Programa ‘Garagem’ volta ao rádio em edição única na 89 FM
Atração que ficou conhecida por esculhambar nomes intocáveis da música nacional celebra 25 anos no sábado (12)
Se a semana começou repleta de mensagens em homenagem a Caetano Veloso, que completou 75 anos na segunda-feira (7), o mesmo não deve acontecer no próximo sábado (12). Pelo menos não durante o programa de rádio Garagem, que fará uma edição especial para celebrar 25 anos de transmissão, entre diversas indas e vindas. Desde 2013, não há uma agenda fixa. A atração terá cinco horas de duração e vai ao ar pela 89 FM e também pelo site da emissora, a partir das 23h59, logo após a apresentação de Caetano em São Paulo, no Festival Coala.
O Garagem costumava ocupar as madrugadas de segunda para terça-feira e ficou conhecido por questionar ferrenhamente os louros de astros consagrados da música nacional. Em certa edição, toda a discografia de Caetano foi literalmente furada, rasgada, esfolada, fritada na chapa, lixada e até atropelada por um carro. Mas o alvo não era só o músico baiano. Outras figuras importantes e aparentemente unânimes para o gosto popular e para a crítica especializada, como Gilberto Gil, Carlinhos Brown, Gal Costa e Arnaldo Antunes, foram julgados pela trupe. Quando elogiava a música brasileira, a equipe costuma ir por um caminho mais alternativo.
A estreia, em março de 1992, na Gazeta FM, tinha como formação original a dupla de jornalistas André Barcinski e André Forastieri. Esse último acabou saindo logo no começo, mas continuou a fazer aparições esporádicas. Na segunda fase, na rádio Brasil 2000, o programa já trazia um time fiel de ouvintes (o pico de audiência foi de cerca de 15 000 pessoas) e era apresentado, além de Barcinski, pelos jornalistas Paulo César Martin, o Paulão, e Álvaro Pereira Jr., que haviam trabalhado com Barcinski no extinto Notícias Populares, jornal famoso por trazer manchetes debochadas sobre crimes e por fazer um texto fácil, sem firulas. Nesta época da Brasil 2000, a direção artística da rádio, então encabeçada por Kid Vinil, chegou a receber um abaixo-assinado pedindo o fim do programa por causa das brincadeiras com os artistas.
As músicas escolhidas a dedo pelos apresentadores eram majoritariamente internacionais e iam desde as melodias facilmente assoviáveis do conjunto galês Manic Street Preachers, até a barulheira mecânica do Ministry, grupo norte-americano de rock industrial, cuja estreia no Brasil se deu no programa. “A nossa ideia sempre foi colocar som alternativo e de ponta, bandas que estavam nascendo naquela época”, comenta Paulão. Ainda assim, de vez em quando rolava uma escorregada nostálgica, e conjuntos clássicos do naipe de The Clash, MC5, The Cramps e The Stooges iam pro ar.
“Vários ícones nacionais foram entrevistados por nós, inclusive muita gente que já se foi, como o ator Jorge Loredo (famoso pelo Zé Bonitinho), o cantor Jerry Adriani, Jacinto Figueira Júnior (o Homem do Sapato Branco) e muitos outros”, lembra Paulão. Outras figuras sabatinadas pelo Garagem são o jornalista Marcelo Rezende, o ator e diretor José Mojica Marins, também conhecido como Zé do Caixão, a cantora Chan Marshall (Cat Power), Ian Mcculloch, vocalista da banda Echo & the Bunnymen, Gretchen, e por aí vai. Isso sem falar nos talentos revelados pelo Garagem, dentre os quais se destaca o sorumbático Jota C, praticamente um Morrissey (ex-vocalista do The Smiths) brasileiro.
Além dos apresentadores, faziam parte do programa os “escravos” (espécie de estagiários), a “espetacular Larissa” e a “destemida Verônica”, que atendiam as ligações dos ouvintes, os DJs, responsáveis por equalizar as microfonias, o comentarista Fábio Nipo-luso, um descendente de japonês fanático pela Portuguesa, que só se vestia com camisetas do clube, e muitos outros. Mas a grande protagonista era a Ana Maria Broca, uma furadeira responsável por tratar os desagrados musicais dos apresentadores de forma pouco católica.
Outro elemento constante eram quadros como o “Vivo ou Morto?”, que convidava os ouvintes a acertar o paradeiro de grandes personalidades, e as promoções. Nessas, os ouvintes precisavam inventar soluções criativas para as perguntas boladas pela turma. Em uma das edições, a questão era: “Qual seria o nome da biografia de Caetano Veloso se ela fosse escrita por Paulo Coelho?”. O escritor tinha acabado de ser nomeado membro da Academia Brasileira de Letras. Entre as respostas, só criações geniosamente impublicáveis. Os vencedores geralmente ganhavam DVDs e CDs recém-lançados, além de ingressos para as festas promovidas pelo Garagem, todas produzidas na raça, com poucos recursos e sem lucro para os apresentadores – assim como tudo por lá.
“Para nós, era um hobby e uma brincadeira. Tínhamos e temos noção da importância dos artistas que criticávamos, mas achamos importante fazer frente a quem não tem o costume de ser questionado”, lembra Paulão. Todo esse universo caótico deve ser relembrado e reproduzido no sábado. Os ouvintes também poderão participar de quadros, de uma promoção, e gargalhar com trechos de programas passados e a presença de convidados. Até lá, quem quiser aquecer os ouvidos pode acessar o acervo digital, que reúne boa parte da história do Garagem.