Paulo Mendes da Rocha como pai, professor e parceiro de trabalho
O relato de Pedro Mendes da Rocha, filho do arquiteto, sobre o pai em diferentes papeis; "É difícil pensar que vou ligar e ele não vai atender"
A trajetória do arquiteto Paulo Mendes da Rocha, morto no dia 23 de maio, aos 92 anos, é abordada usualmente pelo viés profissional, dado os muitos prêmios que recebeu: o Pritzker, em 2006, o Leão de Ouro, em Veneza, em 2016, e o Mies van der Rohe de Arquitetura Latino-Americana em 1999 e 2000. Contudo, é possível ampliar esse enfoque, a partir das diferentes perspectivas trazidas pelo filho dele, o também arquiteto Pedro Mendes da Rocha, 58 anos.
Paulo Mendes, como o chamavam os colegas, surge para Pedro em variados papéis. Além da vida familiar, ele teve o pai ao seu lado, ou melhor, à frente, no tablado, no ensino superior. “Estudei na USP, na FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo). Ele dava aulas lá desde os anos 60. Não era um professor que ficava focado na formação do aluno para o mercado, mas um provocador, chacoalhava as convicções dos estudantes”, relembra.
Além de pai e professor, Pedro também teve a companhia de Paulo como parceiro em trabalhos importantes, como o conjunto de intervenções realizadas na reforma do Museu da Língua Portuguesa, em 2006; o Museu das Minas e do Metal, em Belo Horizonte, inaugurado em 2010; e a criação do projeto do Museu Brasileiro de Escultura e Ecologia (MuBE), em 1986. Desse último, ele não participou do detalhamento e execução da proposta. “Ele era muito gentil com quem trabalhava, estabelecia uma relação de confiança e respeito”, assegura o filho, trazendo outras iniciativas que eles iriam fazer em conjunto, mas acabaram não saindo do papel: “Tinha a sede do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC-USP), no câmpus do Butantã, o museu da Casa Daros, no Rio, e outro museu em Havana, que não teve sequer o projeto publicado. Enfim, uma porção de sonhos que não avançaram”.
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Quando a atenção se volta para o convívio familiar, Pedro recorda a infância e a mudança para a casa que o pai construiu no Butantã. As manhãs naquela residência continuam vivas. “Meu pai era uma figura. Acordava com seu famoso robe de chambre. Ainda usava um tamanco engraçado”, revela. Persiste igualmente com ele a lembrança da personalidade de Paulo. “Ele era muito amigo, brincalhão, mas exigia que tivéssemos opinião.” Com a imposição da partida, Pedro muitas vezes lança mão de silêncio. As longas pausas têm justificativa: “Parece que ainda não caiu a ficha. Ele estava tão bem em dezembro passado. Era tão lúcido e ativo que parecia imortal. É difícil pensar que vou ligar e ele não vai atender”. Seu relato se completa na página a seguir, com uma espécie de roteiro do legado do pai, comentado por Pedro, companheiro de toda hora de um dos últimos gigantes da arquitetura no país.
Casa Butantã, 1966
“Acho que eu tinha 4 anos quando a gente mudou para lá. Parecia um pedaço do paraíso. Amplo, iluminado, aberto. Havia uma ligação com a casa da minha tia, que ficava ao lado. Isso se dava por um jardim que ficava em um nível elevado. Quando chovia, a gente andava de patins lá, skate também.”
MuBE, 1995
“Trabalhei na equipe que criou o projeto para o museu. Foi feito um concurso e, no dia do resultado, o Roberto Saruê, que era da comissão, ligou lá em casa e disse: ‘Paulo, todo mundo está telefonando para saber quem ganhou, menos você, que foi o vencedor’.”
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Pinacoteca, 1998
“O teto visto no pátio central da Pinacoteca é uma reedição do teto visto também no pátio da FAU, projeto do Vilanova Artigas. Meu pai dizia que era uma solução tão boa que não precisava ficar inventando.”
Museu da Língua Portuguesa, 2006
“Fizemos em conjunto este projeto de reforma. O fluxo de circulação do metrô e de trens, mais agitado, não podia entrar em conflito com o fluxo da entrada de visitantes no museu. Por isso, usamos dois pátios, que antes serviam para estacionar carros, como pontos de entrada e saída da instituição.”
SESC 24 de maio, 2017
“Este projeto é uma espécie de coroamento de uma série de convicções do meu pai. O térreo é uma continuidade das calçadas, há um desejo de comunicação com a cidade. Há vidros na fachada, mas pode-se dizer que eles estão ali só para segurar o vento e a chuva.”
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Publicado em VEJA São Paulo de 09 de junho de 2021, edição nº 2741