Há dois anos namoro um casaco azul. Mas quando olho a etiqueta do preço sinto calafrios. “Um dia terei este casaco!”, penso. Há uma semana recebi um e-mail da loja anunciando liquidação de 50%! Melhor dizendo, “sale”, pois é assim que as grifes batizaram a boa e velha temporada dos descontos. “Chegou a hora!”, decidi.
No shopping, passei duas vezes em frente à vitrine do estabelecimento, para conferir. Entrei, tentando aparentar desinteresse:
— E aí, tudo bem? Novidades?
— A loja inteira está a 50%! Aproveita! — anunciou o vendedor.
— Não sou um cliente de liquidação! — menti. — O importante não é o preço, mas se eu gosto!
— Claro, claro! Vou mostrar tudo o que temos do seu número! — respondeu ele.
E me atirou calças, camisas, pijamas e paletós. E lá estava ele: o casaco azul!
— Vocês ainda têm esse casaco? É da coleção passada. Encalhou? — desdenhei.
— É um clássico, temos em todas as coleções — mentiu descaradamente o vendedor. — Experimenta!
— Não sei… — disse, enquanto agarrava o casaco.
Vesti. Olhei-me no espelho. Ombros perfeitos. Mangas idem. Mas a cintura… por poucos, por mínimos centímetros os botões não fechavam! Respirei fundo. Prendi o ar. O casaco fechou com uma folguinha! Dei dois passos, sem exalar.
— O caimento está ótimo! — anunciou o vendedor.
Fiz que sim com a cabeça, para não respirar.
Contemplei-me mais uma vez! Minha silhueta estava mais longa! Eu também estava ficando tão azul quanto o casaco, mas relevei o problema. “Quem sabe posso viver sem respirar! Só não posso perder a liquidação!”, pensei, enquanto meus pulmões clamavam por oxigênio.
De repente, sem querer, dei uma golfada de ar. Os botões estouraram.
— Ihhh… Acho que engordei um pouquinho.
— Muita gente usa sem abotoar, fica muito bem! — argumentou o vendedor, de olho na comissão.
Abanei a cabeça. Comprar roupa que não abotoa é lamentável, convenhamos. Suspirei, pensando nos quilos que perdi, mas achei novamente!
De coração partido, devolvi o casaco dos meus sonhos.
— Fica para outra.
— Veja este aqui, o corte é diferente! O preço está maravilhoso! — atacou o vendedor, mostrando outro, de couro preto.
Quase enfartei. Quinze dias atrás eu comprara o casaco. Pelo dobro! O preço era bem mais em conta, mas também tinha causado um rombo no meu cartão de crédito. Que eu nem havia pago ainda, que horror! Acordava todos os dias torcendo para ventar e esfriar. Só para usar o casaco e compensar o desfalque. Agora, na liquidação?
— Se já ia começar a liquidação, por que não me deu um toque quando comprei? — rosnei.
— O dia da liquidação é sempre uma surpresa. Nunca sei quando vai começar! — garantiu o vendedor.
— Ah, é? E como me mandou o e-mail?
Em um gesto rápido, ele mostrou uma blusa listrada.
— Esta aqui vai ficar ótima no seu corpo. Listras verticais emagrecem.
— Amigo, o que emagrece é regime! — respondi. — Quero ver aquela outra ali!
— Dessa não temos o seu número!
Fugi! Nada mais odioso para quem está com uns quilinhos extras do que ouvir essa frase. Também nada mais frustrante que sair de mãos vazias de uma liquidação!
Voltei a meu apartamento de mau humor. Anoiteceu. Sentei-me na varanda, como faço todas as noites, para meditar acompanhado de meu charuto. Contemplei o céu. E lá estava a lua!
Tomei consciência: a lua é gorda! Fica minguante, depois cresce e acaba cheia. Sorri, já me sentindo novamente em paz com o efeito sanfona! Se a lua pode, por que eu não posso?