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“Drive-in é como o primeiro date com o crush”, diz Maria Rita

Cantora fala sobre show que fará no formato, sobre sua quarentena e a importância de a indústria cultural voltar, com cuidado, claro

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2 set 2020, 17h19
Maria Rita: shows em drive-in (Bob Wolfenson/Veja SP)
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Assim como as lives, os drive-ins também estão nas apostas dos artistas para retomarem o contato com o público – ainda que à distância. Na continuação do projeto do Arena Sessions, no Allianz Parque, a vez agora é de Maria Rita, que se apresenta nesta sexta, 4, a partir das 21h. A artista, que já estreou com o formato no mês passado, conversou com a Vejinha sobre a empreitada em que leva o Samba de Maria para o palco.

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“O drive-in é um formato que vai durar por um tempo”, conta. “Me incomoda por não ser inclusivo, mas precisamos abraçar as alternativas para mostrar que ninguém está parado, panicado.” A cantora ainda fala sobre seu processo de isolamento e como tem se adaptado em tempos de pandemia.

VEJA SÃO PAULO: Você já fez a sua estreia em um show de drive-in. Qual é a sensação?
MARIA RITA: É uma experiência muito diferente. Eu tenho comparado com o primeiro date com aquele crush. É aquela situação: tem o silêncio constrangedor de vez em quando, não sabe o que vai comer, se pega na mão. Fica aquela saia justa, sabe? Mas é muito curioso ver o comportamento humano e como o público se entendeu nesse contexto. Quando eu criei o Samba de Maria, era para ser um show que eu faria inteiro sentada, mas não tinha dado certo. Eu pensei: vou resgatar meu banco. O povo vai estar sentado também. É claro que eu não me aguentei. Na terceira música, senti o público relaxado. As pessoas de máscaras colocavam as mãos e as cabeças para fora, quem tinha teto-solar já tinha subido. Da metade em diante, o show já tinha pegado fogo, a turma já tinha baixado o vidro e sentado com o bumbum na janela, dançando.

VSP: O que muda neste show?
MR: O palco eu acho que vai mudar, como no anterior, para se manter o distanciamento. A percussão e a harmonia trocaram de lado. Eu acho que tem um limite de até duas horas de apresentação. Mas para quem não estava fazendo show, estou feliz em um grau que não tem ideia. O banco vai estar lá. Canto para vibrar, derreter a chapinha, a maquiagem, ficar descabelada. Vai ser a primeira vez que eu apresento à noite neste formato. Perguntei para o Diogo Nogueira como era e ele disse que tem muitas luzes, muito farol. E buzinas. Pelo amor de Deus, quero buzina.

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VSP: Tantos anos na estrada, precisou reaprender ou descobrir jeitos novos na apresentação?
MR: Reaprender não seria a palavra. Mas adaptar. A mecânica, logística, técnica são as mesmas. A relação com o público tem uma dinâmica diferente. É ótimo para quem é exibicionista. Não tem público retornando, cantando junto com você. É você com você mesmo. Nesse sentido é um pouco estranho. Se fosse no começo da minha carreira, eu até teria ficado mais confortável, porque eu tinha necessidade de ser escutada, precisava que parassem de me comparar e me ouvissem cantar. Então, eu acharia mais legal porque ali as pessoas só ouvem, não tem como jogar para o público. Errou a letra, errou. Não tem fã para te salvar. Às vezes dá aquele branco no meio do show e o povo dá a cola. Ai, taca fogo e leva. E não rola isso. A falta desse calor humano é diferente. Mas acaba virando farra. A primeira vez que eu fiz foi no meio da tarde e em um parque em área residencial. Não vi os faróis acesos e não podia buzinar. Mas eu conseguia identificar as pessoas dentro dos carros, curtindo, olhinhos fechados, cantando. A gente se entendeu.

VSP: Estamos nessa situação em que ainda não conseguimos fazer um show nos moldes pré-Covid. O drive-in é uma alternativa para a roda girar?
MR: É bem importante no ponto de vista econômico, para as equipes e para os artistas. Essa ideia de que artistas têm cache de 200 000, 400 000 reais por show não é a realidade de 99,9% dos artistas brasileiros. Eu tenho o privilégio de viver de música e a minha realidade está gigantemente distante da realidade desses artistas e sei que está gigantemente distante de uma porção de outros artistas, que não tem 17 anos de carreira, que vem atrás. Eu ainda sou responsável diretamente por quinze famílias, além da minha. E eu me preocupo com isso. Muita gente não vê o entretenimento como indústria e é. Nós temos que fazer girar. Movimentam-se milhões de reais por mês. Quem não acha que cultura é importante, então, encare como um mercado. Não é pouco dinheiro. Agora, tem outro aspecto, o da saúde mental. Um artista consegue transmitir uma emoção que é fundamental, alimenta a alma, o amor, as sensações humanas. É legal pensar que estamos todos ali dentro, com o público, os técnicos, na mesma sintonia, focados para que aquele momento seja uma experiência inesquecível.

VSP: Como foi seu período de isolamento?
MR: Meu amor, eu ainda estou isolada. A pandemia não acabou, não. Todas as decisões profissionais que eu tomo agora, nenhuma é no piloto automático. Isso não existe mais. Tudo que se fazia antes, não serve mais. Não é “novo normal”, é um novo viver. Pré-Covid e pós-Covid. Entraram consultas de dois shows em que é preciso pegar avião. Não vou fazer. Eu não vou ficar confortável e não vou colocar a minha equipe em risco. Estou podendo dizer não para show? Vou ser bem honesta, sincera: não, não estou podendo dizer não. A gente não pode negar trabalho. As decisões são muito difíceis, não estão mais no piloto automático.

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Drive-in Arena Sessions
(Divulgação/Divulgação)

VSP: Foi difícil?
MR: No começo da pandemia, eu fiquei muito preocupada. Quase travei. Pensava: agora acabou. Nosso mercado foi o primeiro a fechar e o último a abrir. Eu tinha três projetos engatados. Desengatei. Desacelerei. Está guardado. E veio a preocupação com a equipe, com as contas para pagar, a filha, o filho. Pensei de novo: calma. Eu não podia pirar por algo que eu não tenho controle. Eu não estou fazendo show, mas não por uma decisão equivocada profissionalmente, uma decisão que eu tomei e gerou isso. Não foi um disco que eu lancei e não foi bem recebido e agora não tem show. Eu não fui cancelada nas redes sociais e perdi trabalho. Não foi nada disso. É uma parada do mundo inteiro. E eu precisei me controlar nesse sentido, de tirar o peso das minhas costas. Comecei a exercitar o “viver um dia de cada vez”, coisa que eu tinha absoluta incompetência. Estou tendo de aprender.

VSP: As lives foram as alternativas para muitos artistas. Como você encarou no início?
MR: Eu não consegui embarcar muito nas lives de início porque eu não toco nenhum instrumento, eu só canto. E canto mais ou menos. Assim, dá para o gasto. Eu conversei com o Pretinho da Serrinha e com os outros meninos se poderíamos fazer cada um na sua casa. Nem terminei de falar, um deles já disse que tinha o delay. Aí, foi tudo por água abaixo. Para fazer acontecer, eles teriam de sair de casa e vir para a minha. Sabemos pouco sobre a Covid e na época sabia menos ainda. Eu vou te dizer, fiquei um pouco desorientada.  Em maio, no Dia das Mães, veio um pedido. Live em casa é confortável, mas ia ter uma galera ali. Organizei assim: são profissionais que eu conheço, confio e só vou fazer com eles. Essa turma sabe dos protocolos, sapato na entrada, álcool em gel, máscara. Até o intérprete de libras é o mesmo. A irmã do Leandro Pereira [violão de sete cordas] é enfermeira e ajudou com as recomendações. Não elimina o risco, mas minimiza e as pessoas entendem que não é exigência de diva. É uma exigência plausível dentro do contexto que vivemos. A vantagem da live é chegar onde não se chegava. Na minha primeira, deu 50 000 pessoas. Eu nunca fiz show para esse tanto, a não ser que fosse gratuito. Sejamos honestas, é maravilhoso. Tem cidade que eu não consigo voltar, porque passagem aérea é cara, hospedagem é cara, o contratante não consegue pagar a equipe inteira porque é cara. Existe todo um drama de fazer arte no Brasil, de fazer música. Por esse lado, é bastante produtivo.

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VSP: Estamos ainda caminhando pelas alternativas, então?
MR: Exatamente. O drive-in também pode ser um formato por um tempo. Me incomoda porque não é inclusivo. Tem que ter carro. Depois do primeiro que eu fiz, fiquei pensando num projeto, como adaptar para bicicleta, mas enfim… É preciso abraçar as alternativas, porque é importante sinalizar, não só para o meu público e minha equipe, mas para a indústria, de que estamos correndo atrás de fazer acontecer, de mostrar que ninguém está panicado, ninguém travou e que o amor à arte fala mais alto.

VSP: A pandemia mostrou uma fragilidade do mercado, com os artistas mas também com a equipe técnica. Pensa que isso pode mudar?
MR: A realidade é muito mais complicada. Trabalhamos como profissional liberal, prestador de serviço. Se aplicar as leis trabalhistas no nosso mercado, ia falir em questão de meses. Claro, tirando aquele 0,5% dos artistas que andam de jatinho. Às vezes eu sinto que a gente fala sobre isso e imediatamente as pessoas pensam no artista com o jatinho e essa não é a realidade. A galera que trabalha comigo, eu chamo de minha equipe, mas são prestadores de serviço. Meu advogado quer me matar. Mas são pessoas com quem eu cresci. O técnico de som era o cara que me dava papinha enquanto minha mãe se trocava. É uma relação diferente, mas sou eu. Minha opinião: é um problema. Não sei se muda. Mas sairemos melhor dessa ao saber que existem profissionais que ninguém sabia que existiam. Que joga luz em mim para as pessoas me verem, que faz as ligações dos cabos para eu não tomar choque e morrer eletrocutada na frente de 4 000 pessoas. Show é a primeira coisa a ser cortada numa crise. É supérfluo. É relação de amor e ódio. Imagina uma pessoa com um salário mínimo gastar 100 reais em um show. Mas a pandemia serviu para mostrar que é uma cadeia, que existem profissionais que não eram vistos antes e que o valor do ingresso paga todo mundo – o segurança, o moço da pipoca, a moça que limpa o banheiro para a menina fazer xixi. Aí vai ver como é importante ter incentivo para a cultura. Se tiver essa consciência, eu acho que saímos melhor.

 

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