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Na Virada Cultural, “Doze Homens e Uma Sentença” foi um momento único

Na Grécia antiga, berço do teatro, as manifestações artísticas eram consideradas rituais. Muito disso se perdeu ao longo de mais de 2000 anos, mas algo da magia se conserva em torno do caráter único de uma encenação bem-sucedida. Em tempos de câmeras fotográficas ou filmadoras ao alcance de muitos dos simples mortais, essa conversa pode […]

Por Dirceu Alves Jr.
Atualizado em 26 fev 2017, 21h58 - Publicado em 18 Maio 2014, 02h55
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Na Grécia antiga, berço do teatro, as manifestações artísticas eram consideradas rituais. Muito disso se perdeu ao longo de mais de 2000 anos, mas algo da magia se conserva em torno do caráter único de uma encenação bem-sucedida. Em tempos de câmeras fotográficas ou filmadoras ao alcance de muitos dos simples mortais, essa conversa pode parecer uma teoria ultrapassada. A apresentação do espetáculo “Doze Homens e Uma Sentença”, sob a direção de Eduardo Tolentino de Araújo, dentro da programação da Virada Cultural, no entanto, comprova a força ainda inigualável de um momento assim.

A pontualidade, incomum inclusive nas salas convencionais, já se mostrou presente na noite do sábado (17). O relógio marcava 20h30 quando o elenco se posicionou no palco erguido do Pátio do Colégio, ao lado da Praça da Sé, no centro de São Paulo. Oitocentas cadeiras de plásticos formavam a plateia lotada – e, principalmente, atenta. Um público surpreendente para um espetáculo previsto para durar quase duas horas e sem nomes populares no elenco. Um drama de tribunal! Não se tratava de uma comédia digestiva – aliás, o palco dedicado ao stand-up estava montado a poucos metros dali, na Praça da Sé – e, muito menos, de um musical, gênero que tem sido responsável pela maior circulação de pagantes na atualidade.

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Apenas para situar você, leitor, vamos lá para uma rápida sinopse. “Doze Homens e Uma Sentença” é um drama de tribunal. Por coincidência, exatamente atrás do palco montado está o prédio histórico da Secretaria de Justiça e Defesa da Cidadania, cenário involuntário. O texto escrito pelo americano Reginald Rose mostra uma dúzia de sujeitos encarregados de chegar a um veredicto. O réu foi acusado de assassinar o pai, e a decisão precisa ser unânime para executá-lo ou absolvê-lo. Todo o conflito começa quando um dos doze jurados opta pela dissonância e abala a convicção do grupo, até então decidido pela condenação.

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Desde a estreia, em novembro de 2010, essa foi a primeira vez que a peça foi apresentada com os atores usando microfones. Sim, por mais potente, não tem como a voz alcançar um espaço tão amplo. Não foi o maior público. Durante a turnê portuguesa, a montagem ocupou salas para mais de 1200 espectadores em Lisboa e Braga. Calcado nos diálogos, o espetáculo exige atenção do espectador e, cinco minutos depois do início, problemas na captação do som já começaram a anunciar uma possível catástrofe da apresentação. Quem está acostumado aos teatros convencionais poderia estar profundamente incomodado. Aquele público, entretanto, não parecia se abalar. E, em se tratando da Virada, é isso o que interessa.

Os olhos da grande maioria ficaram vidrados no palco. Ninguém empunhava máquinas fotografias e tampouco se ouvia o irritante barulho de telefones celulares, tão comuns em teatros e cinemas. Doze minutos depois do início, as primeiras baixas. Duas moças se levantaram das cadeiras, prontamente ocupadas por uma dupla que estava de pé na lateral. Nos próximos cento e poucos minutos, não mais de uma dezena entregou os pontos. Com o andamento do espetáculo, os atores pelo visto aprenderam a controlar seus microfones, e o som – ainda longe do ideal, claro – pareceu se tornar uma questão menos grave.

Em meio a tantos olhos atentos, os de uma pessoa começou a chamar a atenção deste que vos escreve. Eram os de Ana Maria Fonseca, uma das quinze seguranças terceirizadas contratadas para zelar pela ordem naquele palco da Virada. Sem se descuidar do trabalho em momento algum, ela aproveitava a oportunidade rara de assistir a uma peça de teatro. “Você conhece alguns desses atores?”, perguntei a ela, baixinho. “Eu conheço a maioria deles de ver nas novelas. Esse que falou agora era o pai daquela menina autista na novela das nove”, respondeu Ana Maria, referindo ao ator Genézio de Barros, que participou de “Amor à Vida”. “Eu queria mesmo era poder tirar fotos deles para postar no meu facebook, mas como estou trabalhando, não posso, não é?”, completou Ana Maria, retomando a concentração dividida entre a peça e o seu trabalho.

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Público acompanhou o espetáculo “Doze Homens e Uma Sentença” no palco montado no Pátio do Colégio (Dirceu Alves Jr.)

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Ana Maria tem 48 anos, é casada com um motorista de caminhão, mãe de oito filhos e avó de onze netos. Mora na Vila Nova York, na Zona Leste, e já trabalhou em eventos como a São Paulo Fashion Week e a Parada do Orgulho LGBT. Na Virada, é a segunda vez. Também faz artesanato com reciclagem e bolsas de crochê. “Eu estudei o primário em um internato na Liberdade, e a gente assista a muitas peças de teatro por lá”, lembra ela. “Depois disso, eu vi muita pouca coisa porque não sobra dinheiro e o governo investe muito pouco em eventos como esse.”

Em meio à plateia também estava o ator Zécarlos Machado, o psicólogo Théo do seriado “Sessão de Terapia”, que integrou o elenco de “Doze Homens e Uma Sentença” por dois anos e meio. “As pessoas estavam ligadaças e quando falavam entre elas era para comentar alguma coisa a respeito da peça. Foi sensacional”, comentou Machado, no final da apresentação, lá por 22h30 mais ou menos. “Você percebe a força do espetáculo ao fazê-lo nessas condições.”

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O diretor Eduardo Tolentino de Araújo respirou aliviado depois dos aplausos. No início da sessão, muitas vezes, ele não disfarçava a preocupação, principalmente diante dos problemas de microfonia. “Claro que o espetáculo perde muito em qualidade, mas foi legal, deu tudo muito certo”, disse ele. Sobre a surpreendente concentração do público, Tolentino arrematou: “as plateias populares são muito mais comportadas e atentas que as de classe média”.

Para o ator Norival Rizzo, as pessoas embarcaram na história. “Tenho a impressão de que a plateia entendeu muito bem e reagiu na hora certa”, comentou um dos protagonistas. A diretora de produção, Ana Paz, confessou que estava preparada para uma catástrofe. “Depois que topamos fazer essa apresentação, há uns vinte dias, eu pensei que não tinha como dar certo, mas fico feliz em ver que estava enganada, não podemos menosprezar o público”, afirma ela.

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Missão cumprida, e o elenco seguiu para jantar em um restaurante conhecido da classe teatral, perto da Praça Roosevelt. Todos comeram e beberam certos de que participaram de um momento único, talvez de um ritual, como aqueles da Grécia Antiga. O repórter aqui tomou um táxi e comentou com o motorista que o levou para casa do quanto tinha sido diferente aquela apresentação, principalmente por ter visto um público tão interessado no que estava assistindo. Oseás Pereira, pouco mais de um mês como chofer de praça, nem de lembra da última vez que assistiu a uma peça de teatro. Sabe que faz muito tempo e talvez ainda fosse criança.

Ele deu, no entanto, uma justificativa, que pode explicar a sensação daquele público. “A surpresa, o frio na barriga, é o que tem de mais legal no teatro. Qualquer coisa pode acontecer. Cinema também é bom, mas daqui a pouco você já pode ver o filme na televisão”, comentou Pereira. É… O teatro é um momento único.

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