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TikTok bomba na quarentena e lança nova geração de influenciadores

Plataforma de compartilhamento de vídeo virou o app mais baixado em 2020 com dancinha, aula de desenho, literatura, humor e contas com milhões de seguidores

Por Fernanda Campos Almeida
Atualizado em 27 Maio 2024, 17h57 - Publicado em 3 jul 2020, 06h00
Bruno Carvente: mágico das edições (Leo Martins/Veja SP)
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Em meio ao isolamento da quarentena, uma rede social chinesa virou mania e está criando um novo firmamento de influenciadores na cidade. O TikTok é uma plataforma digital de vídeos curtinhos, quase sempre de apenas quinze segundos, criados com efeitos de imagem e de som bem fáceis de aplicar. Seu alcance mundial aumentou na quarentena (só em abril, foram 107 milhões de downloads, três vezes mais que o mesmo mês de 2019, e o app já ultrapassou o 1,5 bilhão de usuários, segundo a SensorTower — números específicos do Brasil não são divulgados), e virou diversão para quem quer esfriar a cabeça com dancinhas, cenas de humor e truques curiosos, quase sempre longe das discussões políticas e do noticiário pesado. Mas não é só isso, já que o leque de usuários e contas vai de professor de desenho à literatura, de receitas simples a maquiagem (leia mais nos quadros ao longo da reportagem).

Tamanho sucesso também fez com que se destacar na plataforma fosse a tradução do sonho de ser descoberto por patrocinadores. Luciano do Valle (@lucianodvs), de 23 anos, está fazendo essa aposta. Ele abandonou o curso de engenharia civil em uma universidade federal na cidade mineira de Congonhas e se mudou para São Paulo a fim de se dedicar em tempo integral à criação de conteúdo. “O centro das oportunidades está aqui. Já perdi muita chance de trabalho porque as marcas querem me conhecer pessoalmente.” Com 5,5 milhões de seguidores, o jovem chega a ganhar de 8.000 a 11.000 reais por ação publicitária e já fez trabalhos para marcas como Rexona e O Boticário. “Minha mãe chorava desesperada dizendo que eu estava jogando meu futuro pela janela”, conta. Ele era o único entre os irmãos que ingressou no ensino superior, mas afirma que não se arrepende da mudança. “Administrando bem o dinheiro, eu consigo viver disso.”

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Luciano do Valle: 5,5 milhões de seguidores (Rogério Pallatta/Veja SP)

Mas o que Luciano cria de tão especial, principalmente na quarentena? É uma série de situações banais, com piadinhas idem. “Estou aqui com a panela mais triste do mundo, a panela de pressão”, diz o mineiro enquanto aponta a câmera para uma prateleira de artigos de cozinha em um supermercado. Em seguida, vira um leitor de código de barras para si mesmo e brinca: “Ai, não estou valendo nada. Minha carne é fraca”. Aparece então uma bandeja de carne embalada. Ele também grava receitas de doces rápidos usando microondas e uma caneca e faz trocadilhos sobre os ingredientes, como “leite condenado” (em vez de leite condensado) e “canela a gosto mesmo estando em maio”. Passou a incluir bebidas alcoólicas nas misturas quando a marca Jurupinga o escolheu como garoto-propaganda.

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Na Zona Norte de São Paulo, Luciano divide casa com outros quatro tiktokers, como são chamados os criadores de conteúdo, entre eles Ingrid Stefany, 25, a Didi. Os dois se conheceram em um evento fechado para produtores selecionados pela plataforma, no qual recebem dicas de como se relacionar com marcas, no escritório da empresa na Vila Olímpia. Didi nunca imaginou que se tornaria famosa. A garota dos cabelos coloridos, que incorpora personagens nos esquetes de humor, passava por uma fase difícil quando decidiu criar o perfil @didiferente no aplicativo porque sofria de depressão e transtorno de ansiedade. Criar vídeos engraçados, para ela, foi uma forma de se sentir melhor. Diante dos 4,2 milhões de seguidores atuais, faz posts com uma estética bastante caseira e usa o efeito que deixa o rosto com feições infantis para a personagem Didizinha, com comentários inocentes.

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Ingrid Stefany: prêmio de vídeo de comédia mais curtido do TikTok (Rogério Pallatta/Veja SP)

É quase tudo assim, muito pueril — no conteúdo, é claro. Nos bastidores, a rede social chinesa ganha espaço em um jogo de gigantes, em uma trajetória recente de crescimento explosivo. Em 2017, a empresa ByteDance, atual proprietária do TikTok, anunciou a compra por 800 milhões de dólares do Musical.ly Inc, aplicativo de dublagem de músicas. As duas plataformas tiveram suas funções mescladas em um app único, mantendo o nome do primeiro. O resultado foi um produtor de conteúdo fácil de usar, que permite a criação de clipes de quinze a sessenta segundos e possui um editor completo com opções de cortes, sincronização de lábios, efeitos, trilha sonora, transições e um catálogo de músicas.

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Fundada em 2012 por Zhang Yiming, a ByteDance está sediada em Pequim. O primeiro produto da companhia foi um aplicativo para compartilhar informação usando inteligência artificial, o Toutiao (“manchetes de hoje”, em português). Até agora é um dos agregadores de notícias mais populares na China. Zhang usou a mesma tecnologia anos mais tarde, em 2016, para lançar o Douyin, aplicativo idêntico ao TikTok, mas exclusivo para o mercado chinês. A maior diferença entre os dois é que o Douyin é adaptado às restrições chinesas, rodando em servidores diferentes. O TikTok então seria o irmão gêmeo que fez sucesso internacionalmente. Com outros quatro aplicativos lançados na Ásia, ByteDance se tornou a startup mais valiosa em 2019, estimada em 75 bilhões de dólares.

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A pandemia fez com que as pessoas passassem mais tempo em casa e o TikTok tirou vantagem disso. Foi o aplicativo mais baixado no mundo em 2020, com 315 milhões de downloads só no primeiro trimestre, deixando para trás competidores de audiência mais envelhecida como Facebook e Instagram. Isso fez com que a concorrência se mexesse para criar funcionalidades similares e conter o avanço do rival chinês.

O Instagram tem uma nova função, chamada de Reels. A aba reúne vídeos curtos que tenham algum tipo de efeito ou edição. O recurso está para o TikTok como os Stories, lançados em 2016, estavam para o Snapchat. Na época, Mark Zuckerberg, dono do “Face” e do “Insta”, havia tentado comprar o “Snap” por 3 bilhões de dólares, mas levou a porta na cara. A solução de imitar o rival deu certo: em um ano, os Stories já eram campeões em base de usuários diários.

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Com o TikTok, Zuckerberg também tem um histórico para lá de complicado. Segundo o site americano BuzzFeed News, Zuckerberg tentou comprar o Musical.ly antes da ByteDance. O objetivo era atrair mais jovens às suas redes e entrar no mercado chinês, já que seus aplicativos são banidos na China. Deu errado. Dois anos depois, tentou copiar o TikTok com a criação do app “Lasso” (não disponível no Brasil). Deu errado de novo. Foi sem grande surpresa que apareceu com críticas diretas ao concorrente. Em um discurso sobre liberdade de expressão na Universidade Georgetown, em Washington, declarou: “Há uma década, quase todas as maiores plataformas de internet eram americanas. Hoje, seis das dez principais são chinesas. Estamos começando a ver isso em redes sociais também. Enquanto nossos serviços, como o WhatsApp, estão sendo usados por ativistas e manifestantes de todo o mundo pela proteção de privacidade (…), no TikTok, aplicativo chinês, menções a esses mesmos protestos são censuradas, mesmo se estão aqui nos EUA. É essa a internet que queremos?”. O TikTok negou as acusações, afirmando que as decisões de moderação nos EUA são feitas pela equipe local. O gigante Google também não ficou indiferente ao fenômeno TikTok. O YouTube, sua plataforma de vídeos, está desenvolvendo a função Shorts.

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(Arquivo pessoal/Veja SP)

Uma das proezas do TikTok tem sido justamente atrair influenciadores já conhecidos de outras plataformas, muitos deles que se renderam mais fortemente ao app só na pandemia. Lá fora, enquanto a cantora Britney Spears (@britneyspears) compartilha coreografias profissionais, o primeiro vídeo do ator Jack Black (@jackblack) é de uma dança desengonçada, calçando botas de caubói, sem camisa e exibindo uma barriguinha saliente. Will Smith (@willsmith) chama atenção pela qualidade da produção. Para começar, ele teve ajuda de outros usuários mais jovens, como o especialista em efeitos visuais Caleb Natale (@calebnatale). O resultado são produções que parecem de cinema.

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No Brasil, a apresentadora Maisa Silva (@maisa), com 33 milhões no Instagram, e o youtuber Felipe Neto (@felipeneto) já possuem 8,7 milhões e 6,2 milhões de seguidores no TikTok, respectivamente. Para os nomes emergentes do próprio TikTok, o jogo pelo patrocinador fica mais duro com essa concorrência. “É uma competição difícil, mas o público novo que eles trazem pode conhecer quem já é da casa”, explica Vincynite, 24, músico e criador do primeiro hit viral no TikTok brasileiro, chamado Respondendo Perguntas. Enquanto dançam, as pessoas estampam na tela as respostas sobre a própria vida: nome, idade, cidade, altura e até a “inicial do crush”. Vincy disse ter percebido que a forma mais rápida de viralizar é criar conteúdo facilmente reproduzível por outros usuários, ou seja, produzir um áudio original para que outros criem novos vídeos em cima dele. De 100.000 seguidores, Vincy passou a ter 1,5 milhão em menos de seis meses.

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REIS DO TIK TOK
Vincynite e o primeiro viral: “Respondendo Perguntas” já chegou a 230 milhões de visualizações (Leo Martins/Veja SP)

“Se mais produzem, mais consomem”, concorda Bruno Carvente, sobre a nova concorrência. Carvente, 29, o iBugou (@ibugou) no TikTok, assim como Natale, cria ilusões audiovisuais com edição de vídeo. Tendo cursado animações 3D e efeitos especiais no exterior, ele aproveita assuntos em alta para criar conteúdo. No começo da pandemia, quando muitas pessoas armazenavam produtos de supermercado, brincou com a situação postando um vídeo fazendo multiplicação de papel higiênico. Com marcas como Pizza Hut, Coca-Cola e Burger King no portfólio, ele explica seu sucesso: produzir conteúdo family friend e não falar palavrões. “As pessoas não se importam de ver publicidade se tem mágica no meio”, complementa.

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Bruno Carvente: mágico das edições (Leo Martins/Veja SP)

Anos antes de se tornar febre entre um público amplo e rivalizar com o Instagram, o TikTok já era bem conhecido dos adolescentes. Ananda Morais (@ananda), de 16 anos, está na rede social desde os 13 (idade mínima para ter uma conta) fazendo dublagens super-produzidas para 4,3 milhões de seguidores. Ninguém imagina que a garota tímida, antissocial e de poucos amigos se mostra confiante no hobby que se transformou em trabalho com a ajuda dos pais, Daniela e Tom Morais. A mãe, advogada, toma conta da parte burocrática de contratos de publicidade, pagamentos e datas de postagens, além de cuidar de maquiagem, roupa e cabelo. O pai, músico, faz o papel de assessor e de diretor de criação. “A Ananda é uma empresa”, conta Tom, que é filho de Bola Morais, integrante dos Novos Baianos, e vê a filha caminhando na mesma direção, com cinco músicas já lançadas. A menina precisa equilibrar a criação de conteúdo com os estudos. Cursando o último ano do ensino médio, ela assiste às aulas on-line de manhã e cria três vídeos por dia à tarde. “Meus pais me ajudam porque tem coisa que eu não conseguiria lidar tendo só 16 anos”, explica Ananda sobre a relação estreita com a família. “Se ela quisesse, sairia de casa porque já pode se sustentar sozinha”, orgulha-se o pai.

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TikTok bomba na quarentena e lança nova geração de influenciadores
Ananda Morais, 16: dublagem e coreografias (Leo Martins/Veja SP)

Apesar de Ananda fazer sucesso com coreografias e dublagens, carro-chefe do TikTok, o aplicativo continua criando espaço para outros talentos. Letícia Gomes, 26, transforma-se em qualquer celebridade usando apenas maquiagem. A jovem aprendeu sozinha a técnica de contorno com luz e sombra que modifica os traços do rosto para se transformar em Fátima Bernardes, Lady Gaga ou Silvio Santos. Ela não imita apenas estrutura facial, rugas e cabelo, mas também os trejeitos. Usando takes de cada passo, o processo que leva cerca de quatro horas torna-se uma mágica de trinta segundos no TikTok. Como uma nova forma de entretenimento, não só marcas de cosméticos têm procurado Letícia. A maquiadora já participou de ações para Guaraná Antarctica e Seara e inventou uma maquiagem vermelha e branca para combinar com o logo da Claro.

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Letícia Gomes: grandes transformações apenas com make (Arquivo pessoal/Veja SP)

Para atrair ainda mais pessoas, o TikTok apostou no sistema de recompensa. O “TikBônus” é um programa que imita as estratégias dos apps de delivery e oferece códigos de convite para enviar aos amigos. Só que, em vez de receber cupons de desconto, ganha-se dinheiro de verdade. Cada novo usuário que se cadastra por meio de convite recebe 1,10 real e quem enviou o código ganha 2 reais. Diferentemente do YouTube, onde os influenciadores ganham de 0,60 a 5 dólares americanos a cada 1.000 visualizações, de- pendendo da relevância do canal, no TikTok não há monetização por views, mas dá para ganhar uma graninha extra, além de contratos publicitários. Os fãs podem comprar moedas virtuais dentro do aplicativo e presentear os tiktokers durante transmissões de vídeo. E esses influencers têm mesmo fãs. No último encontro organizado antes da quarentena, o Luciano do Valle lá do início do texto não esperava ficar mais de seis horas em pé para tirar fotos com seguidores, entre eles idosos que, antes, mais assistiam aos vídeos do que interagiam. Agora, criam as próprias contas para ter interação com familiares e se manter ativos. Renato Aragão (@renatoaragao), de 85 anos, por exemplo, já tem 1 milhão de seguidores na plataforma, com dancinhas e esquetes simples de humor.

Publicado em VEJA SÃO PAULO de 8 de julho de 2020, edição nº 2694. 

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