Musical ‘Brenda Lee’ se torna sucesso no boca a boca e amealha prêmios
Com seis atrizes travestis, peça que resgata a memória da militante que acolheu pessoas com HIV/aids reestreia na cidade
Peça que vem magnetizando plateias e prêmios, Brenda Lee e o Palácio das Princesas narra a história do “anjo da guarda” de travestis durante o início da epidemia de HIV/aids. É um acontecimento de público fruto do boca a boca — ganhou até fã-clube.
Lançado em 2021 como espetáculo on-line, o musical estrelado por atrizes transgêneres fez uma temporada entre junho e setembro de 2022 no Teatro do Núcleo Experimental, casa do grupo que a produz, na Barra Funda, com capacidade para 98 espectadores (a entrada para pessoas trans é gratuita). Mesmo antes das premiações, “o público começou a aumentar, sempre lotando, com cadeira extra, e gente comprando com muita antecedência”, descreve Fernanda Maia, responsável pelo texto e pelas letras das músicas da montagem dirigida pelo parceiro Zé Henrique de Paula.
Entre janeiro e fevereiro, teve mais uma temporada, dessa vez no Centro Cultural São Paulo, com as 321 poltronas da Sala Jardel Filho sempre ocupadas. “Havia gente voltando duas, quatro, seis vezes”, conta. Na sexta (14), Brenda Lee retorna para mais um mês no teatro do Núcleo (a reestreia, marcada para dia 7, foi adiada por uma semana). “Muita gente achou que era um musical de nicho”, diz Fernanda. “Mas algumas bolhas foram furadas.”
+ A trajetória do ator Clayton Nascimento, que conquistou um prêmio Shell
A peça revive a história real da militante travesti pernambucana Caetana, conhecida como Brenda Lee, que manteve, na Bela Vista, seu “palácio das princesas”. Na casa, acolhia pessoas com HIV desde os anos 1980, no auge da epidemia. Teve até um convênio com a Secretaria de Estado de Saúde de São Paulo. “Ela foi uma das pessoas mais interessantes que conheci”, relembra o médico infectologista Jamal Suleiman, do Instituto Emílio Ribas.
O enredo se apoia em canções que Fernanda escreveu e o Rafa Miranda, diretor musical e preparador vocal, musicou, de acordo com as vozes de cada atriz — um disco do espetáculo, para ser lançado no streaming, já foi gravado e está em processo de mixagem.
A protagonista é interpretada pela atriz cearense Verónica Valenttino, que é travesti, assim como o elenco, composto de Olivia Lopes, Tyller Antunes, Rafaela Bebiano, Leona Jhovs e Andrea Rosa Sá, que entra após a saída de Marina Mathey — a única exceção cisgênero no time é o ator Fabio Redkowicz.
“Esse papel é importante porque me trouxe visibilidade. Não que eu não tenha feito coisas antes: é que agora temos esse acesso, trazendo à luz a nossa existência”, dispara Verónica, ganhadora de um prêmio Bibi Ferreira em 2022 de revelação em musicais e o Shell em 2023 de melhor atriz. “Somos muitas coisas antes de sermos travestis.” Houve outros troféus, como o Bibi Ferreira de roteiro, para Fe nanda Maia, e o APCA de melhor espetáculo teatral de 2022.
O próximo passo da peça, cuja primeira temporada foi contemplada pelo Fomento para o Teatro da Cidade de São Paulo, é chegar a um número maior de espectadores. “Musical é uma coisa muito cara, sem aporte financeiro, não conseguimos levar a plateias maiores”, diz Fernanda. “Mas vem novidade por aí”, despista a respeito das próximas salas pelas quais a montagem vai passar.
O Núcleo Experimental deve lançar, no segundo semestre, mais uma peça com a temática HIV/aids, ainda sem nome — a primeira foi Lembro Todo Dia de Você, de 2017. “Vai encerrar a sequência que chamamos de Trilogia para a Vida.”