Paulistanos com imóvel próprio voltam para a casa dos pais para ter renda
Com a família ou em república formada com amigos, objetivo é obter receita com aluguel
Após passar um ano sem conseguir novos trabalhos, Leonardo Miggiorin, 39, precisou tomar uma decisão: alugar o apartamento próprio e voltar a morar na casa dos pais. “Não recebi recursos ao longo do ano passado e tive de sair da zona de conforto”, resume o ator, conhecido por papéis em seriados e novelas como Presença de Anita e Mulheres Apaixonadas. “Até pensei em vender bolo, aprendi a fazer vela, virei marceneiro…” A mudança vivida por Miggiorin na pandemia é a mesma de muitos dos paulistanos que têm casa ou apartamento próprio na cidade — seja pela alternativa para cortar gastos, conseguir uma fonte de renda após ter sido demitido ou simplesmente retornar à segurança da casa da família afastada da capital.
“Muitos devolveram o imóvel por perder o emprego ou para conseguir reduzir as despesas.” Hoje em dia a rentabilidade média (do aluguel) é de 5% ao ano, além do potencial para a valorização do bem. Alugar neste momento tem sido um bom negócio”, confirma Marcello Romero, CEO da imobiliária Bossa Nova Sotheby’s. “Com o home office, muitos moradores da capital voltaram às cidades de origem e estão locando os espaços”, complementa Fábio Tadeu Araújo, sócio-diretor da Brain Inteligência Estratégica. “Na nossa sede, onze pessoas retornaram à cidade onde nasceram.”
+Assine a Vejinha a partir de 6,90.
Após ser demitida, a supervisora comercial Grace Cury, 54, precisou sair do apartamento próprio no Butantã depois de ter morado por quase dez anos na região. “Assim, pelo menos, ele ‘se paga’ e deixo de gastar com IPTU e condomínio”, pondera. Agora, ela e o filho de 11 anos vivem com os pais e a irmã. “Isso mexe com a gente emocionalmente, pois somos obrigados a voltar aos velhos hábitos e o clima pode ficar tenso. Se fosse só eu, acho que teria ido para uma pensão.” Meses depois, Grace já conseguiu um novo emprego e espera poder retornar ao apartamento em breve. Essa fase, para ela, ensinou algumas lições.
“O golpe financeiro me deixou mais desapegada”, conta. “E comecei a ser mais tolerante, percebi quanto tenho de ser mais humilde… Passei a ter mais paciência com meu filho, antes eu vivia na linha workaholic e hoje me dou pausas, porque nem tudo é dinheiro.”
+Assine a Vejinha a partir de 6,90.
“Na minha profissão, nunca existiu ano pior do que esse”, desabafa Ana Carolina Begliomini Nicola, 40, que também foi desligada do trabalho como coordenadora de segurança de voo em dezembro de 2019. “A aviação já vivia tempos ruins e dois meses depois começamos a ver as notícias.” No seu caso, Ana morava em um apartamento alugado no Jardim Aeroporto e, depois de alguns meses de incerteza, escolheu entregar o imóvel.
“Mas ainda bem que tenho para onde voltar”, comemora. Ana tem aproveitado o período para conviver com os pais e rever fotos antigas. “Se eu estivesse envolvida na profissão, ficaria mais alguns anos sem ter esse tempo com eles… Quando voltei, percebi como os anos passaram rápido e ambos estão mais idosos. Tive de entrar em outro ritmo.”
+Assine a Vejinha a partir de 6,90.
Da região de Osasco, o analista comercial Lucas Moretti, 25, migrou para a Mooca em uma república criada com mais três amigos. “Tive de abrir mão da vontade de morar sozinho, tudo era caro e pequeno”, observa. “A mudança me deu mais liberdade e minhas despesas, divididas entre quatro pessoas, são menores do que gastava antes morando com a família, mesmo sem pagar aluguel. E, por morar mais perto do centro, gasto menos com Uber.”
Para Débora Rodrigues, 35, o retorno à vida com os pais incluiu as vantagens de viver no campo. “Eles moram em um sítio em São João da Boa Vista e agora tenho espaço, sol e a sensação de liberdade por estar na zona rural.” Em sistema home office desde o início da pandemia, ela decidiu alugar o apartamento de 40 metros quadrados em Moema e ficar no interior. “É uma decisão que adiei demais. O maior problema na cidade era ficar fechada em uma ‘caixa’ com o custo de vida alto do mesmo jeito.”
Para guardar móveis e pertences, optou por alugar um grande locker do M3storage, que custa cerca de 200 reais por mês. No novo cenário, Débora também ganhou ânimo para outras atividades. “Além do meu trabalho com gestão de projetos, voltei para a faculdade, estudo francês, saio para caminhadas e faço ioga em casa.” A vida com os pais também tem sido um lazer especial. “Neste momento tão apreensivo é bom estar com eles, considero isso um presente.”
+Assine a Vejinha a partir de 6,90.
Publicado em VEJA São Paulo de 31 de março de 2021, edição nº 2731