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O bote da píton

Couro da serpente se transforma em uma das estampas mais desejadas da temporada, deixando para trás as onças e os leopardos

Por Juliana Franco
Atualizado em 5 dez 2016, 17h36 - Publicado em 22 nov 2011, 14h11

Uma rápida olhada nas vitrines e passarelas e é fácil descobrir: a píton é o bicho da vez. Depois de algumas temporadas de domínio absoluto das estampas de onça e leopardo, a pele da cobra ganhou status e passou a ser usada em algumas das roupas e acessórios mais desejados da estação. Não é à toa que a Itália, pátria de marcas como Salvatore Ferragamo, Gucci e Prada, está entre as maiores importadoras desse tipo de pele no mundo. Estima-se que 3 metros do couro da serpente sejam comprados por aproximadamente 100 euros, enquanto os lucros com os produtos finais podem ultrapassar os 30.000 euros.

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Em tempos de crise econômica, moedas instáveis e clima de hecatombe financeira no ar, a Prada registrou um salto surpreendente de 74% nos lucros do primeiro semestre deste ano em relação ao mesmo período de 2010, batendo na casa dos 180 milhões de euros. Os acessórios tiveram grande peso nessa façanha. Vide as botas e carteiras de píton colorido que foram destaque da campanha clicada pelo bombadíssimo fotógrafo Steven Meisel. Mas, se os números agradam a quem contabiliza a receita, causam rebuliço entre os defensores dos animais.

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Como é comum acontecer com matérias-primas provenientes de países em desenvolvimento, a pele de cobra nem sempre é obtida de maneira legal. Em 2004, durante a última grande febre de píton na moda, a Dolce & Gabbana encantou o mundo com uma Naomi Campbell, no auge da forma física, vestida com um modelito ultrasexy de píton. Três anos mais tarde, a imagem da top model na passarela estampava a reportagem do tabloide inglês “The Daily Mirror” sobre o tratamento cruel dado às serpentes, cuja pele era arrancada quando ainda estavam vivas por contrabandistas na Ásia.

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Para garantir a procedência da pele, é preciso atender às exigências da comissão internacional que cuida de espécies ameaçadas, a Cites, formada por representantes dos governos de 175 países, inclusive o Brasil. Anualmente, a organização determina cotas para os países exportadores de peles de animais selvagens, dependendo do processo de reprodução e do grau de extinção de cada um. A Indonésia, um dos maiores exportadores mundiais de pele de píton, por exemplo, recebeu uma cota de 157.500 exemplares em 2011. Estima-se, no entanto, que, para cada animal exportado legalmente, outro seja contrabandeado. No ano passado, a polícia florestal italiana apreendeu no país o equivalente a 3 milhões de euros em animais (vivos ou abatidos) protegidos pela Cites.

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Entre as serpentes da moda, a grande estrela é a píton reticulada (Python reticulatus), a maior do planeta, que pode alcançar 10 metros de comprimento. Natural das florestas do Sudeste Asiático, ela tem escamas resistentes com padronagem geométrica e levemente irregular. Como toda pele exótica, vale a máxima de quanto mais rara, mais cara. Uma cobra de 2 metros de comprimento tem em média 24 centímetros de largura. Mesmo as serpentes maiores dificilmente ultrapassam os 35 centímetros, peculiaridade que exige destreza na hora da confecção dos produtos. A gigante francesa Louis Vuitton figura entre as grifes com preferência declarada pela píton, cujo couro provou ser mais resistente e nobre que o das cobras-d’água.

Além da cor natural, as peles da Vuitton também recebem tingimentos escuros, com pigmentos minerais. Nas peças claras, a marca elege a píton molurus, naturalmente mais pálida que a reticulada. O corte influi na padronagem: se for frontal, resulta em peles com escamas menores no centro, que aumentam gradativamente nas laterais. A outra opção é o corte dorsal, com escamas grandes no centro e menores nas laterais. A variação natural no tamanho das escamas é apreciada pelos especialistas, já que imprime um tom autêntico ao produto final. “Eu amo a pureza das linhas, e a pele de píton exalta isso da melhor forma”, diz o designer italiano Gianvito Rossi. “Além disso, acho píton superfeminina. Só espero que ela não comece a morder as mulheres”, brinca.

Desde que fundou sua marca, em 2008, o designer de sapatos Alexandre Birman privilegia as serpentes nas coleções. Foi graças aos sapatos com saltos vertiginosos feitos de pele de cobra que ele ganhou fama internacional e conquistou os pés de estrelas como Demi Moore, Leighton Meester e Kate Hudson. Hoje, sua grife consome em média 3.000 peles de píton ao ano, a maioria originária de criações na Malásia, nação em que a serpente faz parte do cardápio típico da população. “A píton foi onipresente nas últimas feiras que visitei na Europa”, diz Birman. “Toda estação pede uma estampa animal, e a onça já tinha cansado o mercado.” A pele fina e resistente da cobra possibilita a confecção de sapatos com cabedais extremamente delicados. Além disso, as manchas naturais da cobra permitem variações únicas. É um contraste de cores que outros tipos de couro não oferecem.

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Na última coleção, as sandálias e os escarpins com tingimento manual ganharam destaque. Agora, o couro da píton aparece multicolorido, em sintonia com a cartela de tons vibrantes, protagonista na temporada de verão. A italiana Salvatore Ferragamo apostou em uma versão inusitada de píton. A pele foi trabalhada para enganar os olhos e misturar a textura das escamas à padronagem pied-de-poule preta e branca. A Missoni também inovou. Depois de seis décadas associada quase exclusivamente às roupas de tricô, a grife encantou a turma da moda com longos sobretudos de patchwork de píton, como o que estampa a abertura desta reportagem. “A moda ama diversificar e encantar. O píton reflete a busca pelo precioso, pelas prerrogativas mais exclusivas da elegância”, diz a designer Angela Missoni. “Para nós, o uso da pele, do couro e de outras texturas de tecidos reflete o desejo da marca de buscar materiais que complementem as malhas.”

O verão 2012 vem com forte influência dos anos 1970, que trabalha a píton como direcionamento chave para o couro, em tons naturais, metálicos ou recoloridos. “Não só a pele da cobra, mas também sua estampa ganha força”, conta Andréa Bisker, diretora do site brasileiro de moda WGSN. Jamie Thomas, diretora de tendências do portal americano Stylesight, acrescenta: “Estamos nos afastando das estampas de onça e de zebra e indo na direção das peles exóticas”. Às consumidoras, resta eleger algumas poucas e boas peças — obviamente de píton — para fazer bonito por muitas temporadas.

 

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