Isabelle Huppert cria personagem fascinante em novo filme de Hong Sang-soo
‘As Aventuras de Uma Francesa na Coreia’ reflete sobre as profundezas emocionais em terras estrangeiras

O encontro entre duas culturas diferentes pode ser conflituoso e, ao mesmo tempo, enriquecedor para ambas as partes. Há um sentimento único, bem específico, difícil de descrever, que surge quando estamos diante do desconhecido — ou somos os desconhecidos — em um território estrangeiro e que fascina tanto pela admiração ao novo quanto pelo incômodo respeitoso dos desencontros.
Novo longa do diretor e roteirista Hong Sang-soo, As Aventuras de Uma Francesa na Coreia (o título em inglês e coreano é algo mais universal, como “As Necessidades de Uma Viajante”) debruça-se sobre essa sensação com uma protagonista vivida pela “one and only” Isabelle Huppert.
Na terceira e bem-sucedida parceria com o diretor coreano, a atriz francesa vive Iris, uma mulher enigmática em Seul. Não se sabe por que nem por quanto tempo ela está no país, pode-se apenas imaginar pelas pequenas pistas que dá ao longo do filme.
Para conseguir sustento e encontrar seu lugar na Coreia, recorre a um método inusitado para ensinar francês. Em vez de apresentar palavras e expressões comuns ou conversar no idioma, ela questiona os alunos sobre sentimentos profundos que tiveram em determinada experiência e traduz as frases usadas por eles.
O que você sente ao ver o nome do seu pai falecido gravado em uma pedra? O que você sente ao ver seu marido recitar um poema? Então, Iris registra a pronúncia em um gravador e entrega-o para que possam repeti-las sozinhos, “no quarto, na escuridão da noite”.
A técnica misteriosa cria um estranhamento nos personagens por si própria, mas também pelo choque entre costumes franceses e coreanos, com situações embaraçosas. A protagonista faz questão de cumprimentar os colegas com dois beijos na bochecha, à francesa, deixando-os desconfortáveis em cada vez.
Mas também há claramente conexões positivas, como o hábito de Iris de beber por dia ao menos uma garrafa de makgeolli, vinho de arroz típico da Coreia, que ela declara ser uma bebida “moderada”.
Pode-se entender um pouco mais sobre ela quando somos apresentados a In-guk (Ha Seong-guk), que a conheceu no parque e pode estar ou não apaixonado.
Huppert cria uma personagem fascinante, que nos deixa querendo mais, com o apoio de desempenhos igualmente fantásticos do elenco.
Todas as provocações e perguntas que o filme faz, com direção e roteiro excelentes, são essenciais e feitas com muita ternura, como de praxe na filmografia de Sang-soo.
NOTA: ★★★★☆
Publicado em VEJA São Paulo de 11 de abril de 2025, edição nº 2939