Com 130 anos de tradição, Le Cordon Bleu quer aumentar presença no Brasil
Diretor-executivo do Le Cordon Bleu no Brasil, radicado em São Paulo, Patrick Martin falou sobre os planos de abrir novos cursos de bacharelado em gastronomia

E m 1895, em Paris, a jornalista Marthe Distel lançou uma revista semanal de culinária com receitas dos maiores chefs franceses da época, intitulada La Cuisinière Cordon Bleu. O sucesso da publicação a animou a investir em cursos de gastronomia — cujo foco inicial era ensinar mulheres, assinantes da revista, a cozinhar melhor. Ao completar 130 anos, em 2025, o Le Cordon Bleu tornou-se referência nas artes culinárias, com 35 escolas em mais de vinte países, formando cerca de 20 000 alunos todos os anos. À frente da operação brasileira está o chef francês Patrick Martin, 67, membro da instituição há trinta anos — período em que foi de professor, em Paris, a responsável por abrir unidades nos quatro cantos do mundo.
Martin passou por Japão, Austrália, Coreia do Sul e outros oito países até se fixar no Brasil, em 2018. Aqui, a rede conta com institutos em São Paulo e no Rio de Janeiro, onde são oferecidos cursos livres de culinária, confeitaria, panificação, entre outros. Na capital paulista, estudaram no instituto centenas de alunos, entre eles o estreante Mário Santiago, do Lena Cozinha, em Pinheiros. A escola mantém, ainda, parceria com a Ânima Educação (organização com dezoito universidades) com cursos de bacharelado em gastronomia em São Paulo (Anhembi Morumbi), Belo Horizonte (UniBH) e Porto Alegre (UniRitter).
Quais os planos de celebração dos 130 anos e de expansão do instituto?
A partir do próximo ano, ele começará a expandir no Brasil. Queremos levar cursos de bacharelado para universidades em Curitiba, Florianópolis, Salvador, João Pessoa e Natal. Além disso, entre os dias 7 e 9 de novembro, faremos nosso primeiro grande evento gastronômico aberto ao público, o Le Cordon Bleu Culinary Village Picnic, no Jockey Club de São Paulo. Será uma celebração, ao ar livre, dos 130 anos. Durante três dias, será possível saborear pratos criados pelos chefs da escola, participar de workshops, curtir shows e conferir uma seleção especial de produtos da La Boutique Le Cordon Bleu. É uma forma de abrir nossas portas, levar nossa excelência além dos muros do instituto e brindar a todos que amam a boa gastronomia. Em nível internacional, chegaremos aos Emirados Árabes e à Arábia Saudita.
Qual o perfil de quem procura os cursos em São Paulo?
Posso dizer que pelo menos metade dos alunos quer trabalhar na área. Mas há também quem procure a escola porque quer abrir o seu próprio restaurante, pois além das técnicas culinárias nós temos também formação em gestão. E há outros perfis, que procuram os cursos mais curtos, com duração de três horas ou de dois ou quatro dias. Temos alunos de 18 a 70 anos e a principal característica deles é serem curiosos.
O que tem achado de viver no Brasil, quais os seus chefs preferidos aqui e qual o seu prato brasileiro predileto?
Os brasileiros são muito abertos, descobri isso quando vim para cá. Além disso, é um país com uma enorme diversidade cultural e gastronômica. Vocês têm a Amazônia, que é fabulosa, um lugar que eu amo, com produtos extraordinários. As pessoas aqui são interessantes e motivadas. Acredito que o Brasil é mesmo o país do futuro, um lugar rico em experiências. Ele cresce, enquanto a Europa está se retraindo. Entre os meus chefs preferidos estão Vitor Oliveira, que é Chef de Cuisine e Plant Based na unidade São Paulo. Também gosto muito do Paulo Soares — nosso Senior Chef de Cuisine e instrutor do curso de cozinha brasileira —, além do Rodrigo Oliveira, do restaurante Mocotó. E quanto a meu prato preferido, posso dizer que adoro pão de queijo. Mas também adoro a cozinha amazonense.
É fácil adaptar o ensino — que é focado nas técnicas da cozinha francesa — em lugares com culturas tão diferentes?
Isso é sempre um desafio, sobretudo em países de religião islâmica, onde precisamos utilizar ingredientes da culinária halal (que proíbe carne de porco e álcool, por exemplo). Mas nós sempre utilizamos insumos locais. Além disso, contratamos chefs nativos, dando treinamento que pode levar de três a seis meses, até ele se tornar professor. Mantemos as nossas técnicas, mas adaptadas à cultura local. Isso significa que, dentro do programa de ensino, além da culinária clássica, da confeitaria e da panificação, incluímos aulas sobre a culinária de cada lugar. No Brasil, por exemplo, temos o curso de culinária brasileira, que dura nove meses. No final, tudo dá certo porque cozinhar é uma língua internacional.
De onde vem o nome Le Cordon Bleu?
Ele foi usado pela primeira vez para expressar a excelência culinária no século XVI, quando o rei Henrique III criou uma das ordens mais importantes da França, L’Ordre du Saint-Esprit. O símbolo dessa ordem era a Cruz do Espírito Santo, que era pendurada em um cordão azul (em francês, le cordon bleu). Devido à natureza de prestígio dessa ordem, o nome Le Cordon Bleu tornou-se reconhecido e celebrado.
Ainda sobre a origem da escola, quem foi Marthe Distel e por que ela foi importante?
Ela foi uma mulher extraordinária, empreendedora e pioneira, em uma época em que as mulheres não tinham o direito de fazer muita coisa. Em 1895, ela lançou uma revista semanal de culinária com receitas dos maiores chefs franceses da época, intitulada La Cuisinière Cordon Bleu. Deu tão certo que, no mesmo ano, ela convidou assinantes para um curso de culinária. No início, a escola tinha apenas uma sala, na Rue du Faubourg Saint-Honoré, onde as mulheres, geralmente esposas de empresários da região, podiam ocupar o tempo com aulas de confeitaria, padaria, entre outras. E o mais fascinante foi que, em pouco tempo, os homens também passaram a frequentar os cursos. Ao longo do tempo, o Le Cordon Bleu evoluiu de uma escola de culinária parisiense para uma rede internacional. E passou para as mãos da família Cointreau (do licor de mesmo nome), em 1984.
O senhor costuma dizer que é ao redor de uma mesa que se constroem relações. De que forma isso ocorre?
Para mim, é na cozinha que conhecemos e compreendemos melhor as pessoas. É mais fácil construir relações ao redor de uma mesa, compartilhando bons pratos. E isso vale inclusive quando se discutem negócios. Alimentar o corpo permite alimentar também o espírito. E isso independe da sofisticação do lugar ou da comida. Ela só precisa ser boa. A arte da mesa é uma arte de viver.