Zelador do Edifício Itália é um dos mais antigos no cargo
Albertino Gonçalves começou o trabalho no endereço há 51 anos, quando o local ainda estava em obras
Na década de 60, São Paulo vivia um momento fervilhante. Projetos grandiosos como o da criação do Parque do Ibirapuera (1954) tinham surgido anos antes no cenário, e outros que ajudariam a mudar a cara da metrópole começavama sair das pranchetas, caso do Copan, concluído em 1966. As oportunidades desse canteiro de obras atraíram para cá gente como Albertino Gonçalves, um baiano criado em Ourinhos, no oeste paulista, que decidiu se candidatar à vaga de eletricista na construção de um arranha-céu na esquina das avenidas Ipiranga e São Luís, o futuro Terraço Itália. Ao ser inaugurada, em 1965, a estrutura se tornaria a maiorda cidade, marco que durou apenas até o ano seguinte, com a chegadado Palácio W. Zarzur, conhecido como Mirante do Vale, com 170 metros (10 a mais que o Itália).
Passados 51 anos, Gonçalves continua a trabalhar diariamente no prédio que ajudou a levantar. À frente da zeladoria do condomínio desde 1976, o homem tranquilo de 72 anos coordena uma equipe de mais de oitenta pessoas, entre porteiros, seguranças, faxineiros e ascensoristas. “Quando cheguei aqui, jamais poderia supor que o edifício se tornaria tão importante para a cidade”, diz. Entre visitantes famosos que viu por ali, está a rainha Elizabeth II, em 1968. “Foi colocado um tapete vermelho na calçada para ela caminhar, e viemos com nossas melhores roupas”, recorda.
Responsável pela área comum, de cerca de 11.000 metros quadrados, considerando corredores, escadas e o saguão, Gonçalves tem na ponta da língua qualquer dado sobre o empreendimento: número de elevadores (dezenove), de ascensoristas (36, em turnos variados), de cartas que chegam por dia (cerca de 3.000). “Como ele trabalhou na construção, sabe todos os detalhes da estrutura”, afirma Paulo Bom, da administradora Adaplan, responsável pelo condomínio. O conhecimento histórico é alimentado com uma rotina disciplinada: uma vez por semana, o zelador sobe até o topo e vai descendo todas as escadas, vistoriando cada pavimento. “Anos atrás, fazia isso diariamente, mas o fôlego diminuiu”, admite Gonçalves, que mora com a mulher em Atibaia, a 67 quilômetros da capital, e se desloca de lá até São Paulo de ônibus fretado (gasta três horas, somando a ida e a volta).
Como é natural em um lugar por onde passam a cada dia 8.200 pessoas, o zelador não agrada a todos. Dono de um conjunto no 21º andar, o engenheiro Marco Palermo se queixa da limpeza das áreas comuns. “O lixo fica acumulado durante dias, sem ser recolhido”, afirma. O advogado Ricardo Trotta, proprietário de um escritório no mesmo pavimento, acredita que o prédio precisa de alguém mais novo para a função. “Não vejo com bons olhos uma pessoa ficar tanto tempo em um cargo”, critica. No momento, Trotta move uma ação para destituir o chefe direto de Gonçalves, o síndico Lorenzo Del Maffeo. Um dos motivos do processo é o salário mensal de cerca de 25.000 reais do síndico, remuneração que gera espanto dentro e fora dos corredores do edifício.
Questionado sobre as críticas, o zelador desconversa. “Ninguém nunca falou nada para mim”, diz o discreto profissional, que em mais de meio século no complexo apenas uma vez almoçou, ao lado de outros empregados, no restaurante Terraço Itália, o mais conhecido inquilino de lá, no 41º andar, com sua deslumbrante vista da capital. Ele não pensa em repetir a experiência. “Eu ficaria pouco à vontade, pois não é ambiente para mim”, justifica.