente de 130 milhões” à cidade, entregue pelo francês Alexandre Allard, investidor do Cidade Matarazzo. Por que alguém dá um presente tão caro?

Existe uma visão de um desenvolvedor estrangeiro, que chegou aqui com olhar completamente apaixonado e teve o despojamento de propor essa doação para a cidade. Ela é motivada por uma paixão extrema, mesmo. A gente costuma receber essas coisas só com desconfiança. Mas existe uma lição a se aprender com essa postura. Vai beneficiar o empreendimento dele? Sem dúvida. Assim como todo o entorno.

A senhora acha que o Allard tende a desistir do Parque das Flores?

Totalmente. Faz um ano que a liminar impede a construção. Você segura os recursos até quando? Os parceiros do projeto vão ficar de braços cruzados esperando? Infelizmente, essa oportunidade será perdida por causa do interesse de poucos, que seguem a lógica de “no meu quintal, não”, do oportunismo para ganhar visibilidade, da projeção política dessas associações.

O Allard afirma que os órgãos de patrimônio são lentos no Brasil. Você concorda? Na França é mais rápido?

Não tenho experiência na França. Aqui, posso dizer que são extremamente lentos, e infelizmente a gente tem patrimônios fantásticos simplesmente se desmilinguindo.

A senhora iniciou a carreira trabalhando com a arquiteta Lina Bo Bardi. Que lições aprendeu com ela?

Aprendi a compreender e a enaltecer a cultura local. A Lina sempre teve o cuidado de valorizar a indústria e, ao mesmo tempo, o caipira. Sempre teve delicadeza para colocar ambos na mesma cesta. Outra coisa que aprendi é que o papel do arquiteto é necessariamente integrador e transformador. Nesse sentido, a ação do arquiteto é necessariamente política, com “p” maiúsculo. Ela precisa reconhecer as vozes da cidade e o interesse público contido nelas.

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Publicado em VEJA São Paulo de 30 de dezembro de 2020, edição nº 2719

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