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Apesar do cheiro nauseante, técnicos ainda mergulham no Pinheiros para fazer manutenção de bombas que invertem curso das águas

Escafandro do século passado era utilizado para o trabalho nos anos 80 e pesava 80 quilos

Por Guilherme Queiroz
Atualizado em 27 Maio 2024, 19h49 - Publicado em 6 ago 2021, 06h00
duas funcionárias do museu da energia limpando um escafandro com grandes cotonetes e vestidas adequadamente, com avental, luvas e máscara de proteção contra a Covid-19
Escafandro usado até 1986 nas usinas de Traição e Pedreira: parte do Museu da Energia (Gustavo Morita/Divulgação)
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Até meados de 1986, o técnico Luiz Fernandes mergulhava rotineiramente no Rio Pinheiros com um escafandro, traje de mergulho do século passado, para um trabalho pouco usual: limpar e fazer a manutenção das bombas que invertem o curso das águas — normalmente elas correm para o Tietê. O paradeiro de “seu Luiz”, o último escafandrista da Light e da Eletropaulo, é desconhecido, mas a luta contra o acúmulo de entulho nas barragens infelizmente segue atual — e, acredite, ainda usa mergulhadores.

O curioso artefato faz parte do acervo da Fundação Energia e Saneamento, mantenedora do Museu da Energia. O traje completo, feito de materiais como bronze, lona e couro, pesava 80 quilos e tinha sido fabricado nos anos 1930. “Eles usavam essa roupa pesada para conseguir afundar”, explica Andressa Romualdo, coordenadora do acervo. Em equipamentos mais leves (de 22 quilos), os escafandristas modernos seguem submergindo para cuidar das máquinas nas usinas São Paulo (a antiga Traição, na altura da Ponte Engenheiro Ari Torres) e Pedreira (quase na Represa Billings).

fachada da usina de traição, em são paulo
Vistas da Usina São Paulo: a fachada (acima) e a sala de controle (abaixo) (Leo Martins/Veja SP)
sala de controle da usina de traição, com um painel suspenso com muitos botões e telas. à frente do painel, tem um técnico em sua mesa
(Leo Martins/Veja SP)

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A reversão das águas é necessária quando o nível das chuvas ameaça transbordar o rio, o que acontece cerca de oitenta vezes por ano. Nessas situações, as duas usinas entram em ação: elas puxam as águas para a Represa Billings, localizada a 28 quilômetros da foz natural do Pinheiros, no início da Marginal Tietê. Entre 1940 e 1992, a operação também era feita para aumentar a capacidade de geração de energia hidrelétrica na Usina Henry Borden, na Baixada Santista, que tem a Billings como reservatório.

Quem passa por ali não costuma perceber, mas, na Usina da Traição, existe um desnível de 5 metros na altura da água. Ele divide os chamados “canal inferior” (Cebolão-Traição) e “superior” (Traição-Pedreira) do rio. Na Pedreira, são 25 metros de diferença entre o Pinheiros e a Billings (mais alta). “A capacidade de bombeamento da Traição é de 280 000 litros de água por segundo. Na Pedreira, ela é de 395 000 litros por segundo”, explica o diretor de geração da Empresa Metropolitana de Águas e Energia (Emae), Itamar Rodrigues — o mesmo funcionário que, em abril, filmou o vídeo viral de um cardume de peixes graúdos nadando no Pinheiros.

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visão de cima de uma sala enorme com as bombas da usina de traição
Sala da Usina São Paulo com a estrutura das bombas, que sugam até 280 000 litros de água por segundo (Leo Martins/Veja SP)

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Nas duas usinas, operadores ficam de plantão e ligam as bombas quando os institutos de meteorologia preveem a subida abrupta no nível das águas. A vazão dos 24 afluentes do Pinheiros varia de 5 000 a 8 000 litros por segundo em dias normais. Mas, em tempestades mais intensas, pode chegar a 400 000 litros por segundo. Por isso, a reversão do rio costuma ser feita de forma preventiva 24 horas antes da precipitação. “As operações se concentram entre novembro e março”, diz Itamar. Em chuvas extremas, a Emae pode acionar a Barragem de Retiro, localizada entre o Pinheiros e o Tietê, capaz de mandar a vazão de um rio para o outro — em qualquer um dos sentidos. Ainda assim, nem sempre é suficiente. “Em fevereiro de 2020, perdemos o controle”, diz Itamar sobre a enchente que inundou a Ceagesp naquele mês.

itamar sorrindo para a foto em plataforma sobre o rio pinheiros, apoiado em uma escada amarela e segurando o capacete branco no outro braço. ao fundo, o rio e prédios da cidade
Itamar, da Emae: inversão do curso das águas do Rio Pinheiros acontece cerca de oitenta vezes ao ano (Leo Martins/Veja SP)

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Enquanto o projeto Novo Rio Pinheiros, uma das bandeiras políticas do governador João Doria (PSDB), não é concluído (a promessa é deixar o rio sem cheiro e apto à vida aquática em 2022), os técnicos que sucederam “seu Luiz” seguem mergulhando nas águas sujas do local. “Faço esse trabalho há 33 anos”, diz José Leonídio dos Santos, 56. Ele é um dos sócios da DiverSub, empresa na qual doze mergulhadores fazem a manutenção das grades que evitam que o lixo chegue às bombas das usinas.

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mergulhador josé leonídio posando para a foto em estúdio com seu traje de mergulho
José Leonídio: entre os achados do mergulhador no Rio Pinheiros está uma maleta com 2 000 dólares (Reprodução/Arquivo Pessoal/Veja SP)

“Lá embaixo, você não enxerga quase nada. A gente já encontrou cadáver, cavalo, bola de basquete… Em 1988, achamos uma maleta com 2 000 dólares”, lembra José. Ao todo, as empresas responsáveis retiraram em 2019 cerca de 9 300 toneladas de lixo do Pinheiros. Em poucos meses, se a gestão Doria cumprir a promessa, a equipe de Leonídio vai trabalhar em águas menos nauseantes. Mas, para que deixe de encontrar tanta tranqueira, a população precisa colaborar também.

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Publicado em VEJA São Paulo de 11 de agosto de 2021, edição nº 2750

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