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Manchas e chapéus

Por Ivan Angelo
Atualizado em 5 dez 2016, 19h44 - Publicado em 18 set 2009, 20h18

Brinco com a minha mulher: “Virei metrossexual”. Explico, antes que me entendam mal: metrossexual é um tipo de homem do Primeiro Mundo que cuida da pele, dos cabelos, dos pêlos, das unhas e da aparência em geral como as mulheres que cuidam da aparência em geral se cuidam, e não é gay. O “metro” é de metrópole, não de metrô. Habita as grandes cidades, modelito David Beckham.

É claro que a pessoa não pode ser metrossexual e bater em mulher, coçar a virilha, beber cerveja na latinha, agitar bandeira de futebol, mesmo que seja do São Paulo, ou pilotar pit bull. O metrossexual tem certo compromisso com a elegância.

E explico o que me levou a cuidar da aparência como as mulheres que cuidam da aparência em geral se cuidam. Não sei de que modo as pessoas lidam com manchas nas mãos e no rosto, mas eu lido mal. Odeio manchas. Lembro que uma vez passei uma loção pós-barba de limão e fui para a praia: voltei rajado como um tigre. Meses rajado! Peguei trauma. Mas era jovem e brincalhão, ganhei na faculdade o apelido temporário de tigre-sem-bengala.

Independentemente do trauma que você tenha, as manchas aparecem. No começo discretas, depois inconvenientes, elas interferem na sua paisagem pessoal. No meu caso, uma pinta, outra, e outras começaram a aumentar; na face, uma engrossou. E aí minha mulher interferiu: “Cuidado, é melhor um médico olhar isso”. Muitas vezes, é a mulher que empurra o homem para a metrossexualidade, como a spice girl Victoria fez com o Beckham.

O doutor meteu o bisturi em uma pinta, que foi absolvida pela biópsia, e o laser em sete. É aquele doutor, já falei dele, amante de vinhos e das coisas boas da vida, incluindo Nordeste e resorts. O sol é o bandido da história, e há que evitar os bandidos. “Você pode desfrutar, mas não precisa se arriscar”, ponderou ele, e recomendou proteção, tratamento e chapéu.

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Então, como fazem as mulheres que cuidam da aparência em geral e os metrossexuais, tenho de usar cinco preparações, todo dia. Uma solução para limpeza, que parece uma aguazinha mas faz espuma, um creme fininho levemente ardido para passar em volta dos olhos e um mais espesso e ardido para espalhar no rosto. Isso à noite. De dia, lavar três vezes com água e passar um creme hidratante e por cima um filtro UVA e UVB. Por enquanto.

Pois bem. Isso tudo, somado com escovar os dentes pelo menos três vezes ao dia, fio dental, bochechos, cortar e lixar semanalmente as vinte unhas, fazer barba, cortar cabelo, tomar banho etc., dá uma média de setenta minutos por dia, mais quarenta minutos de caminhada que o cardiologista recomendou e cinco de alongamento que o sobrinho atleta exige – quase duas horas cuidando do corpo! E o espírito? E o amor? Coitado de mim se não fosse eu.

Agora, o capítulo do chapéu. De que tipo, doutor? Boné ajuda, mas não tem aba, protege menos. Minha herança genética aconselha chapéu. Até poderia curtir um de palhinha, tipo malandro carioca dos anos 30. Daqueles redondos, durinhos, em que sambistas batiam ritmo, onipresentes nas fotos da época. Passaria um recado de rebeldia e leveza. Não existem mais.

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No sítio tenho três, estilosos. Um tipo mafioso mediterrâneo, cosa nostra, de palha italiana branca com fita preta, comprado na ensolarada Sicília. Outro, tipo caubói, já amassado e ensebado, estilo John Wayne, que se porta bem até em piscinas. E outro, recente, comprado no mercado central de Goiânia, feito de encerado de caminhão, costurado com linha grossa, remendado, que apelidei de Crocodilo Dundee.

Não têm cara de cidade, não ficam bem num metrossexual. Vou ver se encontro um à Santos Dumont, estilo dandy em vez de Dundee. Enquanto não acho, vou me esgueirando pelas árvores, toldos e marquises, sob esse sol de lascar do outrora ameno outono brasileiro.

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