Grupos de bordado viram espaço de socialização para público 60+ e trazem benefícios para a saúde
Ponto em Verso, no Sesc Avenida Paulista, e o grupo de bordado da Biblioteca Raul Bopp são algumas das iniciativas que fortalecem vínculos na cidade
Há três anos, quando deixou Recife para morar em São Paulo, Irene Sampaio, 70, temia enfrentar a solidão na grande metrópole, onde só conhecia o filho. Ela encontrou alento nos encontros de bordado da Biblioteca Raul Bopp, no Parque da Aclimação, que frequenta religiosamente há um ano e meio. “Virou uma família”.
Apesar de não ser uma grande fã da técnica, ela se encantou com o grupo. “Na verdade, eu queria mesmo era ter um lugar para ir na sexta-feira, o bordado era só desculpa”, confessa a artesã, que se engajou tanto que hoje coordena o projeto. Depois das sessões, que acontecem entre 14h30 e 17h, as bordadeiras se reúnem para tomar um café — com direito a bolo quando é aniversário de alguma participante.
“Estou gostando muito de morar em São Paulo justamente por causa dessas conexões”, conta a recifense. E o vínculo se estende além dos encontros semanais, com passeios que vão desde uma visita ao Masp até sessões de cantoria no karaokê.
Outras iniciativas na cidade buscam transformar o bordado em um espaço de troca para pessoas 60+. No Sesc Avenida Paulista, Blenda Souto Maior toca o projeto Ponto em Verso, um clube que mistura literatura e artesanato, também voltado para o público mais velho. Com encontros mensais e gratuitos, entre julho e dezembro deste ano, a iniciativa convida os participantes a discutirem o livro do mês enquanto fazem bordados inspirados na leitura.
O foco da curadoria é a literatura de autoria negra — tema do mestrado de Blenda, concluído em 2024, e do doutorado que cursa atualmente, ambos pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. “O bordado vira uma porta de entrada para que as pessoas acessem literaturas muito importantes na construção do pensamento crítico”, conta a doutoranda.
Juntos, os bordadeiros já leram “Estela Sem Deus” (Companhia das Letras; 184 págs.; R$ 74,90), de Jeferson Tenório e “Eu, Tituba: bruxa negra de Salem” (Rosa dos Tempos; 252 págs.; R$ 69,90), de Maryse Condé. O próximo encontro, em 3 de setembro, se debruçará sobre “Virgínia Mordida” (Companhia das Letras; 192 págs.; R$ 79,90), de Jeovanna Vieira.
“A curadoria que faço geralmente desperta temáticas da experiência feminina frente a violências e ao patriarcado. É muito interessante ver o público 60+ refletindo sobre isso e sobre as próprias vivências. Vejo muitas mulheres tomando consciência de que algumas coisas que viveram eram violências a partir do debate literário”, relata Blenda.
O hobby traz benefícios cruciais para a longevidade. O principal deles, segundo Rosa Chubaci, gerontóloga e professora da USP, é o fortalecimento da memória. “As artes manuais exercitam o cérebro, porque o artesão tem que focar na contagem dos pontos, por exemplo”. As práticas também auxiliam na coordenação motora, muitas vezes fragilizada por artroses, e a socialização promovida pelos clubes tem um papel fundamental na manutenção da lucidez. E quanto mais cedo melhor: “Se uma pessoa começar aos 30, 40, 50 anos, já vai beneficiar na velhice dela”, explica Rosa. Partiu para o armarinho mais próximo?
Publicado em VEJA São Paulo de 29 de agosto de 2025, edição nº2959.





