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“Não dá para conceber SP sem a Semana de 22”, afirma Helio Goldsztejn

Diretor revela detalhes de série sobre modernismo prestes a ser lançada na TV aberta, traça paralelos com a época e aponta seus impactos nos tempos atuais

Por Mattheus Goto
24 jan 2025, 06h00
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Helio Goldsztejn, entusiasta dos modernistas: “Eram geniais” (Leo Martins/Veja SP)
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Quando as pintoras Anita Malfatti e Tarsila do Amaral e os escritores Menotti Del Picchia, Oswald de Andrade e Mário de Andrade reuniram-se para idealizar um novo projeto para a arte brasileira, o rumo de todo o país se redesenhou. A Semana de Arte Moderna de 1922 entrou para a história não só no âmbito artístico, mas também político, social e cultural.

Agora, uma série pretende ir “além da mesmice” e mostrar, em um misto de ficção e realidade, a origem do movimento e de seus protagonistas.

Com direção-geral do jornalista e diretor Helio Goldsztejn, 70, Aqueles Dias teve pré-estreia na 48ª Mostra SP e vai ao ar na TV Cultura de 13 a 16 de fevereiro, sempre às 23h. A produção, com quatro episódios, também está em vias de negociação com uma plataforma de streaming.

Além de apresentar causos históricos, com atores no papel dos modernistas, ela propõe um diálogo com a contemporaneidade por meio da inserção de elementos fictícios, como uma mulher trans como narradora e o uso de celular pelos personagens, imaginando como seria a relação deles com a tecnologia.

Esses e outros “estímulos para a audiência jovem” foram proposições de Goldsztejn, que desenvolve projetos com a própria produtora, a B2 Produções.

Como surgiu a ideia da série?

Sempre fui muito fascinado pela Semana de 22. Aquilo foi um clarão no meio da história. Por volta de 2018, meus sobrinhos estavam tendo aula na escola sobre o assunto, mas de uma forma voltada para vestibular. Esses caras (modernistas) eram tão geniais. Quando a gente aprende na escola, vira uma coisa burocrática, nem por conta dos professores, mas porque existem tarefas a ser cumpridas, e perde-se a magia. A ideia foi conceber a série com eles jovens, antes de serem modernistas. Percebi que gostaria de mergulhar dessa forma, entender a origem, a raiz.

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Quais foram os critérios do roteiro?

Para não cair no didatismo, cheguei à conclusão de que a história precisava ter elementos contemporâneos. Esses caras com certeza estariam usando celulares hoje. E seria um estímulo para essa audiência mais jovem. Houve uma forte negociação com as famílias para conseguir autorizações dessa ficção. Quando propus ao codiretor, Beto Marquez, e aos roteiristas, Fabio Brandi Torres e Arthur Warren, gostaram da ideia, mas tiveram certo estranhamento. Foram vários meses de elaboração, ao longo da pandemia. Eles trouxeram muito humor da experiência deles. Por exemplo, durante a Semana, Tarsila estava em Paris, então criamos o Grupo dos Cinco do WhatsApp.

Que locações foram utilizadas?

São Paulo era considerada jeca na época. O Rio de Janeiro era descolado, o Rio era a metrópole. São Paulo era muito autocentrada. A gente queria que as locações mostrassem isso e o desejo do projeto de desenvolvimento. Filmamos no Parque da Luz, no Palácio dos Campos Elíseos, no Largo da Memória e no palacete de José de Souza Queiroz, na Rua Conselheiro Nébias. Quase todos os locais foram difíceis de conseguir. Foi necessária uma grande negociação, com ajuda dos coprodutores (Lira Filmes e Núcleos Criativos).

Como se aprofundou nas pesquisas?

É tudo conhecimento de domínio público, mas não é divulgado. Os modernistas tinham vida própria. Discutiam, faziam sexo, acontecia tudo. Era um centro de disputa, debate, mau humor. A biografia do Oswald conta isso em detalhes. Romances, frustrações, situações constrangedoras com parceiras. Ele tinha um olhar conservador, escreveu um artigo extremamente racista e foi mudando ao longo do tempo, até chegar no Manifesto Antropófago. Outras fontes de pesquisa foram 1922, do Marcos Augusto Gonçalves, e 22 por 22, da Maria Eugenia Boaventura. Foram mais de vinte livros. Também li a correspondência do Mário para a Tarsila. Muita coisa contada por eles não é divulgada por historiadores.

“Cem anos depois, vivemos num país com a mesma vontade de mudar as estruturas vigentes. A mesma polarização acontecia lá atrás. Há um paralelismo gigantesco”

Helio Goldsztejn
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O Masp fez uma exposição no ano passado sobre a sexualidade do Mário de Andrade. Como a série agrega ao assunto e à história dele?

A gente deixa claro esse conflito do Mário com a sexualidade. Era um cara discreto, mas não escondia os amantes. Tem fotos dele nas viagens pelo Brasil. Claro que, para a época, era diferente. Estamos falando de 100 anos atrás. Ele sofreu muito com as críticas e indiretas do Oswald. A reação vira um rompimento, que não aparece nessa primeira temporada, mas já há um sinal de desconforto com esse tipo de provocação.

Há paralelos com a atualidade?

Quando se juntaram, os modernistas queriam mudar as estruturas vigentes. Cem anos depois, vivemos num país com a mesma vontade. Eles viveram a gripe espanhola, nós vivemos a covid. A mesma polarização acontecia lá atrás, o contexto da guerra… São histórias com um paralelismo gigantesco.

Que mensagens a produção traz?

Não foi São Paulo que criou o modernismo. Foi um ato mercadológico, bancado por fazendeiros conservadores. Eles estavam enriquecendo e não tinham o poder político que o Rio tinha. Viram uma grande oportunidade de divulgar essa São Paulo moderna. O que acho legal na série é como diferentes posições podem ter pontos de contato. Como conservadores podem ter contato com a Semana de 22, por exemplo.

Quem são os “novos modernistas”?

Tantos. O Emicida, com o show AmarElo. Caetano Veloso, Liniker, BaianaSystem… Elza Soares! Lilia Schwarcz. Por mais que a Semana seja criticada por um ou outro aspecto, deflagrou um processo importantíssimo.

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Qual foi o impacto da Semana de 22?

Você não pode conceber São Paulo sem a Semana de Arte Moderna. É um divisor de águas. Há uma mudança clara na imprensa, na política. Os anarquistas, que eram reprimidos, começam a representar o povo trabalhador. Isso está exposto na série. O rococó deixa de ser prioritário. Começa a se pensar em estruturas arquitetônicas modernas, projetos como o do Oscar Niemeyer no Ibirapuera. Foram mudanças profundas, culturais, políticas, sociais, arquitetônicas.

Quais são os planos pela frente?

Estou finalizando um documentário sobre a artista Amelia Toledo e começando a desenvolver uma série sobre o escritor Herbert Daniel. Essa pode ser a única temporada de Aqueles Dias, inclusive brincamos com isso na série, mas a história não termina na Semana de 22. É um ponto de partida.

Publicado em VEJA São Paulo de 24 de janeiro de 2025, edição nº 2928

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