Roberta Medina sobre The Town: “Nós somos um festival mainstream, não de nicho”
A vice-presidente da Rock World fala sobre os bastidores do evento, que acontece em Interlagos de 6 a 14 de setembro, e os quarenta anos do Rock in Rio

Roberta Medina, 47, carrega no sobrenome toda a história do mais famoso festival de música do país, o Rock in Rio.
Filha de seu criador, o publicitário Roberto Medina, a empresária carioca seguiu a trilha familiar à sua maneira, especializando-se na produção de grandes eventos.
Hoje, é vice-presidente da Rock World, empresa responsável pelas maiores experiências musicais do Brasil: o Rock in Rio e sua versão portuguesa, além do Lollapalooza Brasil e do The Town, cuja segunda edição acontece nos dias 6, 7, 12, 13 e 14 de setembro, no Autódromo de Interlagos.
Há mais de vinte anos, desde a estreia do Rock in Rio Lisboa, em 2004, Roberta vive entre o Rio de Janeiro e a capital de Portugal. Em 2017, fixou-se de vez em terras lusitanas.
A seguir, ela comenta sobre os bastidores da “versão paulistana” do Rock in Rio, que neste ano reúne artistas como Travis Scott, Lauryn Hill, Green Day e Iggy Pop. Confira.
Quais as principais novidades do The Town neste ano?
Teremos novas atrações, o palco Quebrada e o espetáculo The Tower. E a primeira experiência em um terreno traz muitos aprendizados. Em 2023, anunciamos a abertura para as 14h, mas, como muita gente estava acostumada a outros eventos que abrem às 11h, chegaram supercedo. Neste ano vamos abrir ao meio-dia. Também fizemos o reposicionamento dos palcos — a conversa entre o The One e o Skyline (os dois palcos principais) criou um gargalo muito grande de circulação. Agora o The One está em outro lugar, assim abrimos um espaço imenso, tiramos outras estruturas do caminho e ampliamos o intervalo entre shows nesses dois pontos. Com isso, acreditamos que vai melhorar bastante o acesso aos banheiros e à alimentação.
“A repetição dos artistas tem a ver com o sucesso no Rock in Rio. Foram os nomes que esgotaram e que o público quer ver. Se as pessoas querem, trazemos de novo”
O festival promove, com a Gerando Falcões, um projeto social na Favela do Haiti, na Zona Leste. Qual foi o avanço?
Melhorou muito em termos de ligação à rede de esgoto, satisfação dos moradores, casas sem condições que foram reconstruídas, além de toda a parte de embelezamento. Estamos finalizando esse capítulo para abraçar novas comunidades em seguida. Nós temos três tempos de atuação: no curto prazo, a fome; no médio prazo, a redução da pobreza; e, no longo prazo, a emergência climática. Temos neste ano a chegada da COP30 (conferência da ONU sobre mudanças climáticas, em novembro, em Belém) e decidimos colocar nossos holofotes na Amazônia, com uma presença muito grande em todo o The Town. Todos os dias, haverá um megavideomap ping da floresta no palco Skyline. A nossa missão é chamar atenção, queremos verbalizar que a floresta de pé é muito mais valiosa do que no chão.
Em janeiro, o Rock in Rio fez quarenta anos. Quais as suas lembranças daquela primeira edição?
Era época de new wave (gênero musical popularizado nos anos 1980, com estética colorida), então lembro de colocar gel com brilhos no cabelo e dormir no chão de um camarote qualquer. Tenho outros dois takes visuais: a Rita Lee e a Nina Hagen. Depois de muitos anos com cabelo azul, percebi que era porque uma tinha o cabelo rosa, e a outra, vermelho (risos). Na garagem de casa havia milhares de fotos, e uma marcante era do Ozzy Osbourne, porque a imagem dele era muito forte, com aqueles olhos pretos. Na época em que eu cresci, o Rock in Rio não era um projeto permanente. O que aconteceu em 1985 foi um fato histórico, com brigas políticas, Cidade do Rock destruída, prejuízo gigantesco. O Maracanã (segunda edição, em 1991) foi muito melhor, mas também deu prejuízo. Fizemos em 2001 (a terceira edição) com a força da marca e a paixão do Roberto, mas tudo dizia que daria errado. Quando viemos para Lisboa e passamos a fazer de dois em dois anos, o festival passou a ser uma empresa.
Como vocês pensaram o line-up deste ano e por que repetir nomes que vieram no ano passado ao Rock in Rio, como Travis Scott e Katy Perry?
Nós fazemos festivais desde 1985, e, se olharmos o cartaz do primeiro Rock in Rio, com Ney Matogrosso, George Benson, Ozzy Osbourne, dá para ver que sempre foi muito diverso. Hoje, cada dia é pensado para um público específico — neste ano abriremos com rap e trap, depois vem o rock e o pop. Óbvio que tudo depende da agenda dos artistas. Tem anos que conseguimos mais, em outros, menos. Lembro que, em 2001, existia a preocupação de que os dinossauros estavam deixando de existir e não teria mais headliners. Hoje, com o digital, novos headliners estão brotando. Os dois palcos principais têm uma linguagem parecida, e o resto da programação complementa a experiência. A gente sabe que a maior parte do público vai com amigos ou família, e nem sempre todos gostam da mesma coisa. O talento da curadoria está em, nos outros palcos, trazer a novidade. A repetição dos artistas tem a ver com o sucesso que fizeram. Esses foram nomes que esgotaram e que o público quer ver. Se as pessoas querem, trazemos de novo, não temos problema com a repetição. Nós somos um festival mainstream, não de nicho.
Um dos assuntos no mercado hoje é o crescimento das turnês solos, com shows em estádios. Qual a sua visão?
Com o digital, a venda de discos caiu a partir dos anos 2000, por isso os shows viraram fonte de renda para os grandes artistas, que ficaram mais acessíveis. Com o digital ganhando outra dimensão econômica, hoje eles não precisam mais fazer tantos shows. Mas não é que eles não fazem festivais; os maiores mercados vão continuar contratando. E já se nota um fluxo diferente, alguns artistas mudando de ideia, voltando para os festivais, porque financeiramente (os shows solos) podem ser bons, mas o risco fica todo para eles. A indústria passa por ciclos, e hoje as pessoas estão precisando, mais do que nunca, de experiências ao vivo, então a dependência de um grande nome não é a mesma. Os festivais estão potentes como sempre foram, mas precisam pensar nisso. Outra coisa bacana dos últimos anos é o crescimento da música brasileira. Hoje as turnês nacionais são muito fortes, temos mais oferta. A indústria sempre esteve concentrada nos Estados Unidos e na Inglaterra, mas esses mercados estão muito esgotados. Para onde crescer? A América Latina é a bola da vez dos próximos anos. Quando vemos o crescimento de J Balvin, Bad Bunny e Anitta, percebemos que, além do esforço e do talento desses artistas, existe o interesse da indústria em fazer a música latino-americana ganhar dimensão.
Publicado em VEJA São Paulo de 1o de agosto de 2025, edição nº 2955