Coletivo das Vilas Beatriz, Ida e Jataí cria moeda própria para fortalecer comércio local
Livrarias, pizzarias e padarias em Alto de Pinheiros aderem à "Beija"

Em 2014, Cecilia Lotufo, 50, proprietária da Pizzaria Dona Rosa, na Vila Jataí, percebeu a necessidade de unir os comerciantes do entorno para fortalecer o consumo de moradores nos negócios locais. “Antes da minha pizzaria, não tinha nenhuma em um raio de 1 quilômetro, mas as pessoas não tinham a cultura de usar o bairro para consumo, preferiam a (vizinha) Vila Madalena”, afirma Cecilia.
Para tentar resolver o problema, ela convocou a livreira Isabel Marão, 48, vizinha e dona da Cidade de Papel. A dupla decidiu mobilizar os comerciantes e organizar um mapa com estabelecimentos da região. Nascia assim o Coletivo das Vilas Beatriz, Ida e Jataí, que acaba de lançar a moeda local Beija, junção da sílaba inicial dos bairros — a iniciativa começou a ser desenvolvida em fevereiro de 2020, mas a pandemia acabou adiando sua implantação, que só aconteceu em julho passado, na tradicional festa junina promovida pelo coletivo.

“Todo ano, fazemos uma rifa com produtos doados pelos comerciantes para angariar recursos para a festa. Em 2024, a doação foram as moedas, rifamos 2 000 Beijas, para vinte pessoas”, explica a dona da pizzaria. Para lançar o projeto, o grupo conversou com donos de estabelecimentos para definir critérios no recebimento do novo dinheiro, que equivale ao real. Trinta e quatro deles toparam, com algumas regras, como receber apenas 50% do valor em Beijas ou vender apenas um produto na moeda. “O combinado era que, caso não quisessem mais aceitar o dinheiro, eles devolveriam e nós pagaríamos metade do valor em reais. Até agora, ninguém desistiu. Foi um jeito de estimular a circulação”, explica Isabel, que em sua livraria possui uma estante com promoção “compre um, leve outro” para pagamento em Beija.
Outro comerciante que aderiu ao novo “modelo econômico” foi o padeiro Túlio Schargel, 59. “A moeda está atingindo o principal objetivo: estimular o comércio local. Eu a recebo na padaria e uso na loja de material de construção, minha casa está em reforma, e compro leite para minha produção”, conta ele. Além de facilitar as transações na região, ela se tornou um meio de conexão entre as pessoas. “Estamos ampliando a rede do coletivo. Recentemente, fiz uma tatuagem porque o estúdio aceitava Beija e paguei metade do valor com ela”, relata a costureira Eliana Boarini, 61, outra adepta da iniciativa.

Atualmente, cerca de 3 000 Beijas estão em circulação e há uma fila de empresários interessados na adesão. Agora, estudam como integrar a moeda com outros braços da associação, que possui grupos de trabalho em prol da preservação da área — em mais de uma década, o coletivo já mobilizou o reflorestamento da Praça Carlos Monteiro Brisolla, compostou mais de 60 toneladas de resíduos dos moradores e participou de eventos como o Encontro Nacional das Águas, que discute formas de mitigar problemas ligados ao saneamento. “A gente quer trazer essa cultura do pensamento comunitário, de conhecer o vizinho”, declara Cecilia. Como ensina Esopo, “a união faz a força”.
Publicado em VEJA São Paulo de 27 de fevereiro de 2025, edição nº2933