Peça “Ato de Comunhão” coloca um canibal no divã
Na montagem, Gilberto Gawronski interpreta com brilho o alemão que devorou um homem
Em 2003, veio à tona um dos crimes mais impactantes da era da internet. Diante de um tribunal alemão, o técnico de computação Armin Meiwes, de 41 anos, descreveu como devorou o engenheiro Bernd Jürgen, um ano mais jovem, em março de 2001. Enfático, ele sustentou que a dupla tinha consciência da prática antropofágica e não via mal naquilo. A plateia do Sesc Belenzinho ouve cada detalhe da história tão perplexa quanto os jurados que condenaram o canibal alemão à prisão perpétua.
Escrito pelo dramaturgo argentino Lautaro Vilo e protagonizado por Gilberto Gawronski, o monólogo dramático Ato de Comunhão recria o caso com elementos ficcionais e propõe uma visão confessional da personalidade de Meiwes. Pela falta de pudores ao expor a visão do criminoso, a montagem revolta, perturba, confunde e eletriza.
Lautaro Vilo dividiu a trama em três tempos. Primeiro,o personagem aparece no aniversário de 8 anos, quando já manifesta profunda solidão. Mais velho, enfrenta a perda da mãe rodeado por sentimentos contraditórios. Por fim, ele aguarda a visita de um homem descoberto semanas antes em um site no qual a maioria dos conectados se dizia simpatizante do canibalismo.
Fundamental para o espectador entrar no clima, a interpretação de Gilberto Gawronski mostra-se bem calculada. O ator alcança um nível técnico tão elevado que sua frieza transmite diferentes sentimentos, reforçados pela modulação da voz. Durante os silêncios, as repetições em off ou mesmo nas projeções em vídeo, não se ouve um suspiro, e o público acredita ver o próprio Meiwes.
Nesse jogo de convencimento, os gêneros se confundem, a realidade torna-se teatro e a ficcção atinge caráter documental. A direção de Gawronski e de Warley Goulart não tenta influenciar o público a simpatizar com o personagem, mas apresenta a sua explicação para, enfim, cada um elaborar o próprio veredicto.
AVALIAÇÃO ✪✪✪✪