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Violência em Paraisópolis, a segunda maior favela da cidade

Incrustada no Morumbi, a favela tem 80 000 moradores e uma loja das Casas Bahia que fatura 1 milhão de reais por mês. Na semana passada, seu vandalismo chocou os paulistanos

Por Filipe Vilicic, Giuliana Bergamo, Maria Paola de Salvo e Sara Duarte
18 set 2009, 20h28

Nas 17 700 casas de alvenaria, boa parte delas sem revestimento, vivem cerca de 80 000 pessoas. Algumas moradias foram erguidas em ruas com nomes de pensadores do século XiX, como o francês Ernest Renan e o inglês Herbert Spencer. Entre os 3 100 estabelecimentos comerciais, predominam lojinhas de roupa e de material de construção, em que um saco de cimento custa 22,80 reais e as compras podem ser pagas em 48 vezes, e botecos. Muitos botecos. O Batucão, uma danceteria de fachada preta, é o principal ponto de encontro dos jovens que curtem funk e rap – seis em cada dez moradores têm até 25 anos de idade. Ao contrário da maioria das favelas de São Paulo, que ficam na periferia, Paraisópolis tem um quê carioca. Assim como a Rocinha, Dona Marta e Cantagalo, localizadas nos bairros de São Conrado, Botafogo e Ipanema, respectivamente, ela é encarapitada no coração de um dos pontos mais nobres da capital, o Morumbi. E, assim como as favelas do Rio de Janeiro, foi palco na semana passada de momentos de horror e medo. Foram cenas incomuns de desrespeito à ordem pública que não só chocaram a vizinhança mas também todos os paulistanos que acompanharam os episódios pela TV.

A razão do vandalismo teria sido a morte de Marcos Porcino, de 25 anos, morador da favela e foragido desde setembro do presídio Franco da Rocha I. No domingo 1º, por volta das 12h30, uma viatura policial deparou com dois veículos, um Stilo roubado e um Palio Weekend, em alta velocidade e na contramão na Rua Taubaté, próximo ao Cemitério do Morumbi. Os policiais barraram o Stilo fechando a rua. Houve troca de tiros e Porcino morreu. Seu comparsa, Antônio Galdino de Oliveira, de 24 anos, que dirigia o Palio, foi preso por porte ilegal de arma. Como Oliveira é cunhado do mandachuva do tráfico local, Francisco Antonio da Silva, conhecido como Piauí, o episódio causou alvoroço entre os delinquentes de Paraisópolis. A Polícia Militar suspeita que o próprio Piauí, um dos líderes da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC), possa ter desencadeado a reação violenta de dentro da Penitenciária Nestor Canoa, em Mirandópolis, interior do estado. Ele cumpre pena desde agosto do ano passado por sequestro, receptação, roubo e falsidade ideológica.

Além de ter deixado quatro policiais e dois moradores baleados, o conflito provocou ocupação pela PM dos principais acessos à favela. Desde quarta (4), o Batalhão de Choque assumiu o comando da operação. Quatrocentos policiais, 100 viaturas e um helicóptero ficarão ali por tempo indeterminado para reprimir a ação dos traficantes. “A região é afetada por problemas sazonais. Recentemente, houve um aumento das ações de quadrilhas que roubam casas”, diz o secretário da Segurança Pública, Ronaldo Marzagão. De 23 de dezembro a 4 de janeiro, dez residências próximas da favela foram assaltadas. “Agimos e baixamos a incidência em 50%.” De 4 de janeiro a 3 de fevereiro, foram cinco casas roubadas. O que mais preocupa o poder público, no entanto, é o elevado número de ocorrências de tráfico de drogas. A 6ª Companhia do 16º Batalhão da PM, que cuida de Paraisópolis e imediações, registrou 66 no ano passado. É assustador. Nas outras 101 companhias da capital, a média é de quinze registros dessa natureza. A Rua Doutor Laerte Setúbal, uma travessa da Avenida Giovanni Gronchi, é o ponto de tráfico mais famoso dali, onde garotos ricos costumam buscar crack, cocaína e maconha.

A segunda maior das 1 603 favelas de São Paulo, Paraisópolis tem algumas peculiaridades. Uma delas é a convivência pacífica com sua vizinhança. Segundo estimativa da associação local dos moradores, 78% da população economicamente ativa trabalha no Morumbi e redondezas. São garçons, babás, porteiros e empregadas domésticas, entre outros. “Eles representam a mão-de-obra que faz o bairro funcionar”, diz Paulo Maia, proprietário da Pizzaria Mercatto, que atualmente emprega quatro moradores da favela. “Houve épocas em que quinze dos meus 23 funcionários eram de Paraisópolis.” O presidente das Casas Bahia, Michael Klein, que inaugurou uma filial da rede há três meses em Paraisópolis, acredita que contratar “moradores-funcionários” facilita os negócios. Quase metade dos 43 funcionários reside ali. “Por já conhecerem a clientela, eles sabem que produtos oferecer e em quem podem confiar na hora de analisar o crédito”, afirma Klein. Natural de Pernambuco, Antônio Marcos Santana Ferreira, de 21 anos, um daqueles moradores-funcionários, está satisfeito com o novo trabalho. “Só com as vendas de Natal recebi 1 600 reais líquidos”, conta. A loja fatura 1 milhão de reais por mês, contra 700 000 reais dos pontos nos shoppings West Plaza e Plaza Sul. O comércio de móveis responde pela maior fatia do bolo (35%). No mês passado, foram 1 920 pedidos, metade deles itens de dormitório. O volume é o dobro do registrado em lojas de shopping. “Isso acontece porque muitos comerciantes não têm coragem de entregar ou mandar montar os móveis dentro da favela. Nós somos os primeiros”, afirma Michael Klein.

Outro diferencial de Paraisópolis é a quantidade de ONGs que adota a favela. Hoje, 54 instituições atuam ali, vinte a mais que em Heliópolis, por exemplo. O programa de voluntários do Hospital Israelita Albert Einstein, que realizou 300 000 atendimentos a crianças e adolescentes no ano passado, é um dos mais disputados. Eles são recebidos em um complexo de 4 500 metros quadrados, com ambulatório médico, salas de fisioterapia e fonoaudiologia, biblioteca, brinquedoteca, auditório e quadra poliesportiva. “Fico muito brava quando ouço alguém dizer que aqui só tem bandido”, diz a voluntária Telma Sobolh. “Batalhamos muito para dar mais oportunidades à população.” O Colégio Visconde de Porto Seguro também tem serviços concorridos. Com mensalidades que variam de 1 185 a 1 530 reais, há 43 anos a escola de origem alemã criou um programa de bolsas que já formou quase 2 000 alunos carentes. Dos atuais 4 200 matriculados da educação básica ao ensino médio, 500 vivem em Paraisópolis. Os estudantes recebem gratuitamente aulas, merenda, excursões, material escolar e uniformes. Na última seleção, apresentaram-se 368 candidatos para concorrer a 31 vagas. Os pais deles obtêm outro tipo de apoio: podem fazer cursos de manicure, confeitaria ou artesanato.

A favela, que ocupa uma área equivalente à de 97 campos de futebol, nasceu nos anos 20 de um loteamento de 2 200 pequenos terrenos. Chamado de Fazenda do Morumbi, o local permaneceu desocupado por mais de duas décadas, até ser invadido por migrantes nordestinos, atraídos pela promessa de emprego na construção civil. Em 1970, 20 000 pessoas já ocupavam o espaço irregularmente. De acordo com a urbanista Suzana Pasternak, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, a explosão demográfica em Paraisópolis acompanhou a tendência da cidade. “Em 1973, 1% dos paulistanos morava em favelas, e atualmente o índice chega a 12%”, afirma. “Um morador de Paraisópolis leva em média 24 minutos de casa para o trabalho. É pouquíssimo se comparado às três horas que costumam gastar os moradores de favelas que ficam na periferia”, diz o sociólogo Nelson Baltrusis, autor de duas teses sobre Paraisópolis.

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Essas facilidades têm um preço. A densidade populacional em Paraisópolis é alta: 1 000 habitantes por hectare, contra trinta habitantes por hectare do Morumbi. Apenas uma em cada cinco residências é abastecida de rede de esgoto, metade das ruas é de terra batida e cerca de 60% das casas utilizam “gatos” para obter energia elétrica. “Fora da área onde havia os loteamentos originais, o terreno é cheio de declives e os dejetos correm a céu aberto”, afirma Suzana Pasternak, da USP. Com a população de uma cidade como Bebedouro, no interior do Estado, a favela não tem o que se pode considerar essencial em um bairro.

Para tentar sanar esses problemas, Paraisópolis está em fase de reurbanização. De 2006 até agosto de 2008, os governos municipal, estadual e federal investiram 20 milhões de reais na construção de 56 casas, 278 apartamentos da CDHU, um muro de arrimo com 120 metros de extensão e uma escadaria com 187 degraus que liga a favela à Avenida Giovanni Gronchi. Até 2010, prometem empregar outros 170 milhões de reais. A ideia é entregar 2 344 novas moradias, um posto de saúde e uma Assistência Médica Ambula-torial (AMA), canalizar um córrego e inaugurar uma estação coletora de esgoto. Além disso, deve ser concluída a construção da Avenida Perimetral, planejada para desafogar o trânsito local. “Vamos transformar Paraisópolis em bairro e integrá-lo à cidade”, diz o secretário municipal de Habitação, Elton Santa Fé Zacarias. O processo de regularização dos terrenos, no entanto, está longe do fim. Cerca de 90% dos domicílios ainda estão irregulares, ou seja, não têm escritura nem pagam IPTU. O mais importante agora, porém, para os moradores e vizinhos, é que a paz volte a Paraisópolis.

Os números da segunda maior favela de São Paulo

80 000

pessoas vivem nos 17 730 domicílios de Paraisópolis. A campeã Heliópolis tem 120 000 moradores em 18 000 domicílios

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800 000

metros quadrados é a área total, o equivalente a 97 campos de futebol

3 100

é o número de estabelecimentos comerciais, entre eles três danceterias e um cinema

90%

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dos 20 830 imóveis estão irregulares

55%

das famílias residem no local há mais de onze anos

35 000

reais custa uma casa com um quarto, sala e banheiro

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78%

dos moradores com emprego fixo trabalham no Morumbi

614

reais mensais é a renda média familiar

91%

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dos habitantes com mais de 15 anos de idade têm CPF

54

instituições do terceiro setor atuam ali, como ONGs, escolas e hospitais. Em Heliópolis, são 34

Fontes: Pesquisa Programa Einstein na Comunidade de Paraisópolis, Secretaria Municipal de Habitação e União dos Moradores de Paraisópolis

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