“Papai Noel não tem cor”
As histórias de três bons velhinhos que representam a diversidade no Natal
A roupa vermelha de bordas e extremos brancos que combina com os gorros da mesma cor. As botas e os cintos pretos que completam o conjunto. Para terminar de montar o personagem mais famoso do Natal, dois shoppings da capital e uma empresa de bebidas resolveram mudar uma tradição até pouco tempo atrás inalterável.
Saem os velhinhos brancos de bochecha rosada e entram outros de pele negra. “Antes de aceitar o trabalho fiquei receoso e estressado, pois não sabia como seria a aceitação”, afirma o agente de trânsito aposentado José Arruda, 57. Um ano depois e em nova temporada no Shopping Metrô Itaquera, na Zona Leste, Arruda, que começou a empreitada natalina por acaso, acredita que no futuro haverá novos papais noéis diversos. “Ninguém fala que a árvore de Natal é verde, branca ou amarela. Árvore é árvore.” Entre conversas e pedidos, o que ele mais sente falta são solicitações de livros. “Até hoje só houve dois pedidos.”
Veja o relato dele e de outros papais noéis negros.
Múltiplas profissões
Carioca de nascimento, morador de Indaiatuba, no interior, e temporariamente vivendo na Zona Leste paulistana, o auxiliar de enfermagem aposentado João Carlos Silva de Araújo, 66, comemora a terceira jorna- da como Papai Noel de shopping, a primeira na capital. “Minha namorada confecciona roupas natalinas para agências e me falou para fazer a inscrição”, conta. Mas na ocasião, em 2020, a resposta foi direta. “Não há vagas para papais noéis pretos.” No ano seguinte, o posto oferecido foi em Caruaru (PE).
No início, ele conta que ficou com receio, não pela distância de casa, mas por não saber como seria a aceitação do público. “Foi imediata e logo me identifiquei como um símbolo do Natal. As crianças chegam, abraçam e não olham a cor.” A mesma receptividade vivenciada por Araújo em Caruaru foi replicada em São Paulo, mais precisamente no Shopping Light, no Centro. “Vai demorar um pouco, mas no futuro teremos papais noéis indígenas, cadeirantes.
Precisamos abrir a mente das pessoas e das empresas”, diz o Papai Noel do Light, que também se apresenta como teólogo, pastor evangélico e gastrônomo. A empreitada como bom velhinho não é sua última parada: “Estou estudando psicologia para entender esse momento”.
Horários do Papai Noel no Shopping Light: segunda a sábado, das 12h às 20h (com intervalo entre 15h e 16h), e domingos (das 11h às 17h, com intervalo entre 15h e 16h).
Quase por acidente
Aquele dia de trabalho na Zona Oeste de São Paulo, em meados de 2020, parecia ser apenas mais um quando um taxista começou a gesticular para o então agente de trânsito da CET José Arruda. “Achei que fosse alguém reclamando de multa”, diz. Não era. Do carro branco, o motorista desceu, olhou a barba de Arruda, hoje com 57 anos, e perguntou se ele nunca pensou em ser Papai Noel. “E você já viu Papai Noel preto?”, questionou o agente.
A resposta foi sim, vinda junto com o cartão de uma agência que estava procurando um personagem com as características dele.
Da Rua Teodoro Sampaio, José Arruda fez o contato, mandou uma selfie, marcou a entrevista e no mesmo dia ouviu da secretária: “Você nasceu para isso”. Dois anos depois, já aposentado, Arruda estreava no Shopping Itaquera, na Zona Leste. “Algumas crianças olham para os pais, surpresas, e falam que o Papai Noel é da cor delas. Outras não falam nada e só me abraçam. Para elas, Papai Noel não tem cor”, diz.
Entre pedidos recentes, um chamou atenção. “Uma mulher passaria por uma cirurgia no coração e pediu que eu a ajudasse. Pedi para ela fazer uma cartinha e colocar o telefone. Liguei um dia antes e dois dias depois. Ela me disse, emocionada, que teve gente próxima que não ligou e que eu me importei.”
Horários do Papai Noel no Shopping Metrô Itaquera: segunda a sábado, das 12h às 22h (com intervalo entre 16h e 18h30h), e domingos e feriados (das 12h às 20h, com intervalo entre 15h e 16h).
Maratona natalina
O Natal do Papai Noel Manoel Santos de Souza, 68, começou bem antes do dos demais. Desde o fim de outubro, ele e a caravana da Coca-Cola se deslocaram por diversos estados do Brasil, começando pelo Rio Grande do Sul.
A primeira passagem por São Paulo aconteceu no meio de novembro e englobou a capital. Entre a sexta (8) e a terça (12), o caminho será pelo interior, em cidades como Bauru, Araçatuba e Presidente Prudente.
Quando voltar para casa, em 23 de dezembro, Souza diz que vai guardar os momentos das longas jornadas. “É muito cansativo, mas é gratificante as pessoas negras chegarem no meu ouvido e chorar ao ver o Papai Noel exatamente como elas, da forma como elas nunca viram.”
Publicado em VEJA São Paulo de 8 de dezembro de 2023, edição nº 2871