Slam: a batalha de poesia falada que conquista espaço nas escolas de São Paulo
Criado há dez anos, o Slam Interescolar aproxima jovens da literatura e da mobilização social
Não é bem uma declamação de poesia, nem uma apresentação musical. É o slam. Com duração máxima de três minutos e total liberdade estilística, a batalha de poesia falada virou um sucesso absoluto nas ruas de São Paulo desde que aportou no país, trazida dos Estados Unidos, em 2008.
A modalidade, cujas estruturas remetem a uma competição esportiva, causa um fascínio especial nos jovens, seu maior público. Principal responsável pela popularização na faixa etária, o Slam Interescolar celebrou dez anos de atividade na edição que aconteceu entre terça (11) e quarta (12), no Teatro Sérgio Cardoso.
Estudantes do ensino fundamental 2 e do ensino médio subiram ao palco e, durante três minutos, compartilharam com a plateia insatisfações sociais, testemunhos pessoais, dores e emoções do cotidiano. “Não é permitido usar adereços ou acompanhamento musical, porque a ideia é focar na poesia. É para ser o mais acessível, natural e cru possível”, explica Emerson Alcalde, idealizador da competição. Aquelas são as únicas regras; não é preciso rimar, seguir um tema específico ou usar a norma culta, o importante é falar do coração.
Para eleger o vencedor, a organização convida cinco pessoas aleatórias da plateia, que compõem um júri popular responsável por dar notas de zero a 10 a cada apresentação. “A gente orienta que os jurados abram seus corações para receber aquilo. Não é para ser avaliado tecnicamente, mas emocionalmente”, explica Emerson, vice-campeão da Copa do Mundo do Slam em 2014 e fundador de outra batalha que acontece toda última sexta do mês na praça anexa à Estação Guilhermina-Esperança, na Linha 3-Vermelha do Metrô.
Criado em 2015, o Slam Interescolar começou com quatro escolas participantes e hoje mobiliza mais de 400 instituições — quase todas públicas. A linguagem mais próxima do cotidiano, o clima competitivo típico do esporte, a liberdade estilística e as intersecções com o hip-hop são alguns dos principais fatores que explicam sua popularidade entre a juventude.
Marcos Vieira, 17, morador de Itaquera, conheceu a atividade em 2019, por influência de uma professora de leituras, e logo se identificou. “A literatura não era meu forte, porque eu olhava para aquilo e pensava: ‘Poxa, mas não fala comigo, não conversa com a minha existência, por mais que a galera escreva muito bem’. Me encantei pelo slam porque falava daquilo que eu vivo.”
Em 2020, durante a pandemia, começou a frequentar batalhas on-line e não parou mais. Desde então, escreveu três livros e venceu a edição de 2024 do Slam Interescolar na categoria Ensino Médio, com um texto sobre violência policial. “Diariamente somos condenados, para a favela escorraçados, pelo Estado assassinados, e o governo assina embaixo”, declamou o poeta-estudante, que no último domingo (9) prestou o Enem com um sonho: ingressar na faculdade de letras.
O caso de Marcos não é isolado. Muitos jovens descobrem no slam um interesse renovado pela literatura e por outras linguagens artísticas. “A poesia tradicional é difícil, distancia quem não tem o hábito de leitura”, aponta Emerson, que acompanhou meninos e meninas que não liam passarem em universidades públicas para estudar ciências humanas, como letras e direito. “Vira uma espécie de letramento”, aponta.
Os temas abordados nas poesias dialogam diretamente com o cotidiano dos autores. Saúde mental, solidão e as novas tecnologias dividem palco com reivindicações sociais e denúncia de injustiças, com foco em questões raciais e de gênero, mescladas com testemunhos pessoais. “O slam é um espaço de luta, onde as pessoas expõem suas dores e resistem coletivamente. Durante aqueles três minutos, a gente se une à pessoa, a gente dói com ela”, afirma Marcos.
Na avaliação de Emerson Alcalde, o evento também cumpre um papel terapêutico. Muitos jovens, segundo ele, veem aquele espaço como o único onde são ouvidos e podem transformar a angústia em palavra. “Se eles não colocam para fora, adoecem”, comenta. Em comum, poetas e organizadores compartilham um sentimento de inconformismo diante das desigualdades. “A gente aponta essas injustiças hoje para que não seja mais preciso apontá-las em um futuro próximo”, declara o jovem Marcos.
Publicado em VEJA São Paulo de 14 de novembro de 2025, edição nº2970.
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