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“Tenho um estresse pós-traumático que se chama Brasil”, diz Johnny Hooker

O cantor e compositor pernambucano fala sobre sua realidade como artista independente, as dificuldades do mercado e seu novo disco, Orgia (2022)

Por Tomás Novaes
Atualizado em 27 Maio 2024, 21h41 - Publicado em 5 ago 2022, 06h00
Imagem mostra homem com roupa preta com adornos dourados, incluindo uma coroa em formato de cobra
Na luta: ensaio de divulgação do novo disco, o pop Orgia. (Carlos Salles/Divulgação)
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Pernambucano morador de São Paulo desde 2017, John Donovan Maia, ou Johnny Hooker, é cantor, compositor, ator, roteirista e, principalmente, artista independente.

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Lançou Orgia (2022), o terceiro disco de estúdio da carreira em junho, que será apresentado na Casa Natura Musical no dia 13, sábado. Trata-se de um forte manifesto pop influenciado pelo livro homônimo do argentino Tulio Carella, no qual o autor narra suas aventuras sexuais no Recife de 1960.

Confira a conversa sobre o álbum e a visão desiludida de Hooker sobre o mercado fonográfico:

Você gravou esse disco durante a pandemia em cidades diferentes. Qual sua relação artística com São Paulo e com a capital pernambucana?

Minha relação com Recife é muito forte, porque é minha origem. Foi o brega, o maracatu, o frevo, foram os ritmos nordestinos que me formaram como pessoa. Foi aquela cidade meio gótica, antiga, escura, caindo aos pedaços que me formou. E foi em São Paulo onde me encontrei como adulto e onde descobri muitas possibilidades: toda vez que chegava aqui, encontrava um mundo de coisas novas. É uma cidade que já foi muito menos careta. Acho que o grande personagem desse disco é São Paulo. É por isso que o final dele é tão sombrio, porque vi a cidade se tornar uma zombieland, um The Walking Dead. Vi a cidade mais rica da América Latina se transformar em uma procissão de pessoas e famílias morando nas ruas, uma cidade completamente abandonada.

Acha que é mais difícil ser artista independente hoje do que em 2015, quando lançou seu primeiro disco?

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Muito mais. Nem se compara. Primeiro porque a gente perdeu as redes sociais como ferramenta de divulgação, isso já é uma realidade. Quando eu lancei o disco Eu Vou Fazer uma Macumba pra Te Amarrar, Maldito! (2015), as redes sociais me ajudaram bastante, porque entregavam muito — então, com o público quatro vezes menor, eu alcançava dez vezes mais pessoas. As redes sociais querem que você faça o que elas mandam, que você faça o vídeo, a dancinha, que seja tudo igual. Mas tenho uma tranquilidade em relação a isso tudo porque a gente já passou por muita coisa. Sou do tempo do ICQ, depois do Orkut, depois do Fotolog, o Facebook, o Instagram. agora o TikTok. Essas coisas passam. O meu medo é que o algoritmo seja a regra para sempre, porque o mundo fica completamente homogeneizado — todo mundo fica com a cara da boneca Kardashian, fazendo a mesma dancinha, os mesmos passinhos.

A pandemia foi fatal nessa mudança?

Acho que a pandemia aprofundou, escancarou o abismo social no Brasil. Tem o fator econômico, que a gente está retornando aos palcos para uma turnê em um momento péssimo. Meu público é jovem, todo lascado, trabalhando em cinco empregos.

Como você enxerga o mercado musical, além das redes?

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O Brasil é um país saudosista de um passado que ele não viveu. A gente liga a rádio e as músicas que estão tocando são dos anos 90, dos anos 80, de um auge de gravadoras, um auge de dinheiro que nunca foi reformulado. Ao mesmo tempo, tem o agronegócio, que engoliu a música no Brasil. A gente viaja por muitos países tocando, e nunca vi isso ter acontecido em nenhum desses lugares: um subsetor da economia ter engolido uma indústria artística inteira. Não me sinto seguro no Brasil. Fico me perguntando se vale a pena gastar meus últimos anos de juventude — essa primeira juventude — num lugar onde me sinto assim. Quando eu estava em turnê na Europa, eu dizia: tenho um estresse pós-traumático que se chama Brasil.

A faixa Estandarte também nomeia sua turnê. Qual a importância dela?

Estandarte é uma música que fala sobre ressignificado, sobre juntar os caquinhos e começar de novo, que é uma coisa em que o brasileiro é expert. O que ela tenta acordar nas pessoas é que a gente pode ser feliz, a gente pode ser uma civilização, a gente tem essa alegria na gente, na nossa cultura, na nossa música. A nossa música é diversa, é chiquérrima. A gente pode acender de novo a chama da alegria, do Carnaval — e ao mesmo tempo é uma música sobre um Carnaval que não houve. Como vejo o disco mais ou menos como um filme, ela representa muito o ato final, a despedida. Quando quase tudo, mas nem tudo, está perdido.

A faixa termina com o áudio de um discurso da vereadora Marielle Franco, assassinada em março de 2018. Qual a força política do seu disco?

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Faz 1 496 dias (na data da entrevista) que a gente não sabe o que aconteceu com ela. É para acabar o disco deixando a pergunta: Ainda existe um país? O Brasil é perigosíssimo para quem se pronuncia politicamente, para quem fala de direitos humanos, para quem luta pela nossa Amazônia, para quem luta por qualquer melhoria. O disco é também uma maneira de homenagear os que vieram antes, porque a Marielle era LGBT, Tulio Carella também. O Tulio foi um preso político na época dele, foi preso no Recife por sodomia por causa desses diários e foi extraditado para a Argentina, que estava prestes a sofrer um golpe militar.

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Em maio, você fez um tuíte sobre o número baixo de streams do single Cuba, em que você diz que “não há mais demanda pelo meu trabalho” e que “é preciso saber a hora de se retirar”. Qual era o seu sentimento quando escreveu isso?

Sentimento de desespero total, de falta de perspectiva absoluta. Estava e ainda estou me sentindo punido por querer trabalhar no Brasil, por estar disposto a fazer as coisas, por entregar coisas belíssimas e poderosas. Foi um desabafo muito sincero que partiu exatamente do meu desespero. Estava precisando soltar aquilo do peito.

Depois, você fez uma turnê na Europa e agora está com uma boa agenda de shows no Brasil. Isso não comprova que tem muita lenha para queimar?

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Com certeza, tem muito público. O meu desabafo foi mais no sentido de: até quando não vão me deixar sair da bolha? Não vão me deixar furar essa bolha, não importa quantas vezes prove que sou f*@#, quantos prêmios ganhe, quantas turnês internacionais faça, quantas vezes toque no Rock in Rio. Não importa quantas vezes eu prove tudo isso.

Mas esse é um bloqueio do mercado, e não individual, não?

Com certeza. Tem muita gente com potencial fazendo música pop, tão pop quanto quem está tocando na rádio, mas que não tem oportunidade porque não tem 1 milhão de seguidores no Instagram. Todas as pessoas que quebraram para o mainstream viraram celebridades primeiro, fora alguns raríssimos casos. É só isso que a gente pede no final do dia: uma oportunidade. O problema é que a última oportunidade que eu tive de estrear um single na TV foi em 2017 — faz cinco anos.

Pensa mesmo em deixar a música e seguir outro ramo?

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Sempre penso. Na verdade, minha grande paixão sempre foi o cinema — a música meio que me sequestrou —, mas no Brasil não tem cinema. Talvez falar sobre cinema, porque o YouTube é uma boa ferramenta para isso, mas não sei se vou conseguir fazer essa pausa, se vou conseguir trabalhar com outras coisas, porque, como eu falei, fui punido por investir no meu trabalho. Não posso mais parar porque a gente investiu muito e esse investimento tem de se pagar em algum momento. Então, estou preso, tenho de trabalhar, já passei do ponto do burnout há muito tempo, mas continuo aqui tentando fazer o que eu posso e dando o meu melhor.

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Publicado em VEJA São Paulo de 10 de agosto de 2022, edição nº 2801

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