Preconceitos, há velhos e novos. Como os pecados, eles também se repartem em capitais e veniais. Há aqueles que dão cadeia e os leves, chamados por quem os pratica de atitude, ponto de vista, posição, hábito, modo de pensar, gosto, opinião, cultura…
Um dos mais novos é contra cachorros. Principalmente os pequenos, aqueles peludinhos, que desfilam com fita no cabelo, ou seja lá como se deve chamar o pelo da cabeça dos cachorros, e com luvas nas patinhas, ou seja lá como se chamam aquelas pecinhas tricotadas que certas senhoras calçam em certos cães.
Esse preconceito pode ser visto como extensão do preconceito de classes. É praticado pela turma ideologicamente pró-vira-latas contra os grã-finos de pedigree e as madames dos lulus. Os vira-latenses consideram ostentação os cachorrinhos chiques, e os colocam no pacote de rejeição junto com as bolsas Louis Vuitton e os sapatos cravejados de cristais Swarovski. Por sua vez, as elegantes e seus homens maravilhosos levantam sobrancelhas para os vira-latas e seu entorno.
Ainda cachorros: há preconceito também contra os fortes, corpulentos, vistos como perigosos por mais que os donos garantam que são uns fofos. Não dá para esperar para ver se aquele cão que vem lá, poderoso, massudo, é dos que atacam, dos que só cheiram ou dos que não estão nem aí para bípedes. A enorme quantidade de vítimas justifica o preconceito. Donos insistem em levar para a rua, sem focinheira, às vezes sem coleira e guia, cães que provocam calafrios nos passantes, pit-bulls, dobermanns, weimaraners, filas, mastins e rotweillers, como se fossem uns fofos inofensivos. Sabe-se que o cão assimila a agressividade do dono – e quem é que sabe se aquele dono que vem lá é um fofo inofensivo?
Há outros novos preconceitos. Contra a escola pública, por exemplo. Quem é que por livre escolha põe os filhos no ensino público? No entanto, quase toda a geração de intelectuais, cientistas, médicos, políticos, artistas, empresários, engenheiros e advogados que hoje está acima dos 70 anos estudou na escola pública. Deixaram o sistema se degradar, por descaso e interesses. O preconceito hoje se justifica, fomos empurrados para ele.
Transporte coletivo. Era a norma urbana, quase a única opção. Depois dos anos de 1960, do boom do automóvel e da prosperidade da classe média, demonizou-se o coletivo. Hoje, mesmo que o trânsito esteja um caos e que o trajeto de ônibus seja mais rápido, quem encara um busão?
Fumantes.– quem aguenta? Mas fumar já foi um charme.
Quem não faz caras e olhares para um estilo brega de vestir? Ou para um visual dark, rastafári, gótico, grunge, punk? Se você não olha, se finge que não os vê, os dessas tribos se sentem frustrados. Nesses casos, o olhar preconceituoso é prêmio, porque eles precisam da reprovação.
Até entre gramáticos e dicionaristas trafegam preconceitos escondidos. No Aurélio, você encontra o adjetivo “bem-amado”, mas não “mal-amado”. Você vai seguindo os verbetes: mal-afeiçoado, mal-afortunado, mal-agradecido, mal-ajambrado, mal-ajeitado, tudo no masculino, e, de repente: mal-amada. Não existe homem mal-amado? Só mulher?
Se surgiram novos preconceitos, nossa época viu acabarem-se vários.
Um deles discriminava a cachaça. Ela era a última das últimas bebidas, confinada aos botequins de quinta, vício de bebum pobre. Hoje, está nos restaurantes mais finos, tem eventos de degustação, apregoa seu terroir, há marcas mais caras do que o uísque mais idoso das prateleiras e tão apreciadas quanto os destilados mais nobres.
Havia gente que não carregava embrulho, coisa de pobre. Hoje, com as sacolas de grifes, damas chiques exibem-se carregando as compras. Tênis só se usava nos ginásios esportivos. Calças jeans em festas ou no trabalho? Nem pensar. Abriram-se espaços para os gays. Moças solteiras não virgens não precisam mais esconder sua condição – aliás, agora é o contrário. Como acontecia com os meninos depois dos 14, a moça depois dos 16 tem vergonha de ser virgem.
Tudo muda.