Como funciona o esquema de propina para driblar a Cidade Limpa
Denúncia provocou o afastamento de cinco funcionários municipais
Em vigor desde 2007, a Lei Cidade Limpa foi responsável por dar um respiro à paisagem da metrópole. Retirou outdoors, faixas e letreiros excessivos e conseguiu diminuir a preocupante poluição visual. Com o tempo, entretanto, companhias interessadas em divulgar sua marca acharam brechas nas regras.
Na semana passada, veio à tona um esquema no qual funcionários públicos corruptos agiam junto a empresários para driblar as normas, segundo denúncia feita pela rádio CBN. Nos setores de veículos e mercado imobiliário, empresas conseguiam promover ações ilegais de publicidade enquanto fiscais faziam vista grossa às irregularidades.
Entre elas, havia anúncios fora dos padrões permitidos, distribuição de panfletos e pessoas nas ruas contratadas para segurar placas de propaganda. A moeda de troca? Propinas que partiam de 50 reais e podiam chegar a pacotes de 7 000 reais por fim de semana. Quem pagava também saía ileso da cobrança de multa de, no mínimo, 5 000 reais por esse tipo de infração.
Após a revelação das falcatruas, quatro funcionários das prefeituras regionais da Lapa, Penha, Vila Prudente e Cidade Tiradentes foram afastados. Permanecerão agora longe de seus postos por quatro meses, enquanto ocorrerem as investigações. Caso sejam comprovadas as suspeitas, eles poderão ser demitidos.
O chefe de gabinete da Lapa, Leandro Benko — irmão do secretário estadual de Turismo, Laércio Benko —, pediu para ser exonerado. Ele aparece em uma filmagem da CBN, em sua sala de trabalho, negociando os termos do suborno com o repórter Pedro Durán, da rádio, que se passava por um empresário do ramo de automóveis.
“Minha intenção era colher provas de atos delituosos que pudessem ser praticados na esfera pública”, justificou Benko. Tão logo o caso foi denunciado, no último dia 31, o prefeito João Doria veio a público. “Não há a menor condescendência da nossa gestão em relação a ações dessa natureza”, garantiu. Dois pedidos de abertura de comissão parlamentar de inquérito (CPI) foram protocolados na Câmara para investigar o escândalo.
O arranjo envolvia pelo menos três esferas. As companhias interessadas em divulgar seus empreendimentos contratavam o serviço de escritórios especializados nesse tipo de promoção — e estes repassavam o dinheiro sujo a agentes de fiscalização municipal ou a atravessadores com acesso à municipalidade.
Há mais de vinte anos no ramo de propaganda, o publicitário Leandro Bernal sentiu-se vingado. Ele já havia denunciado vários casos de ilegalidade no setor. Desde março do ano passado, registra desvios dessa natureza para depois encaminhá-los a órgãos públicos. “Foram mais de 2 000 fotos, 100 e-mails, telefonemas e pedidos de reuniões, mas ninguém deu a mínima”, reclama.
Secretário adjunto das prefeituras regionais, Fabio Lepique rebate a crítica. “Demos atenção às denúncias, sim, tanto que lavramos até julho deste ano 824 multas, uma média de quatro por dia”, diz. “Vamos apurar, punir e fiscalizar mais.” Em 2016, de acordo com a pasta, a gestão Haddad realizou 1 060 autuações por infrações da Lei Cidade Limpa, uma média de três por dia.
Apesar do crescimento desse número, a fiscalização ainda se vê falha. São apenas 347 agentes responsáveis por mais de 500 tipos de vistoria na capital, como barulho e desrespeito à Cidade Limpa. Em Pinheiros, na Zona Oeste, no Jardim Anália Franco, na Zona Leste, e no Brás, no centro, a reportagem de VEJA SÃO PAULO encontrou na semana passada propagandas de tamanho ou quantidade passíveis de ser enquadradas na lei.
Vale dizer: essas marcas não estão envolvidas com o esquema denunciado pela CBN. Os responsáveis pelas peças negam irregularidades. A construtora Balbás, por exemplo, afirmou que as mensagens que extrapolam o número permitido são meramente informativas e não têm a ver com publicidade. Pela legislação, empreendimentos imobiliários com fachada de até 100 metros de extensão de cada lado podem ter apenas um anúncio de até 10 metros quadrados.
A Lei Cidade Limpa voltou a entrar no radar no fim de julho, quando VEJA SÃO PAULO revelou em primeira mão mais um projeto de lei enviado à
Câmara que liberaria explorações publicitárias até então vetadas. Entre as medidas pretendidas pelo Executivo, flexibilizava-se a permissão de propaganda em lixeiras, placas de ruas, quiosques e bicicletários — o que poderia facilitar a adoção de praças pela iniciativa privada e a concessão de parques.
O tema rendeu polêmica e a municipalidade retirou o projeto da pauta na última segunda, 31 — ou seja, no mesmo dia da denúncia da CBN. Segundo a prefeitura, não passou de uma coincidência. “Faremos uma reavaliação”, afirma o secretário Marcos Penido, de Serviços e Obras.