Glatt: conheça o ateliê badalado que virou loja de restauração de obras de arte
Localizada no número 128 da Rua Francisco Leitão, em Pinheiros, galeria tem acervo com obras de mais de 200 artistas

Durante a década de 80, entrar em um dia qualquer na Glatt poderia significar encontrar artistas como Renina Katz, Maria Bonomi e Tomie Ohtake produzindo lado a lado. Isso porque a galeria de arte era o ponto preferido de grandes nomes da arte para produzir litografia. Na técnica, os artistas fazem seus desenhos em pedras litográficas, os quais, posteriormente, são impressos em gravuras. Mas não era tão simples assim. Para se tornar o principal ateliê de produção litográfica da época, chegando a editar 40 000 gravuras por ano, Elsio Motta — o fundador da Glatt, em 1973 — importava as pedras da Alemanha. Apenas para fazer uma impressão, eram necessários dois operadores de prensa, além de prateleiras e mais prateleiras para estocar papel. Com uma área que permitia que até dez artistas produzissem ao mesmo tempo, o então ateliê já recebeu mais de 200 nomes, como Roberto Burle Marx, Claudio Tozzi e Ivald Granato. Alfredo Volpi recebia a equipe da Glatt em casa para produzir suas gravuras. “Em alguns casos, a montanha ia a Maomé”, brinca Patrícia Motta. Funcionária da empresa desde sua criação, ela comanda as operações desde 1992, após o falecimento de Elsio, seu pai.
Localizada no número 128 da Rua Francisco Leitão, em Pinheiros, hoje a Glatt mantém um acervo de gravuras — a maior parte editada pela equipe — em litografia, xilogravura, gravura em metal, serigrafia e fine art, além de oferecer serviços de restauração e molduraria e comercializar as peças. O ateliê, no entanto, foi encerrado no início dos anos 2000, porque a litografia não está sendo muito utilizada pela nova geração. “A gente fazia uma edição, por exemplo, do Volpi, com duzentas provas e guardava para ir vendendo aos poucos. Aí tinha o investimento do papel, do próprio artista, do impressor, tudo era um custo muito grande. Hoje em dia, com o digital, você faz uma imagem, guarda no computador, imagina uma edição, mas vai fazendo aos poucos”, explica Patrícia. E conta: “Naquela época, a gente importava o papel para o ano inteiro, estocava. Hoje, isso parece ficção”, brinca.

A loja, então, adotou o papel de ajudar a preservar essa arte tão especial. Quando a reportagem de Vejinha visitou a galeria, uma gravura de Maria Bonomi estava no processo de ganhar vida nova nas mãos de Patrícia. A obra será uma das que a artista vai exibir em sua nova exposição. Outra restauração atual é uma pintura de Di Cavalcanti, da década de 50. “A restauração tem vários passos. Primeiro, a gente clareia com hipoclorito, que é uma coisa parecida com água sanitária, é o mesmo princípio ativo. Depois, tem que lavar para tirar o sal da química e voltar o pH para um pH de papel normal, que é um pH alto, para ela poder estabilizar”, explica a restauradora.

O negócio já está na terceira geração da família. “Nós somos em nove, contando comigo e com a minha filha, Fernanda, que toma conta também. Já teve época de a gente ter mais de cinquenta funcionários, no tempo em que imprimíamos gravuras.” Outro serviço oferecido pela Glatt é o de molduraria. “A gente monta pensando na conservação da obra”, ressalta ela. Um dos destaques exibidos é uma placa em metal gravada por Burle Marx, exposta ao lado da gravura que dela resultou. “Assim, as pessoas podem ter uma visão do processo de impressão”, explica Patrícia. Há ainda pedras litográficas espalhadas pelo ambiente e uma prensa litográfica nos fundos. Com fila de espera, a equipe faz cerca de sessenta restaurações por mês, que podem demorar de três dias a três meses, dependendo do material. A aquarela, por exemplo, é mais demorada. Pela dificuldade e pelo tamanho da peça, o preço de uma restauração na Glatt varia de 130 a 2 060 reais. Preservar arte é investimento.
Publicado em VEJA São Paulo de 1º de agosto de 2025, edição nº 2955.