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“Não se trata de falta de dinheiro, mas de capacidade de ação”

Diante do caos de segunda (10), Carlo Ratti, Milton Braga e Philip Yang falam sobre a incapacidade do poder público de conduzir obras de grande porte

Por Carlo Ratti, Milton Braga e Philip Yang
11 fev 2020, 19h36
Enchente no centro de São Paulo em 1965: problemas persistem (Arquivo Público/Última Hora/Divulgação)
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Todo ano a mesma história. Vem o verão e assistimos a um festival de inundações. A cidade pára, casas desabam, pessoas morrem. As perdas materiais e humanas são incalculáveis. A economia da cidade perde em eficiência. Por que isso acontece? Se o evento é tão repetitivo e previsível, por que não nos prevenimos? De quem é a responsabilidade? A cidade inunda quando o volume de água dos temporais supera a capacidade de vazão do leito dos rios. Numa imagem simplificada, é como se despejássemos rapidamente um balde de 30 litros em uma pequena pia de 3 litros. O resultado é óbvio: a pia transborda. Na escala urbana, o ralo, sifão e cano exercem a mesma função dos nossos bueiros, galerias e rios, que são capazes de escoar apenas uma fração da água do recipiente original.

Como as nossas pias, a cidade se tornou uma grande capa impermeável, feita de concreto e asfalto. Como consequência, quando as tempestades de verão acontecem, grande parte da água precipitada não é absorvida pelo solo. O grande volume das chuvas – que deveria ser distribuído e absorvido pela superfície de toda a cidade – acaba sendo escoado concentradamente para os vales dos rios. Catástrofe anunciada. Todos os anos sofremos resignadamente as consequências da inação: as enchentes.

O que fazer? As alternativas de ação compõem uma gama de possibilidades que vai desde grandes obras estruturais conduzidas pelo poder público até iniciativas pontuais e pulverizadas no âmbito das propriedades privadas. Piscinões, redes de galerias e programas de dragagem compõem o conjunto dos investimentos em obras estruturais de drenagem necessárias para a condução de vazões adequadas a receptores como córregos, rios, lagos e represas. Na metáfora da pia, tais obras corresponderiam a tentativas de aumentar o tamanho da bacia (pela via dos piscinões) e de melhorar o escoamento do ralo e sifão (por meio de galerias).

Há três grandes problemas com esta escala de intervenção urbana.

O volume das chuvas é de tal ordem que não há obra pública, por faraônica que seja, capaz de conter a vazão assombrosa que os ambientes (mal) construídos concentram, fenômeno agravado pelas mudanças climáticas. Um segundo problema está associado à incapacidade do poder público de conduzir obras públicas de grande porte. Dados do orçamento da prefeitura, por exemplo, mostram que os recursos disponíveis para obras contra enchentes foram minimamente utilizados. Não se trata, portanto, de falta de dinheiro, mas de capacidade de ação e execução, que tem como complicador a regulação de compras públicas, licitações e concessões. Terceiro, uma vez realizadas as obras, a rede precisa de manutenção permanente. De nada nos serve uma rede hidráulica de escoamento abrangente se as bocas-de-lobo e rede de microdrenagem estiverem entupidas de lixo nos momentos de chuva.

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Que alternativa temos?

Na outra ponta, as ações pulverizadas apontam para outra lógica de gestão das águas. Tais ações teriam como foco iniciativas voltadas não para a melhoria do escoamento pluvial, mas para o aumento da capacidade de retenção da água em toda superfície da cidade. O incentivo ao aumento de todo tipo de jardins, no chão, em paredes e sobre lajes; ampliação dos programas de arborização de ruas e jardins (que além de reter de água, contribuiria com captura de carbono e balanceamento hídrico por evapotranspiração); fomento da agricultura urbana em todos tipos de superfície, horizontais e verticais; o estímulo ao uso de pavimentos e revestimentos porosos, em vias, calçadas e empreendimentos imobiliários – estímulo que, com o avanço de novos materiais, poderá tornar-se uma norma. Trata-se de mudança de paradigma: com essa ação constituiríamos uma adequada infraestrutura verde e azul capilar e difusa, transformando a cidade numa esponja que aliviaria os sistemas de drenagem e reduziria a vazão sobre os rios. Numa outra figura de linguagem, estaríamos colocando, por cima da nossa capa de chuva impermeável, uma manta de algodão, que seguraria uma boa parte da chuva antes que ela caísse no chão.

Para que isso ocorra, uma grande coalizão de forças de governo, de mercado e sociais é necessária. Regulações modernas que incentivem a iniciativa individual nesta direção e programas de educação que contribuam para o surgimento de uma nova mentalidade entre cidadãos e agentes do mercado será fundamental para que possamos reverter, em prazos até mais curtos, o quadro dramático das inundações que nos atingem todos os anos.  Exemplos a nos inspirar: o plano estratégico de Melbourne (2017-2021), cidade que, como nós, enfrenta os desafios dos extremos de secas e enchentes.

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Max Weber dizia que o racionalismo do Ocidente busca o controle da natureza, enquanto a razão confucionista está orientada para a adaptação ao meio ambiente. Quem sabe aqui neste caso possamos congregar as duas abordagens, aprimorando as ações em ambas as vertentes.

Artigo produzido para VEJA SÃO PAULO por

Philip Yang, mestre em administração pública pela Universidade Harvard e fundador do Urbem (Instituto de Urbanismo e Estudos para a Metrópole); Milton Braga, sócio fundador do MMBB, diretor do URBEM e professor do Departamento de Projeto da FAUUSP; e Carlo Ratti, professor de planejamento e tecnologias urbanos e diretor do Senseable City Lab, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês).

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