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“A autoestima e amor-próprio da Mônica me inspiram”, diz Mônica Sousa

A Mônica da vida real, que influenciou a mais popular personagem dos quadrinhos brasileiros, conta a história por trás da ficção numa autobiografia

Por Fabio Codeço
11 out 2024, 06h00
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Mônica de Sousa, inspiração para a Mônica dos Quadrinhos no escritório da Maurício de Sousa Produções (Leo Martins/Veja SP)
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Criada na década de 60, a Turma da Mônica atravessou gerações de brasileiros e se tornou a mais popular história em quadrinhos do país, alavancando a Mauricio de Sousa Produções, uma espécie de Disney nacional.

Musa inspiradora de sua personagem mais famosa, Mônica Sousa, 64, segunda de dez filhos do cartunista Mauricio de Sousa, acaba de lançar sua autobiografia, Mônica, a Mulher à Frente da Personagem (Record), onde fala pela primeira vez de assuntos como o peso de ser a Mônica, o diagnóstico de TDAH e os desafios enfrentados dentro da empresa criada por seu pai para se fazer respeitar. “Era para sair no ano passado, na celebração dos 60 anos da Mônica, mas não deu tempo. Foi dolorido escrever.”

Diretora-executiva da área comercial da produtora, setor responsável por mais de 4 000 produtos licenciados, ela criou, em 2016, o projeto Donas da Rua para reforçar a presença das meninas da turma e empoderar futuras mulheres. No prefácio do livro, seu pai escreve: “Assim como nos quadrinhos, a principal força da Mônica nunca esteve nos músculos. O seu grande ‘poder’ está na capacidade de superar dificuldades, incentivar as pessoas à sua volta, buscar caminhos, não deixar ninguém desistir”.

Como você pode conferir na entrevista a seguir, ele tem razão.

O que a Mônica da ficção tem da real?

A personagem nasceu quando eu tinha 3 anos. Nessa fase, eu era um pouco mais agressiva que as minhas irmãs (Mariângela, mais velha, e Magali, mais nova). A criança que tem esse temperamento começa a sociabilizar e vê que não pode ser desse jeito. Acho que isso aconteceu com nós duas. Meu pai escreveu uma história que gosto muito, A Ermitã, em que a Mônica briga com mais brutalidade com a Magali e acaba sem ninguém pra brincar com ela. Foi uma lição que aprendi na vida real também. A Mônica nos primórdios também era mais estourada. Agora está mais maleável.

Como foi lidar com uma personagem tão popular com traços de sua personalidade e até físicos?

Nada fácil. Eu sou baixinha, como ela. Ela é gordinha, como eu. Os apelidos me acompanharam a vida inteira. Mas eu não me via na personagem. Por um período foi como se eu estivesse assumindo um papel que não era meu. Era acusada de brigar muito e não achava justo. Senti o peso da fama da personagem recaindo sobre mim. Depois, fui me convencendo que não tinha jeito, que ela me acompanharia para o resto da vida. Tem o outro lado dela também, que é superamigo e protetor. Eu sou da mesma maneira.

Sua estatura ainda a incomoda?

Até hoje! Lembro que, quando me dei conta que não cresceria mais, fiquei muito angustiada. Foi a primeira vez na vida que me deparei com uma questão incontornável. Hoje adoro um salto alto.

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O que a Mônica lhe ensinou?

Ela é fenomenal, não está nos padrões de beleza, mas se gosta, se admira. Isso é fundamental. Sua autoestima e amor-próprio me inspiram. Os quadrinhos sempre tocaram em temas como aceitação, medo, bullying e ajudaram a formar gerações de brasileiros.

Qual a importância disso?

A Turma da Mônica sempre evoluiu de acordo com a época. Meu pai sempre foi muito sensível ao que estava acontecendo. A Mônica era uma menina que mandava na rua, não levava desaforo para casa. E foi pioneira nisso. Ela sempre foi empoderada.

Desde que ela surgiu, em 1963, novas discussões ganharam relevância, como diversidade e racismo. Como incorporar essas mudanças?

A gente sempre teve essa preocupação, e o que tínhamos de deficiência, fomos atrás de aprender. Certa vez, numa reunião da ONU Mulheres, um grupo de mulheres negras nos disse que não se sentiam representadas por nós. Aquilo me doeu na alma. Voltei para casa pensando que devia fazer algo a respeito. Passamos a organizar palestras de pessoas negras na Mauricio (de Sousa Produções), para a equipe. Assim surgiu a Milena (em 2019).

Por um período tive uma sensação estranha, como se eu estivesse assumindo um papel que não era meu

Mônica Sousa

Por um período tive uma sensação estranha, como se eu estivesse assumindo um papel que não era meu

Mônica Sousa

O que é o projeto Donas da Rua?

Quando fomos convidados a falar na ONU sobre a Mônica como uma referência de empoderamento, numa das apresentações ouvimos que as meninas de até 6 anos desenhavam super-heróis como meninas, mas depois dessa idade só desenhavam como homens, porque elas só tinham referências masculinas em papéis de importância, como presidente, diretor de empresa ou piloto de avião, por exemplo. Percebemos que tínhamos personagens femininos muito fortes e que não há nenhuma profissão que elas não possam ter. Começamos a vesti-las de grandes mulheres para contar suas histórias, como a cientista Katherine Johnson (que teve papel fundamental na missão Apollo 11). Paralelamente fizemos um trabalho interno, com palestras para roteiristas e desenhistas.

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E que resultados alcançaram?

Tiramos o avental das mães dos personagens, por exemplo. Nunca tínhamos nos dado conta, porque elas nasceram nos anos 60 e naquela época eram poucas as mulheres que trabalhavam fora. Hoje, o Cebolinha chega em casa e o pai dele está cozinhando.

Você se formou em desenho industrial. Ser filha do Mauricio de Sousa ajudou?

Na verdade, eu não tenho talento para isso. Eu fiz desenho industrial porque achava que ia desenhar móveis, que ia para a Itália depois de me formar. Mas, no finzinho da faculdade, comecei a trabalhar na loja da Turma da Mônica e me encantei pela área comercial.

E como trilhou seu caminho?

Quando eu entrei, só tinha homem no departamento. Eram seis, e só eu de mulher. Eles me olhavam com receio de que eu pegasse o lugar deles, por ser filha do dono. Mas nunca nem me queixei para o meu pai, acho que seria pior. Queria enfrentar do meu jeito, até para provar para mim mesma que eu tinha capacidade, apesar de ser a filha do dono. Foi bastante desafiador. Mas não ligava, nem ligo até hoje para desafios.

No livro você fala no diagnóstico de TDAH. Com foi?

Já no fim da vida dela, descobrimos que minha mãe tinha um aneurisma e hidrocefalia, e o neurologista pediu para os filhos fazerem exames. E nos meus relatos ele identificou o TDAH. Foi muito importante, porque eu me achava muito esquisita, me sentia uma alienígena em casa. E vejo que vem muito dessa condição o temperamento explosivo, a dificuldade de lidar com frustração, que a Mônica tem muito e eu tinha. O laudo foi libertador.

Qual o grande legado, na sua opinião, que a Turma da Mônica deixará para as futuras gerações?

Ensiná-las a respeitar as diferenças. Mas sem ser da boca para fora. Fazer isso a partir de casa, no seu dia a dia.

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Publicado em VEJA São Paulo de 11 de outubro de 2024, edição nº 2914

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